
A educação básica é o ciclo educacional que abarca desde a primeira infância até os últimos anos da adolescência. É a base para uma aprendizagem e um desenvolvimento humano permanentes para a sistemática construção de novos níveis de educação e formação. O panorama aqui apresentado especifica o alcance que cada país outorga à denominação “educação básica”, enumera o conjunto de leis nacionais de educação que a regulamentam e caracteriza as principais tendências de políticas que os países implementam para garantir a escolarização.
Autoria: Felicitas Acosta, sob coordenação do IIPE UNESCO
1. Caracterização e contextos
A educação básica é o ciclo educacional que os Estados oferecem às crianças e adolescentes desde a primeira infância até os últimos anos da adolescência. Abarca desde o nível inicial ou pré-escolar até a secundária. Compreende o ensino dos conhecimentos e habilidades que se consideram necessários para o desempenho efetivo na sociedade atual em relação ao exercício de uma cidadania ativa, a continuação da educação no nível superior e o acesso ao mercado de trabalho.
Na América Latina, 14 dos 19 países utilizam o termo "educação básica", mas com definições variadas. O Brasil, a Nicarágua, o Peru e a Venezuela são os que possuem um alcance mais amplo do nível, abarcando desde a primeira infância até o final da escola secundária. Nesses países, a educação básica inclui alguns anos de escolaridade obrigatória e outros que não o são. No Panamá, a educação básica coincide com a obrigatória. A Argentina, a Bolívia, Cuba, a Guatemala e o Uruguai não utilizam o termo "educação básica". Nos demais países (Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Honduras, México, Paraguai e República Dominicana), a educação básica é uma etapa da escolaridade obrigatória.
Desde o final do século 20, foram ampliados os anos da escolarização obrigatória na região. Durante a década de 90, diversos países introduziram a obrigatoriedade de um ou mais anos do nível inicial e da secundária inferior (estudantes de 11 a 14 anos). Nos anos 2000 e 2010, a tendência de aumento se acentuou mais ainda, tanto para o nível inicial quanto para o secundário. Atualmente, todos os países (com exceção de Cuba) têm pelo menos um ano obrigatório no nível inicial (cobrindo, em todos os casos, a população de cinco anos) e vários estabelecem a obrigatoriedade a partir dos três ou quatro anos de idade. Por sua vez, com relação ao ensino secundário, todos os países (com exceção da Nicarágua) tornaram obrigatório o ciclo inferior, enquanto 13 dos 19 países tornaram a secundária superior obrigatória (estudantes de 15 a 17 anos) (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela). A escolaridade obrigatória tem uma duração de 15 anos no Equador, no México e na Venezuela; 14 anos na Argentina, na Bolívia, no Brasil, no Peru e no Uruguai; 13 anos no Chile, na Costa Rica, no Paraguai e na República Dominicana; 12 anos em El Salvador, na Guatemala e em Honduras; 11 anos no Panamá; 10 anos na Colômbia; nove anos em Cuba; e sete anos na Nicarágua.
Com relação à estrutura normativa, todos os países da região possuem leis gerais que regulamentam a educação básica em nível nacional e, em muitos casos, contam com planos que orientam seu funcionamento. Em quase todos os países, nos últimos 20 anos foram realizadas atualizações normativas que afetaram os principais aspectos dos sistemas educacionais (Acosta, 2021; IIPE UNESCO e CLADE, 2015; López, 2007).
As leis e normativas mencionadas têm como objetivo ampliar a escolarização obrigatória, juntamente com uma maior explicitação da responsabilidade dos Estados no cumprimento do direito à educação. Nessa mesma direção, os países da região aderiram à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. De fato, essas leis buscam garantir ciclos obrigatórios de até 15 anos em alguns países, com uma cobertura mais ampla, considerando a faixa etária dos 45 dias de vida até os 17 anos de idade. Essa ampliação também inclui a incorporação de novos conhecimentos, como o cuidado com o meio ambiente, a digitalização, a educação em direitos humanos, sexuais e reprodutivos, a igualdade de gênero e a continuidade dos programas de educação intercultural bilíngue e reconhecimento dos povos originários.
