
Nas últimas duas décadas, os países da América Latina progrediram na expansão de seus sistemas educacionais. A proporção de crianças que iniciaram suas trajetórias escolares durante a primeira infância e concluíram o ensino médio aumentou significativamente em quase todos os países da região. As lacunas de desigualdade associadas ao status socioeconômico, à etnia e à área geográfica de residência, embora estejam diminuindo, ainda são muito acentuadas. Esta seção apresenta informações relevantes para medir o desafio restante. São apresentadas um conjunto de intervenções que os países estão promovendo para fechar as lacunas de desigualdade.
Contenido
- 1. Introdução
- 2. Estruturas normativas e institucionais
- 3. Políticas
- 3.1 Infraestrutura educacional, equipamento e dotação de tecnologia
- 3.2 Políticas sociais e intersetoriais para fortalecer as condições de vida
- 3.3 Modalidades educacionais alternativas e variações no modelo organizacional e pedagógico
- 3.4 Políticas sociais e intersetoriais para fortalecer as condições de vida
- 3.5 Fortalecimento das aprendizagens
- 4. Panorama regional em dados
- 5. Tendências e desafios
- 6. Bibliografia
- 7. Notas de rodapé
Autoria: Flavia Terigi e Bárbara Briscioli, sob a coordenação do IIPE UNESCO
1. Introdução
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 da Agenda 2030 define como meta, em escala global, “garantir uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo de toda a vida para todas as pessoas”. Recentemente, o Fórum Internacional sobre inclusão e Equidade na Educação1, com o lema “Todas e todos os estudantes importam por igual”, permitiu revitalizar o conceito ampliado de inclusão como princípio reitor geral para fortalecer a igualdade de acesso a oportunidades de aprendizagem de qualidade para todos os estudantes (Ainscow, 2024).
Uma visão compreensiva da inclusão implica:
Colocar o respeito e a valorização da diversidade no centro da educação, reconhecendo-a como uma característica própria da humanidade e como uma oportunidade para enriquecer a aprendizagem e a participação na educação.
Assumir a magnitude e complexidade das transformações que se requerem, reconhecendo os diversos fatores interconectados que intervêm nas dinâmicas educacionais e sociais de exclusão.
A partir desta perspectiva de inclusão, há uma ênfase especial em alcançar uma educação mais equitativa e de qualidade, reconhecendo que as ações orientadas a esse fim serão benéficas tanto em termos educacionais quanto sociais.
Em primeiro lugar, os avanços voltados à promoção de escolas inclusivas contribuirão para o fortalecimento do sistema educacional em seu conjunto. Criar condições que garantam o acesso e a participação plena em uma educação de qualidade implica no desenvolvimento de formas de ensinar que respondam às diferenças individuais, o que, finalmente, beneficia a todas as crianças.
Em segundo lugar, a partir de uma visão multidimensional da inclusão, gerar uma mudança na educação exige repensar a sociedade. Portanto, as escolas inclusivas consistem em um projeto ético, político e social, cujo objetivo é mudar as atitudes diante da diferença, educando a todas as crianças juntas sobre a base de uma sociedade justa e não discriminatória. Assim, é possível reconhecer a magnitude e complexidade das transformações necessárias que, sem exceção, devem modificar as bases socioculturais que sustentam as diversas formas de invisibilização, segregação ou exclusão na educação (Ainscow, 2024).
Atualmente, enfrentamos um desafio duplo: “Cumprir a promessa de garantir o direito a uma educação de qualidade para todas as crianças, jovens e adultos, e aproveitar plenamente o potencial transformador da educação como via para um futuro coletivo sustentável. Como será analisado, apesar dos esforços realizados e os avanços obtidos, ainda não foi possível garantir uma educação inclusiva e equitativa, considerando que mais de 2% das crianças da região estão fora da escola primária (SITEAL, 2022). Portanto, necessitamos um novo contrato social para a educação que possa reparar as injustiças e transformar o futuro” (UNESCO, 2022).
A partir destas considerações sobre inclusão e equidade, a análise não se limita ao acesso ao sistema educacional, mas considera as situações dos que atravessam trajetórias escolares descontínuas ou que não alcança a aprendizagem esperada, apesar da frequência escolar. Portanto, propomos considerar os seguintes parâmetros2:
- Que todas as pessoas que se encontrem em idade escolar frequentem a escola, e que o façam em instituições onde certas qualidades básicas estejam garantidas (infraestrutura, corpo docente, recursos pedagógicos, seleção curricular, tempo letivo).
- Que todas as pessoas tenham garantida uma formação compartilhada, independentemente de sua origem e das condições de sua criação.
- Que esta formação compartilhada não anule as singularidades e a cultura local, nem codifique a cultura de setores específicos da população como única autorizada; pelo contrário, que promova a compreensão da cultura e dos interesses de todas as pessoas.
- Que não haja condicionamento sobre o que os estudantes poderão continuar estudando após terem concluído um determinado nível educacional.
- Que cada vez que surja uma nova barreira ao acesso à escola ou para a aprendizagem nela, o Estado deve tomar medidas positivas imediatas para remover essas barreiras e gerar o apoio que permita a todas as pessoas desfrutar plenamente de seu direito à educação. Isso significa garantir acesso, experiências significativas ao longo de suas trajetórias e aprendizagens relevantes ao concluir cada um dos níveis obrigatórios.
Deve-se ressaltar que a abordagem adotada no documento adverte sobre as pressões excludentes (Ainscow e Miles, 2008) que operam sobre todos os grupos cujos direitos foram historicamente violados por pertencer a uma minoria étnica, religiosa ou linguística, ou a um povo indígena; por motivos de gênero e socioeconômicos; por ter uma deficiência; por viver em zonas rurais remotas; por ser migrantes, deslocados internos ou refugiados, entre outras situações. Embora o documento não aborde a situação de todos esses grupos de maneira diferenciada, enfatiza os esforços dos sistemas educacionais para promover políticas e práticas nas escolas que eliminem barreiras, e para projetar, implementar e sustentar mecanismos que tornem possível acolher a totalidade dos estudantes e tornar sua inclusão efetiva.