A região obteve avanços notáveis em relação ao acesso e à conclusão dos níveis educacionais obrigatórios entre 2000 e 2015 (UNESCO, UNICEF e CEPAL, 2022). Entre as tendências positivas, destaca-se o aumento do acesso ao nível pré-primário e a melhoria na conclusão da educação secundária, especialmente entre os setores mais vulneráveis da sociedade. Além disso, observou-se avanço nos indicadores de eficiência, já que a distorção idade-série diminuiu de forma significativa tanto na primária quanto na secundária, pelo menos até antes da pandemia de covid-19.
A partir de 2015, observam-se sinais de estagnação que evidenciam os limites e desafios dos processos de expansão (UNESCO, UNICEF e CEPAL, 2022). A desaceleração da melhoria na taxa de conclusão da secundária, a estagnação no acesso tanto à primária quanto à secundária, e a qualidade ainda insatisfatória da aprendizagem são os principais desafios. Os resultados da quarta edição do Estudo Regional Comparativo e Explicativo (ERCE 2019) da UNESCO indicam que os baixos níveis de desempenho ainda persistem na região. Em média, não houve avanços significativos desde a última avaliação, em 2013, com exceção do Peru, Brasil e República Dominicana.
Durante a pandemia, as taxas de frequência escolar caíram em todos os níveis de ensino, embora, em 2022, essas taxas tenham retornado a níveis semelhantes aos de 2019. No entanto, as desigualdades nas áreas rurais, entre estudantes indígenas e nos setores mais pobres se agravaram nesse período. Adicionalmente, a agenda de ampliação da obrigatoriedade enfrentou, nos últimos cinco anos, uma redução no investimento em educação (UNESCO, 2024). Assim, a região enfrentou a pandemia em condições de restrição de gastos educacionais.
Os programas e políticas implementados para manter a escolarização durante a pandemia foram baseados em programas já existentes, especialmente aqueles vinculados à ampliação da jornada escolar, às ações compensatórias para reduzir as desigualdades socioeducacionais e às estratégias de acompanhamento das trajetórias escolares diante das descontinuidades identificadas. A esses se somaram o uso potencial de tecnologias educacionais para o monitoramento dos estudantes, o desenvolvimento de tutorias e o ensino personalizado com o uso da inteligência artificial. A experiência traumática da pandemia, junto com os resultados das avaliações de qualidade, levaram alguns países a revisar os currículos, com foco na alfabetização inicial.
Em síntese, com as mudanças normativas, a educação básica na região latino-americana apresenta avanços desde o final do século 20. No entanto, na última década, observam-se sinais de estagnação que ampliam os históricos desafios quanto à inclusão nos níveis educacionais correspondentes e à garantia de uma oferta educativa contínua e relevante para toda a população.
2. Referências Bibliográficas
Acosta, F. (2021). Diversificación de la estructura de la escuela secundaria y segmentación educativa en América Latina. CEPAL. https://www.cepal.org/es/publicaciones/47211-diversificacion-la-estructura-la-escuela-secundaria-segmentacion-educativa
Instituto Internacional de Planejamento Educacional [IIPE UNESCO] e Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação [CLADE] (2015). Las Leyes Generales de Educación en América Latina. El derecho como proyecto político. Campaña Latinoamericana por el Derecho a la Educación.
López, N. (2007). Las nuevas leyes de educación en América Latina: una lectura a la luz del panorama social de la región. IIPE UNESCO, Escritório para a América Latina e o Caribe, e Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação.
SITEAL (2024). Banco de datos. Promedio de años de escolarización de la población adulta. IIPE UNESCO. https://siteal.iiep.unesco.org/banco-de-datos
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESCO (2024). La urgencia de la recuperación educativa en América Latina y el Caribe. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000388399
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO], Fundo das Nações Unidas para a Infância [UNICEF], Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe [CEPAL] (2022). La encrucijada de la educación en América Latina y el Caribe: informe regional de monitoreo ODS4-Educación 2030. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000382636
Contenido
- 1. Introdução
- 2. Estruturas normativas
- 3. Caracterização das políticas
- 3.1 Políticas de formação docente inicial
- 3.2 Políticas curriculares
- 3.3 Políticas de avaliação de qualidade
- 3.4 Políticas de infraestrutura, equipamentos e dotação tecnológica
- 3.5 Políticas socioeducativas e de transferência direta de renda e bens para as famílias
- 4. Panorama em dados
- 5. Tendências e desafios
- 6. Referências bibliográficas
- 7. Notas de rodapé
Autoria: Verona Batiuk e Carolina Meschengieser, sob a coordenação do IIPE UNESCO.