Em síntese, este documento aborda a situação dos sistemas escolares da América Latina a partir da perspectiva da inclusão e da equidade. Em um tempo histórico onde os governos empreendem esforços significativos para ampliar o acesso à escola e melhorar os resultados de aprendizagem, propomos avaliar a situação presente através do levantamento das principais políticas de desenvolvimento e de um conjunto atualizado de indicadores.
A seção seguinte caracteriza as estruturas normativas na região3 em relação à inclusão e equidade na educação. Em seguida, sistematiza as iniciativas políticas implementadas para garantir o acesso e a permanência de todas as crianças, adolescentes e jovens no sistema educacional. Também inclui uma seleção de indicadores para avaliar o avanço e os desafios pendentes em termos de inclusão e equidade na educação na região. Ao final, será apresentado um balanço da situação atual a fim de considerar os desafios para a inclusão plena.
2. Estruturas normativas e institucionais
A educação básica se expandiu na região ao longo do século 20. Os processos foram díspares segundo as realidades políticas, econômicas, sociais e culturais de cada país. Entretanto, nas últimas décadas, seguindo os padrões internacionais, houve um avanço na consolidação do direito à educação e na tendência sustentada de estender o período de escolaridade obrigatória.
As ondas de reformas educacionais e as novas legislações estabeleceram de modo progressivo a obrigatoriedade do último ano do nível inicial em todos os países da região, desde os anos 90. Ao mesmo tempo, a extensão do ensino obrigatório concentrou-se no primeiro nível da educação secundária a partir dos anos 2000, e depois na maioria dos países foi estendida à secundária superior4.
Conforme analisado (López, 2007), as últimas leis de educação dos países latino-americanos, aprovadas no início do século 21, estão estruturadas a partir de uma compreensão da educação como um direito, e propõem horizontes cada vez mais elevados com respeito à formação das novas gerações5. A tendência de universalizar e tornar obrigatórias novas etapas de escolarização reflete os esforços empregados pelas sociedades da região na tentativa de consolidar as bases para a inclusão educacional e social. Esta mudança de perspectiva nas estruturas normativas implica a obrigação do Estado de garantir uma oferta educacional universal e de qualidade em cada um dos níveis contemplados no novo cenário. Por exemplo, historicamente, a demanda por estabelecimentos de ensino no nível inicial ou na secundária superior estava concentrada principalmente em áreas urbanas e periurbanas, e em setores sociais situados nos estratos médios e altos da escala socioeconômica. A regulamentação atual, por outro lado, torna necessário garantir a oferta educacional em áreas geográficas ou sociais onde tal oferta não existia, como as zonas rurais ou as áreas de residência de setores mais marginalizados.
Em segundo lugar, o novo horizonte das políticas educacionais dos países, que exige que cada Estado garanta a todos os seus habitantes o acesso à totalidade do ciclo escolar obrigatório, leva à necessidade de promover ações que permitam àqueles que, por diversos motivos, interromperam suas trajetórias educacionais, retornar à escolaridade e reforçar o vínculo escolar com os que sofrem risco de abandonar a escola.
Finalmente, a obrigação de garantir o direito à educação de forma universal remete à necessidade de erradicar todas as formas de discriminação no funcionamento dos sistemas educacionais. Isso implica brindar atenção educacional à diversidade dos estudantes, com ênfase nos coletivos que historicamente sofrem diferentes formas de exclusão escolar na região.
A seguir, a Tabela 1 sistematiza as principais leis nacionais voltadas para a garantia da inclusão educacional de todos os estudantes, sem discriminação.
Como é possível observar, os diferentes países promulgaram leis para avançar a inclusão de pessoas com deficiência. Em muitos casos, e em função de suas realidades históricas e culturais, também definiram normativas sobre educação bilíngue intercultural voltada para os povos indígenas e as comunidades afrodescendentes. Em termos gerais, essas leis referem-se à restituição dos direitos de grupos em situação de discriminação ou vulnerabilidade.
Na mesma linha, houve avanço nos últimos anos em termos de leis sobre igualdade de gênero e políticas integrais de atenção e educação para a primeira infância. Embora fosse apropriado considerá-las aqui, não foram objeto neste levantamento, já que existem documentos específicos para cada uma dessas áreas (para mais informações, consulte o Panorama sobre educação e gênero e o Panorama sobre educação inicial).
Conforme analisado (López, 2007), uma vez promulgadas, essas leis são instrumentos políticos potentes. Consistem em horizontes que permite promover ações, convocar atores e mobilizar recursos. Entretanto, embora os compromissos legais façam parte do horizonte da política, não geram por si mesmos as mudanças para o pleno gozo do direito à educação. É através da política e do plano de ação educacional que se revela a forma como o Estado traduz estes horizontes em compromissos políticos concretos (IIPE UNESCO, 2020).
Neste sentido, os países da região contam com planos setoriais de inclusão e equidade na educação com o objetivo de brindar seu acesso à diversidade de estudantes, especialmente aos grupos com maior risco de exclusão.
A Tabela 2 sistematiza planos nacionais de educação que, em sintonia com as leis sancionadas nacionales de educación que, em consonância com as leis promulgadas desde o início do século, incorporam o “direito à educação” como uma força orientadora das políticas educacionais e como um objetivo principal para a igualdade educacional. Vale observar que a formulação geral do direito à educação nos planos é complementada pela reivindicação de uma ampla gama de direitos humanos de nova geração. Esses direitos reconhecem toda a extensão da diversidade individual e de grupos de qualquer categoria (cultural, étnica etc.), bem como a dos contextos sociais, que devem ser considerados e respeitados no processo de ensino-aprendizagem (Bentancur, 2010).
Simultaneamente, os países, segundo suas definições e prioridades, sancionaram planos específicos de igualdade de oportunidades com foco em grupos étnicos, migrantes, populações em situação de vulnerabilidade social e educativa, bem como planos de educação inclusiva destinados a pessoas com deficiência.
Por fim, os planos têm como fim ou objetivos da educação o desenvolvimento de atitudes e valores positivos e de uma formação adequada em temas como direitos humanos, meio ambiente, a tolerância e a cultura da paz e as instituições democráticas (Bentancur, 2010).