1. Introdução
Nas últimas décadas, os resultados de pesquisas de diversas disciplinas evidenciaram a relação positiva entre investir em serviços destinados à primeira infância para garantir seus direitos educacionais, promover o desenvolvimento integral, estabelecer as bases para um melhor desempenho educacional e social no futuro e contribuir para a redução da pobreza (UNICEF, 2019; Berlinski et al., 2009; Nores e Barnett, 2010; Shonkoff e Phillips, 2000; Yoshikawa e Kabay, 2015).
Com base nesses argumentos, os Estados da região avançaram na implementação de uma série de políticas educacionais e sociais voltadas para a primeira infância e suas famílias, que incluem a extensão dos serviços de educação e cuidados de maneira sustentada como parte dos compromissos assumidos ao assinar e ratificar a Convenção sobre os Direitos da Criança, que reconhece o direito à educação desde o nascimento. Um relatório recente do UNICEF observa que os países da região conseguiram aumentar o acesso à educação pré-primária na última década, com a taxa média bruta de matrícula nesse nível subindo de 67,1% em 2008 para 69,9% em 2012, e chegando a 75,7% em 2016 (UNICEF, 2020, p. 9).
Por sua vez, em 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável plasmados na Resolução 70/1 "Transformar nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável". Na ocasião, os 193 Estados-membros se comprometeram com as metas estabelecidas, entre as quais foi definido que, até 2030, "todas as meninas e meninos tenham acesso a serviços de cuidados e desenvolvimento na primeira infância e a uma educação pré-escolar de qualidade, de modo que estejam preparados para a educação primária" (Assembleia Geral das Nações Unidas, 2015) no contexto do ODS 4.
O constante crescimento do acesso à educação pré-primária na região nos últimos 20 anos evidencia esses compromissos e esforços. A taxa bruta de matrículas na educação pré-primária que era, em média na região, de 55,2% em 2000, passou a 68,1% em 2010, 76% em 2016 e 77,6% em 2020 (UNICEF, 2022, p.45). Os serviços de educação e cuidados na primeira infância (ECPI) incluem o cuidado infantil, o pré-escolar, os programas de pré-primária e as primeiras séries do ensino fundamental, geralmente abrangendo a faixa etária entre 0 e 8 anos de idade. Neste documento, usaremos o termo primeira infância para nos referirmos à faixa etária que abarca desde o nascimento até a idade de ingresso no ensino fundamental (que, para a maioria dos países da região, é de 6 anos de idade). Esse corte baseia-se na definição do limite de entrada no ensino fundamental, precisamente sob a classificação da UNESCO CINE 0.
A seguir, apresentamos a educação formal no nível inicial em particular, no que se refere aos aspectos vinculados exclusivamente ao componente educacional. Seu objetivo é oferecer um panorama do estado de situação atual, bem como as principais tendências e desafios das políticas de educação inicial na América Latina.
Em primeiro lugar, são detalhadas as estruturas normativas vigentes nos 19 países da região, identificando as principais leis gerais de educação e a estrutura que a educação inicial assume em cada caso. Depois, são apresentadas algumas das principais políticas ligadas à formação docente inicial da educação infantil, a normativa curricular e a avaliação de qualidade dos serviços, entre outras. Por fim, são apresentados um panorama de dados estatísticos destacados e uma referências das tendências e os principais desafios da educação inicial na região.
2. Estruturas normativas
Existem diversas estratégias para propiciar uma maior expansão da escolaridade. Nesse sentido, os Estados adotam diferentes medidas: promulgação de normativas (que, em muitos casos, incluem a escolaridade obrigatória em determinadas idades), incentivos financeiros, campanhas de sensibilização pública, entre outras.
Em termos normativos, nas últimas três décadas, quase todos os países da região promulgaram ou modificaram suas leis gerais de educação. Todas elas, sob diferentes denominações e desenhos institucionais, prescrevem as características da educação para crianças antes de iniciarem o ensino fundamental. Na Colômbia, no México (que recentemente a modificou em 2017), na Guatemala, no Panamá, na República Dominicana e no Brasil, essas leis foram promulgadas antes de 2000. No decorrer do novo milênio, Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Nicarágua, Peru, Uruguai e Venezuela seguiram na mesma direção.