Em suma, nas últimas duas últimas décadas de ampliação do período de escolaridade obrigatória, os países latino-americanos tiveram avanços nas regulamentações para ampliar a escolaridade obrigatória e incorporar coletivos historicamente excluídos. Para isso, como apresentado na próxima seção, empreenderam processos de expansão de seus sistemas educacionais e modalidades alternativas para garantir as condições necessárias para contar com instituições escolares mais inclusivas.
3. Políticas
A política educacional na fase da escolaridade obrigatória é composta pelo conjunto articulado, regulamentado e direcionado de investimentos, bens, serviços e transferências que os Estados direcionam para garantir o direito à educação. Este documento contempla, particularmente, as decisões e a capacidade que cada país demonstra para sustentar o sistema educacional e reduzir as lacunas de acesso, a permanência e a conclusão entre os diferentes grupos sociais, com ênfase especial naqueles que historicamente foram excluídos ou relegados.
Para o levantamento das políticas educacionais no eixo inclusão e equidade vigentes em cada país da região, foi realizada uma análise de tendências, utilizando principalmente a base de políticas e normativas do SITEAL e os sites oficiais dos ministérios da educação nacionais.
Ao mesmo tempo em que se destacam certas políticas nacionais, deve-se observar que elas precisam ser analisadas sob uma perspectiva ecológica. Neste sentido, assumimos um alerta de Weaver-Hightower (2008), quem afirma que as condições que tornaram possível uma determinada iniciativa política e as formas que se desenvolveu configuram uma ecologia da política. Tomando a ecologia pelo que é, uma metáfora, o autor alerta sobre a necessidade de considerar essas dinâmicas e suas inter-relações ao analisar as regularidades e singularidades de cada política e seus processos, e evitar a tentação de sugerir transferências automáticas ou extensões descontextualizadas.
Como mencionado, a abordagem de inclusão educacional adotada considera todos os grupos cujos direitos foram historicamente violados devido à sua origem étnica ou religiosa, sua localização geográfica de residência ou nascimento, situação econômica, condição de gênero, deficiência, entre outros. Também se concentra nos recursos alocados pelos Estados para eliminar barreiras e fornecer apoio para garantir acesso, permanência e aprendizagem para toda a população dentro das instituições escolares.
Para fins de análise, este documento disponibiliza a sistematização das políticas educacionais que possuem fortes componentes de equidade e inclusão na agenda atual. Em seguida, são apresentadas as iniciativas políticas dos países da região, com a análise de algumas de suas características predominantes.
Foram definidas cinco áreas de intervenção para a classificação, começando pelos programas que buscam ampliar as condições para o acesso e os que focam nas condições pedagógicas para que estudantes permaneçam nas escolas. Entre os primeiros, estão: 1) os programas que buscam ampliar e melhorar a oferta educativa e a infraestrutura escolar; 2) os de fortalecimento das condições de vida das famílias e da população em idade escolar, os quais têm uma grande incidência no acesso à educação e permanência na escolaridade. No segundo grupo, estão as políticas educacionais, de escolarização e de ensino com foco nas condições pedagógicas, que se agrupam seguindo os seguintes critérios: 3) aquelas que propõem modalidades educacionais alternativas para atender especificamente a grupos historicamente excluídos do sistema; 4) as iniciativas de acompanhamento das trajetórias escolares; e, por último, 5) os programas mais recentes de fortalecimento das aprendizagens.
3.1 Infraestrutura educacional, equipamento e dotação de tecnologia
Desde as origens dos sistemas educacionais nacionais e com base nas singulares etapas de expansão, foi-se criando escolas para assegurar o acesso à educação. Os Estados devem garantir instituições em quantidade suficiente e com características adequadas. Na maioria dos casos, os esforços voltados para a construção de novos estabelecimentos educativos ou para a ampliação dos existentes possuem um caráter fortemente equitativo, pois buscam aumentar a disponibilidade de vagas para incorporar grupos de estudantes historicamente excluídos dos sistemas educacionais. Nos últimos anos, a construção ou ampliação de construções escolares se concentraram no aumento da oferta da educação inicial e secundária.
Por outro lado, as instituições criadas e existentes devem contar com as instalações necessárias para funcionar em cada contexto específico, bem como estar equipadas com o mobiliário e os materiais didáticos adequados. Em alguns países da região, desde fins da década de 2000, foram empreendidos grandes esforços para dotar a rede de instituições educacionais de equipamento tecnológico e conectividade. Foram distribuídos dispositivos eletrônicos para estudantes, docentes e instituições educativas, e, ao longo de toda a década, a maioria implementou políticas e planos em torno das tecnologias da informação e da comunicação (TIC). Mais recentemente, a emergência sanitária pela pandemia de covid-19 acelerou, onde foi possível, a ampliação da conectividade no território e a distribuição de equipamento.
Em relação aos programas nacionais de infraestrutura educacional, observa-se um sub-registro de linhas específicas vinculadas com este levantamento, que, em parte, responde ao modo em que ocorrem os acordos de construção ou reformas de escolas em nível territorial e, portanto, salvo exceções, não se constituem em programas de escala nacional.
A Tabela 3 apresenta alguns dos programas de infraestrutura escolar, equipamento e dotação de tecnologia vigentes nos países da região.
3.2 Políticas sociais e intersetoriais para fortalecer as condições de vida
Há também uma ampla gama de ações que contribuem indiretamente para ampliar as oportunidades de acesso, permanência e aprendizagem no sistema educacional, ao mesmo tempo em que fortalecem as condições de vida das populações mais vulneráveis e resolvem a precariedade que dificulta a inclusão, como as políticas sociais, de alimentação, de proteção de direitos e de promoção da saúde, entre outras.
No conjunto de políticas destinadas a garantir a inclusão e a equidade na educação, destacam-se aquelas que contam com a transferência direta de recursos financeiros e bens. No caso dos programas de alimentação, a transferência de recursos chega às pessoas responsáveis pela gestão dos estabelecimentos de ensino e se tornou um componente vital para o funcionamento das escolas. Em outros casos, como o das transferências condicionadas de renda, a identidade do programa é justamente a entrega de recursos (alimentos, livros didáticos, uniformes, entre outros) às famílias, às crianças e aos adolescentes na escola. O avanço dos sistemas de informação permitiu o desenvolvimento dessas políticas, que se expandiram e foram progressivamente instaladas em toda a região.
A Tabela 4 apresenta uma lista de exemplos de ambos os tipos de iniciativas.
Por fim, cabe destacar que, com as políticas de fortalecimento das condições de vida, as políticas integrais para a atenção e educação da primeira infância foram proliferaram nos últimos anos6.
3.3 Modalidades educacionais alternativas e variações no modelo organizacional e pedagógico
Retomando a classificação inicial dos programas, esta seção inclui aqueles que se concentram nas condições pedagógicas para que os estudantes permaneçam na escola.
Os Estados devem garantir, por um lado, que a educação seja gratuita nas etapas estabelecidas e, por outro, os meios e o acesso seguros. Ao mesmo tempo, os programas de educação devem ser acessíveis a todas as pessoas, e ninguém deve estar sujeito a discriminação por motivos de gênero, origem étnica, localização geográfica, situação econômica, deficiência, cidadania, pertencimento a um grupo minoritário, religião, orientação sexual, entre outros.
Para avançar nesse sentido, os recursos e as ações destinados a erradicar as diferentes barreiras que persistem no funcionamento regular dos sistemas educacionais constituem um dos pontos focais em que foram identificados os maiores esforços para melhorar a inclusão e a equidade. Essa é uma condição necessária para avançar no pleno exercício do direito à educação, traduzida em iniciativas ou orientações voltadas para populações ou grupos historicamente excluídos, por meio de propostas alternativas ou modelos educacionais e (re)definições curriculares, acompanhadas de orientações para sua gestão nos estabelecimentos de ensino.
É importante distinguir, neste ponto, entre as modalidades alternativas, que supõem a criação de circuitos institucionais paralelos ou complementares à educação comum (por exemplo, as históricas propostas específicas para jovens e população adulta, a educação intercultural bilíngue ou a educação hospitalar), e as que visam transformar a escola regular introduzindo variações no “modelo organizacional” e no “modelo pedagógico” (Terigi, 2011) da sala de aula padrão. Oferecer uma educação relevante, culturalmente apropriada e de boa qualidade para todos os estudantes nas escolas regulares exige, em todos os casos, a reformulação do modelo organizacional “tradicional”, bem como a revisão das estruturas curriculares e das estratégias pedagógicas.
A Tabela 5 destaca algumas das iniciativas desenvolvidas na região para mostrar o rico panorama nessa área.
O desenvolvimento de modalidades alternativas e modelos institucionais inovadores aqui apresentados é geralmente acompanhado de componentes específicos de formação e atualização para professores, tutores e equipes de gestão. Parte da capacitação para atuar nos contextos educacionais atuais faz parte da formação inicial e continuada da docência, mas também se implementam ações especificamente destinadas a consolidar o caráter inclusivo e equitativo do sistema educacional.
A título de ilustração, mencionamos alguns dos documentos que incluem orientações para professores, produzidos por diferentes países: Guia Metodológico de Planejamento Curricular - Educação de Pessoas Jovens e Adultas (Bolívia), Orientações técnicas para a inclusão educacional de estudantes estrangeiros (Chile), Orientações pedagógicas para a Educação Inicial de crianças pertencentes a comunidades de grupos étnicos (Colômbia), Linhas de ação para os serviços de apoio educacional oferecidos pela Educação Especial na educação pré-escolar e básica (Costa Rica), Adaptações Curriculares para a Educação com Pessoas Jovens e Adultas (Equador) e Guia de orientação docente para a reinserção educacional de crianças e adolescentes em condição de vulnerabilidade (Honduras).
3.4 Políticas sociais e intersetoriais para fortalecer as condições de vida
Conforme analisado, a chegada à sala de aula de crianças e adolescentes de populações mais carentes, como resultado do processo de ampliação da oferta e da melhoria dos processos de inclusão educacional, tem levado à necessidade de promover inovações nas dinâmicas institucionais, nos modelos organizacionais e nas propostas de ensino. Isso contempla, além dos programas voltados para os grupos populacionais já mencionados, estratégias que permitam a retenção ou o reingresso daqueles cuja trajetória escolar tenha sido interrompida por diversos motivos.
Em termos gerais, as políticas de apoio às trajetórias educacionais buscam manter a escolarização de grupos vulneráveis, em alguns casos em situações de extrema vulnerabilidade social. A Tabela 6 apresenta algumas dessas iniciativas. Deve-se observar que, nos países federais, há programas subnacionais ou federais que não estão incluídos aqui, dado o caráter da pesquisa.
A situação educacional resultante da pandemia de covid-19 levou os países a desenvolverem iniciativas com o objetivo de reintegrar crianças, adolescentes e jovens que haviam deixado a escola. Essas iniciativas se nutriram das experiências acumuladas em políticas como as descritas acima, mas também envolveram ações específicas de “reengajamento” e intensificação do ensino. Ao mesmo tempo, incorporaram novidades, como a disponibilidade de programas educacionais em meios televisivos, plataformas online, materiais impressos para lares sem acesso à internet, cursos de formação em ambientes virtuais de ensino para professores e até mesmo intervenções para apoiar a saúde mental de crianças e jovens (García Jaramillo, 2020).
É importante observar que, embora a pandemia tenha aprofundado as lacunas nas desigualdades sociais e educacionais, as desigualdades e disparidades no acesso à aprendizagem na região eram pré-existentes, conforme evidenciado pelas avaliações padronizadas. Assim, o cenário pós-pandemia e o retorno à presencialidade integral revelaram uma maior exacerbação das dificuldades nas conquistas básicas de aprendizagem, um diagnóstico que, em parte, levou às políticas descritas abaixo.
3.5 Fortalecimento das aprendizagens
Conforme analisamos, surgiram na região agendas de problemas educacionais que definem tendências em regulamentações e políticas. Essas começam a ser implementadas quase simultaneamente em alguns países e, com o tempo, são replicadas em outros, com suas especificidades, de acordo com a configuração e as histórias de desenvolvimento dos sistemas educacionais e suas situações atuais.
Com relação aos programas voltados para as condições pedagógicas para garantir a inclusão educacional, propomos uma classificação de acordo com seus objetivos e as etapas em que surgiram.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que, desde as décadas de 1960 e 1970, proliferaram na região os planos de alfabetização para grupos que não puderam acessar o sistema de educação formal em tempo hábil, principalmente devido à falta de oferta em determinados territórios e/ou à complexidade da vida das populações mais marginalizadas. Como mostra a Tabela 5, esse tipo de programa para jovens e adultos ainda está em vigor em alguns países da região que tiveram mais dificuldades para incorporar determinados grupos sociais ao sistema de educação formal.
Em segundo lugar, após a massificação da escolaridade primária e o aumento dos anos de escolaridade obrigatória, foram implementados programas de acompanhamento das trajetórias educacionais para melhorar as taxas de permanência e conclusão dos ciclos escolares obrigatórios. Esses programas se expandiram progressivamente na região, adaptando-se às diferentes histórias e realidades de cada país.
Em terceiro lugar, e mais recentemente, surgiram programas em alguns países da região que buscam reforçar a qualidade e a relevância das aprendizagens nas escolas. Dado que se trata de uma tendência incipiente e em desenvolvimento, é preciso considerar certas situações para analisá-la.
Na perspectiva da inclusão e da equidade educacional na agenda internacional e regional nas últimas décadas, obter uma aprendizagem relevante e significativa é crucial para garantir a inclusão efetiva, em oposição a uma visão que entende a inclusão em termos de acesso igualitário ao sistema educacional, sem considerar as conquistas e os resultados da escolarização. Nessa linha, a constatação de dificuldades no início e na primeira etapa da educação secundária gerou inquietações sobre os conhecimentos básicos que deveriam ser adquiridos nas trajetórias educacionais do próprio sistema escolar.
No mesmo sentido, a “crise de aprendizagem” que a emergência sanitária revelou, conforme mencionado, reflete o agravamento do déficit na obtenção de conhecimentos básicos e, em particular, de suas disparidades, que já eram evidentes nas avaliações padronizadas de aprendizagem anteriores à pandemia. Nesse contexto, devido às conhecidas desigualdades no acesso a propostas educacionais remotas e, posteriormente, às possibilidades desiguais de reintegração escolar, houve uma profusão de discursos e programas sobre a “perda” e a necessidade de recuperar as aprendizagens.
De uma forma ou de outra, essas situações mostram que o desempenho e o conhecimento esperados nos níveis escolares obrigatórios não são garantidos para grande parte da população. Portanto, no cenário pós-pandêmico, surgiram e/ou foram fortalecidos programas voltados para a melhoria da aprendizagem, tanto em termos de alfabetização inicial quanto em termos dos conhecimentos básicos que devem ser adquiridos nas escolas. Alguns desses programas estão sistematizados na tabela abaixo.
Tabela 7. Programas para fortalecer a qualidade e relevâncias das aprendizagens
A ênfase desses programas está principalmente nos processos de alfabetização inicial e na aquisição de conhecimentos básicos em linguagem, matemática e, em alguns países, também em ciências. Alguns desses programas têm até mesmo o objetivo explícito de elevar o desempenho educacional dos estudantes nas avaliações nacionais de aprendizagem. A análise das diferentes dimensões de políticas educacionais implementadas pelos governos da região revela esforços significativos para garantir a inclusão e a equidade nos sistemas escolares. Mesmo assim, como será visto na próxima seção, a universalização do ensino obrigatório ainda é uma dívida pendente na América Latina.
4. Panorama regional em dados
Tendo apresentado os avanços normativos em termos de inclusão e equidade na educação e algumas das políticas vigentes, esta seção incluirá uma seleção de indicadores para caracterizar a situação regional. Consideramos principalmente a base de indicadores estatísticos do SITEAL e os sites de organizações internacionais voltados para o tema7.
Para começar, é importante destacar que, nas últimas duas décadas, os países latino-americanos ampliaram seus sistemas educacionais. A proporção de crianças que iniciaram suas trajetórias escolares durante a primeira infância e completaram o ensino secundário aumentou significativamente em praticamente todos os países da região. No entanto, embora as desigualdades associadas à condição socioeconômica, etnia e área geográfica de residência tenham diminuído, elas ainda são muito pronunciadas.
De fato, os regulamentos e esforços empenhados levaram a um aumento das taxas de escolarização nas últimas duas décadas, tanto no último ano da educação inicial quanto na educação primária, com níveis próximos à universalização8, e em avanços na frequência na educação secundária. De acordo com os dados disponíveis, em média, a taxa líquida de matrícula na primária chega a 93% e quase metade dos países supera 95%. Além disso, em média, a taxa de conclusão da educação primária sobe para 94% (SITEAL, 2022)
A taxa ajustada de frequência na secundária também mostra um crescimento significativo em todos os países entre 2000 e 2022, com valores que em alguns países superam 30% entre as décadas registradas, como é possível observar no gráfico a seguir:
Entretanto, quando analisadas em detalhes de acordo com o nível de renda, são evidentes as profundas diferenças.
Especificamente na secundária, constatamos que, entre os setores de baixa e alta renda, em alguns países as diferenças ultrapassam 20 pontos percentuais. Em média, a taxa de conclusão da secundária é de 58%.
Conforme analisado em numerosos estudos (por exemplo, Terigi, 2016), o modelo organizacional da educação secundária apresenta dificuldades específicas para a transição de níveis por parte dos estudantes e, apesar do aumento no acesso para grupos historicamente excluídos, persistem problemas em termos de permanência e avanços nesta etapa da escolaridade.
Como é possível observar, entre as famílias com clima escolar baixo e alto, existe, em média, uma brecha de 80 pontos percentuais entre as pessoas que conseguem finalizar a educação secundária, dado que aumenta a 90% em alguns países da região. Esta situação reflete a transmissão intergeracional de desigualdades sociais e educacionais.
Na mesma linha, a média de anos de escolarização da população acompanha o avanço que a normativa de cada país define como obrigatório, embora as disparidades sejam muito acentuadas entre as áreas geográficas urbanas e rurais.
Como pode ser visto em nível regional, a média de anos de escolaridade é de mais de 10 anos nas áreas urbanas e menos de 7 anos nas áreas rurais, uma diferença que quase se duplica em alguns países.
Para efeitos da análise deste relatório sobre os avanços e desafios pendentes em termos de inclusão e equidade na educação, cabe destacar que a pandemia de covid-19 "produziu um aumento da desigualdade e, muito particularmente, retrocessos sociais em indicadores que vinham melhorando de forma meticulosa nas últimas décadas" (Benza e Kessler, 2022), incluindo os indicadores educacionais9 que, conforme discutido, as políticas mais recentes estão se propondo a abordar.
Finalmente, para dar conta dos desafios pendentes, incluímos dados sobre conquistas de aprendizagem dos estudantes na região. Para isso, contamos com os resultados do Estudo Regional Comparativo e Explicativo (ERCE) 201910, aplicado antes da pandemia em 16 países11 a crianças da 3ª e 6ª séries do ensino fundamental.
Os dados deste estudo indicam que os baixos níveis de desempenho persistem na região. Em Leitura na 3ª série, em média, 44,3% dos estudantes se situam no nível mais baixo de desempenho, e em Matemática, 47,7% estão no nível mais baixo. Na 6ª série, entretanto, apenas 23,3% atingem o nível de desempenho mais baixo em Leitura, 49,2% em Matemática e 37,7% em Ciências.
Da mesma forma, a maioria dos países da região não registraram melhorias significativas nos resultados de aprendizagem de seus estudantes do ensino fundamental desde a última avaliação, em 201312, e alguns países retrocederam em 2019. Somente no Peru, no Brasil e na República Dominicana foram observados avanços substanciais.
Os resultados do ERCE 2019 também fornecem informações sobre alguns fatores associados à aprendizagem; por exemplo, foram encontradas associações positivas entre a conquista alcançada e o fato de ter frequentado a educação pré-escolar. Entre os países participantes, mais de 80% dos estudantes avaliados frequentaram esse nível de ensino. Em geral, há uma diferença média de 28 pontos entre os que frequentaram a pré-escola e os que não, mas com diferenças entre os países.
Além disso, entre 40% e 50% das diferenças de aprendizagem entre os estudantes podem ser atribuídas a fatores relacionados às características da escola. Em outras palavras, as oportunidades de aprendizagem de qualidade estão associadas aos efeitos contextuais do nível socioeconômico da população matriculada no estabelecimento de ensino. Neste sentido, o estudo revelou que quanto maior o nível socioeconômico do contexto das escolas, maior é o rendimento de seus estudantes, um indicador de que as escolas não estão cumprindo um papel de igualar oportunidades.
Os resultados também destacam as desvantagens sistemáticas que os estudantes de povos indígenas têm em termos de seu desempenho e, portanto, levantam questões sobre as oportunidades de aprendizagem que estão sendo oferecidas a essa população. As lacunas, neste caso, podem chegar em alguns países a 100 pontos nesta avaliação13.
O nível de frequência escolar também está associado ao maior rendimento escolar. Os resultados do ERCE 2019 mostram que os estudantes ausentes da escola tiveram um desempenho inferior ao dos que a frequentam regularmente14. Também foi constatado que os estudantes que se dedicam aos estudos fora do horário escolar um dia ou mais por semana têm um desempenho melhor do que seus colegas, mesmo quando se leva em consideração a situação socioeconômica.
O estudo revelou que vários aspectos relacionados às práticas docentes foram consistentemente associados a melhores resultados das provas. Da perspectiva dos estudantes, os professores que organizam e preparam a classe e que apoiam a aprendizagem de seus estudantes, encorajando-os a perseverar e fornecendo devoluções oportunas, se associam a melhores níveis de realização das provas. Este resultado aponta para a importância de fortalecer as políticas docentes como um elemento-chave para melhorar a aprendizagem em todos os países da região.
5. Tendências e desafios
A seguir, apresentamos um balanço entre a regulamentação promulgada e as políticas implementadas nos diferentes países para promover a escolarização de grupos cujos direitos têm sido historicamente violados, bem como os avanços e os desafios pendentes para efetuar sua inclusão.
Como observado, os desenvolvimentos nas estruturas normativas consolidaram a narrativa da educação como um direito, e da inclusão e a equidade como princípios orientadores em todos os países latino-americanos nas últimas décadas. Ainda que as estruturas normativas sejam “declarativas”, eles indicam responsabilidades, fundamentalmente do Estado, como garantidor desse direito e estabelecem níveis de demandas que podem ser mobilizados socialmente. Nesse sentido, a região apresentou um avanço substancial nas políticas implementadas para alcançar a inclusão e a equidade na educação, bem como na expansão de seus sistemas educacionais, particularmente nas áreas recentemente definidas como obrigatórias – os últimos anos do nível inicial e da educação secundária.
Da mesma forma, conforme sistematizadas, as principais tendências de políticas que foram implementadas na região são agrupadas de acordo com seus objetivos de ampliar as condições de acesso e garantir a sustentabilidade da aprendizagem efetiva. Entre as primeiras, destacam-se as políticas para melhorar a oferta educacional e a infraestrutura escolar, bem como aquelas que contribuem para melhorar as condições de vida das famílias e da população em idade escolar. No segundo grupo, o das políticas voltadas para as condições pedagógicas, podemos distinguir as que propõem modalidades educacionais alternativas para setores historicamente excluídos do sistema, as que se concentram no apoio às trajetórias escolares e, mais recentemente, as que se concentram na aprendizagem escolar básica.
Entretanto, as lacunas no acesso, no avanço e, com maior ênfase, na conclusão entre os grupos sociais ainda são muito grandes. A frequência à educação média em alguns países da região aumentou em até 30 pontos percentuais, embora em nenhum caso ultrapasse 90% atualmente. O número médio de anos de escolaridade é de 10 anos nas áreas urbanas e não chega a 6 anos nas áreas rurais em um quarto dos países da região. O panorama se torna mais complexo no nível da secundária superior, ao qual, em alguns países, apenas um em cada dois estudantes de baixa renda têm acesso, e a diferença se amplia com relação à conclusão do nível: na maioria dos países, apenas cerca de 15% dos estudantes que vivem em lares com um clima educacional baixo conseguem se formar. Finalmente, e para dimensionar a magnitude dos desafios pendentes, em média, 40% dos estudantes da 3ª série e 60% da 6ª série da primária não atingem o nível mínimo de aprendizagem fundamental em Leitura e Matemática.
No entanto, como foi analisado, os países se desenvolveram de maneira diferente na ampliação da educação primária ao longo do século 20 e, portanto, também estão em diferentes pontos para ampliar o acesso à educação para a primeira infância e à educação secundária atualmente. A expansão incompleta e desigual da educação torna-se mais complexa em um cenário de pobreza persistente e desigualdades crescentes, que se combinam, se sobrepõem e se reforçam mutuamente. Seguindo as agendas para a extensão da educação obrigatória na região,surgem quatro problemáticas persistentes para garantir a inclusão e a equidade na educação obrigatória15.
- Uma primeira hipótese é elaborada considerando a diferença nas situações entre os países que devem universalizar a educação para a primeira infância e secundária com base em um nível já bem estabelecido e aqueles que, devido à cobertura historicamente baixa destes níveis, têm que expandir a rede institucional. Esta primeira hipótese consiste em que a principal dificuldade nestes cenários são as possibilidades de alocar o financiamento necessário para expandir a oferta. Primeiramente, para construir novas escolas e equipá-las adequadamente para cada um dos níveis nos territórios mais desfavorecidos. Em segundo lugar, ser capaz de dar suporte à equipe docente para trabalhar nestas instituições e favorecer propostas de ensino e aprendizagem de qualidade.
- Na educação pré-primária, além da oferta, os aspectos sociais e de criação dos diferentes países e territórios, atravessados por questões de gênero e comunitárias, incidem na escolarização. A educação secundária enfrenta uma combinação de duas situações: problemas antigos que ainda não foram resolvidos, e novos problemas que surgiram no decorrer dos esforços atuais para ampliar a escolarização de adolescentes e jovens.
Uma forma de apresentar os "velhos" problemas é revelando a matriz organizacional da escola secundária tradicional. Esta matriz está na base de muitas de boa parte das críticas ao nível da literatura especializada há pelo menos cinco décadas, e até hoje forma uma estrutura de difícil modificação (Terigi, 2008), o que obstrui as possibilidades de oferecer modalidades flexíveis que permitem diferentes tipos de trajetórias.
Mais recentemente, considera-se que estamos enfrentando "problemas novos", e talvez o mais importante deles seja a maior relevância da escolarização secundária como alternativa para a construção de projetos de vida para os jovens. Nesta linha, está o problema da relação entre o currículo escolar e os adolescentes, ou melhor, o de uma contemporaneidade com a qual o currículo escolar encontra dificuldades para entrar em uma relação devido a seu anacronismo (Terigi, 2012).
Uma parte importante das populações que não têm acesso a instituições para o cuidado e a educação da primeira infância e à escola média/secundária, ou que têm acesso, mas não conseguem completá-la, é composta por grupos de crianças e adolescentes que sofrem múltiplas situações de violação de direitos.
Em uma região caracterizada pelas disparidades e desigualdades sociais, a pandemia de covid-19 somou desafios em termos de inclusão e equidade àqueles já estruturais e anteriores à emergência sanitária. O isolamento social imposto para o cuidado das populações teve um forte impacto nas atividades econômicas, e também forçou a interrupção das aulas presenciais por longos períodos de tempo, o que ampliou as lacunas nas sociedades marcadas por fortes heterogeneidades e desigualdades nas condições de vida.
1. Necessidade de financiamento sustentável
Considerando a diferença de situações entre os países, a principal dificuldade é contar com o financiamento necessário para expandir a oferta nos territórios mais negligenciados, o que implica construir novas escolas e equipá-las de forma adequada, além de poder sustentar o corpo docente para trabalhar nessas instituições e favorecer propostas de ensino e aprendizagem de qualidade.
2. Interseção de vulnerabilidades
Uma parte significativa das populações que não têm acesso a instituições de cuidado e educação na primeira infância, nem à escola média ou secundária, ou que têm acesso, mas não conseguem concluí-la, são grupos de crianças e adolescentes que sofrem múltiplas situações de violação de direitos.
Em uma região caracterizada por disparidades e desigualdades sociais, a pandemia de covid-19 trouxe desafios adicionais em termos de inclusão e equidade àqueles já estruturais e anteriores à emergência de saúde.
Hoje, a perspectiva é pouco motivadora, dadas as transformações emergentes (UNESCO, 2022), caracterizadas pela crescente polarização social e retrocesso democrático, agravados pelo conhecimento digital e suas exclusões, e pelo futuro incerto do trabalho.
3. Dificuldades específicas da oferta escolar e defasagens em relação à população a ser incluída
Na educação pré-primária, além da oferta, os aspectos sociais e de educação dos diferentes países e territórios, entrecruzados por questões de gênero e comunitárias, desempenham um papel importante para garantir a frequência. Na educação secundária, há uma combinação de duas situações: de um lado, a matriz organizacional da escola secundária tradicional, que hoje é uma estrutura difícil de ser modificada (Terigi, 2008), obstruindo as possibilidades de oferecer modalidades flexíveis que permitam diversos tipos de trajetórias; e, de outro, o problema recente da relação entre o currículo escolar e os adolescentes, ou melhor, o de uma contemporaneidade com a qual o currículo escolar tem dificuldade de se relacionar devido ao seu anacronismo (Terigi, 2012).
4. Necessidade de propostas de ensino voltadas à inclusão
O avanço em termos de cobertura da educação obrigatória na região possibilitou aprofundar a agenda de inclusão e equidade educacional, com foco nas condições pedagógicas para sustentar as trajetórias escolares e garantir uma aprendizagem relevante. Terigi argumenta que “apesar dos esforços para expandir a escolaridade, a inclusão educacional plena ainda não é um fato porque as práticas pedagógicas favorecem a homogeneidade de tratamento e de resultados e têm dificuldade em aceitar que a vulnerabilidade é uma condição também produzida (não apenas, mas também) pelas práticas escolares. Enquanto essas realidades não forem enfrentadas, as condições especificamente pedagógicas de exclusão persistirão” (Terigi, 2011). Portanto, colocar o ensino no centro para avançar na inclusão educacional implica o desenvolvimento de propostas para acompanhar as trajetórias escolares e as estratégias de ensino com o objetivo de diversificar os itinerários de formação (Briscioli, 2023).
Em relação às informações e questões analisadas, propomos uma série de desafios a serem enfrentados em termos de políticas de inclusão e equidade na educação.
- Ampliar o acesso a grupos historicamente excluídos do sistema escolar implica aumentar o financiamento educacional, tanto para expandir como para promover uma oferta institucional mais adequada às condições de vida dos estudantes, a fim de apoiar suas trajetórias educacionais, com base na qualidade e na equidade.
- As situações de vulnerabilidade educacional sofridas por diversos grupos na região estão entrelaçadas com múltiplas situações de violações de direitos. A visão abrangente da inclusão proposta nos convida a “reconhecer as diversas condições de segregação, marginalização ou discriminação vivenciadas simultaneamente por alguns grupos populacionais, destacando a importância de considerar a noção de interseccionalidade” (Ainscow, 2024). Isso torna impossível abordar o problema apenas nas escolas. Portanto, é necessário implementar políticas abrangentes e intersetoriais para tornar efetivo o direito à educação.
- As tentativas de remover barreiras e implementar mudanças nas práticas escolares são mais frequentemente encontrados no nível do modelo organizacional do que no nível do conhecimento pedagógico. Diante desta lacuna, , é urgente avançar no desenvolvimento de propostas de ensino inclusivas que, levando em conta os diferentes ritmos de aprendizagem em cada sala de aula, combinem estratégias de maneira flexível para obter resultados equivalentes (Briscioli, 2023). Também é necessário fortalecer os componentes de formação e acompanhamento às equipes diretivas e docentes no âmbito de programas destinados a transformar as mencionadas práticas de ensino.
- Finalmente, como mencionado acima, a região carece de dados relevantes, completos e atualizados para avaliar suficientemente o estado de situação da inclusão e da equidade na educação, particularmente para os grupos historicamente excluídos. Entre os desafios sistematizados, destaca-se a importância de desenvolver sistemas nominalizados de monitoramento das trajetórias escolares, que forneceriam informações para identificar dificuldades e vulnerabilidades diversas e intervir de maneira oportuna com a implementação de políticas integrais de proteção, bem como no acompanhamento durante o curso e o alcance de aprendizagens dos estudantes.
A proposta de reimaginar um novo contrato social para a educação e nossos futuros (UNESCO, 2022) implica renovar as abordagens pedagógicas que possibilitam caminhos educacionais em todas as idades e estágios. Para isso, é preciso reconhecer o papel insubstituível das escolas e sua necessária transformação, a fim de direcionar as oportunidades educacionais para a inclusão e a equidade. Nesse contexto, os Estados têm a responsabilidade fundamental de garantir que os sistemas educacionais sejam financiados de forma adequada e equitativa e que as escolas sejam locais protegidos que promovam a inclusão, a equidade e o bem-estar individual e coletivo, bem como a transformação do mundo em direção a futuros mais justos e sustentáveis.
6. Bibliografia
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7. Notas de rodapé
[1] Organizado conjuntamente pela UNESCO e o Ministério da Educação da Colômbia em setembro de 2019, este evento celebrou o 25º aniversário da Declaração de Salamanca.
[2] Reformulado a partir de Terigi, 2009.
[3] O universo são os 19 países considerados no SITEAL.
[4] Para mais informações sobre os novos períodos educacionais obrigatórios por país, consultar o Panorama sobre educação básica.
[5] Para mais informações sobre as leis educacionais, consultar o Panorama sobre educação básica.
[6] Para mais informações, consultar a pesquisa do SITEAL Políticas públicas de atenção e educação da primeira infância na América Latina.
[7] Não todos os assuntos que estão envolvidos nos problemas de inclusão e equidade podem ser analisados com base nos dados disponíveis, já que estes são construídos em estreita relação com os focos sobre esses problemas. Em consequência, não há informação suficiente para avaliar a situação na educação da região. Embora isso não diminua o valor da análise, adverte sobre seus limites.
[8] Parte dos desafios pendentes também se expressa na população infantil que não tem acesso à educação primária, dado os seus altos níveis de expansão. Embora estas porcentagens sejam estatisticamente pouco significativas, é possível supor que as crianças fora da escola são as mais vulneráveis e desfavorecidas.
[9] Os autores advertem sobre problemas que terão consequências no futuro, na saúde, no trabalho e na educação.
[10] Para mais informações: https://en.unesco.org/sites/default/files/resumen-ejecutivo-informe-regional-logros-factores-erce2019.pdf_0.pdf
[11] O universo são os 19 países da região, também considerados neste documento. Entretanto, os seguintes países participaram do ERCE 2019: Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai. Por diferentes motivos, a Bolívia, o Chile e a Venezuela não participaram.
[12] O Terceiro Estudo Regional Comparativo e Explicativo (TERCE 2013) abarcou 15 países (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai), mais o Estado de Nuevo León (México). Nesta ocasião, Bolívia, Cuba, El Salvador e Venezuela não participaram.
[13] Para avaliar isto, as notas médias das populações indígenas na 6a série são: em Leitura 654, em Matemática 665 e em Ciências 660; e para populações não indígenas: em Leitura 716, em Matemática 713 e em Ciências 715.
[14] O dado pode ser particularmente relevante se considerada a suspensão das aulas durante a pandemia de covid-19, que combinou a suspensão do comparecimento às escolas e a educação mediada por tecnologias, em grande parte dependente da conectividade e dos dispositivos.
[15] As problemáticas 1, 2 e 3 foram reformuladas a partir das hipóteses apresentadas em Terigi, 2016.
Políticas e regulamentações
- Constitución Política del Estado plurinacional de Bolivia
- Ley 70/2010. Ley de Educación “Avelino Siñani - Elizardo Pérez”
- Constitución Política de la República de Nicaragua
- Estrategia Nacional de Educación en todas sus Modalidades 2024-2026
- Ley 582/2006. Ley General de Educación
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