Um aspecto comum da educação e do cuidado na primeira infância (ECPI) é a grande heterogeneidade de suas características institucionais e organizacionais e sua dependência. Uma grande proporção do ECPI corresponde à esfera da educação não formal e não depende das áreas educacionais, mas de outros espaços governamentais – desenvolvimento, saúde, trabalho – e não governamentais: igrejas, organizações comunitárias ou de gestão social. Em termos gerais, esses serviços se caracterizam pela qualidade inferior de suas ofertas e tendem a se concentrar em crianças, famílias e comunidades que vivem em condições de pobreza e em contextos geográficos desfavorecidos, sejam eles urbanos ou rurais (Rozengardt, 2020).
Na maioria dos países, as leis gerais de educação regulam tanto a educação formal, que depende dos sistemas educacionais, quanto a educação não formal. Na Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela, as leis estabelecem explicitamente que os sistemas educacionais devem coordenar, supervisionar, promover e gerar articulações com as ofertas não formais.
De acordo com a Classificação Internacional Normalizada da Educação (CINE, 2011) elaborado pela UNESCO (2013), os programas educacionais voltados para a primeira infância (CINE 0) são caracterizados por sua flexibilidade e abordagem holística. Seu objetivo é contribuir para o "desenvolvimento cognitivo, físico, social e emocional da criança e familiarizar as crianças pequenas com a instrução organizada fora do ambiente familiar". Esses programas, como mostra a Tabela 2, podem ser chamados de diferentes maneiras: educação e desenvolvimento da primeira infância, jardins de infância, educação pré-primária, pré-escolar ou inicial.
Dentro dos programas educacionais classificados como CINE 0, a UNESCO faz distinção entre aqueles voltados para o desenvolvimento da primeira infância (CINE 0 10) e a educação pré-primária (CINE 0 20). Os primeiros destinam-se a crianças de 0 a 2 anos, e os últimos a crianças de 3 anos até o início da educação primária.
Os programas no nível CINE 0 são oferecidos em ambientes institucionalizados (escolas, centros comunitários, creches) preparados para acomodar grupos de crianças, tanto do âmbito formal quanto não formal. Excluídas desse nível estão as iniciativas de educação informal (por mães, pais, familiares ou amigos) e os programas sem intenção educacional com foco em cuidados, nutrição e saúde das crianças.
Com exceção de Cuba e do Chile, o último ano do nível inicial é obrigatório em todos os países da região da América Latina. No México, no Peru e na Venezuela, a escolaridade obrigatória começa aos 3 anos de idade.
Na Argentina, Bolívia, Brasil, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Panamá e Uruguai, aos 4 anos de idade. Na República Dominicana, Equador, Colômbia, Nicarágua, Honduras e Paraguai, aos 5 anos.
Observa-se uma tendência constante de estender o período obrigatório da educação para idades cada vez menores. A República Bolivariana da Venezuela foi pioneira em tornar obrigatória a educação de 5 anos de idade em 1980.
3. Caracterização das políticas
A política educacional na etapa da escolaridade obrigatória é composta pelo conjunto articulado, regulamentado e direcionado de investimentos, bens, serviços e transferências por parte dos Estados para garantir o direito à educação. Também contempla as decisões e a capacidade que elas demonstram para sustentar o sistema educacional e reduzir as lacunas de escolaridade entre os diferentes grupos sociais.
Esta seção enfoca cinco áreas da política educacional: a formação inicial de professores que se desempenham no nível inicial; a política curricular; as políticas de avaliação da qualidade dos serviços educacionais do nível inicial; as políticas de infraestrutura, conectividade e fornecimento de recursos tecnológicos; e, por fim, as políticas de inclusão, que incluem entre seus objetivos a promoção da escolaridade das crianças mais novas. Para cada um desses enfoques, é realizado um mapeamento – não exaustivo – de algumas iniciativas nos países da região.
3.1 Políticas de formação docente inicial
Em consonância com a importância que a educação infantil assumiu na agenda dos estados da região, as regulamentações que a regem e o compromisso de expandir a cobertura nesse nível, destaca-se a necessidade de contar com uma docência melhor formada.
Nesse contexto, deve-se observar que a literatura especializada reconhece que a docência ocupa um lugar privilegiado na política educacional para promover mais e melhores oportunidades educacionais para a infância (Valliant, 2018). Em particular, os educadores da primeira infância desempenham um papel categórico no acompanhamento das crianças pequenas para que elas possam alcançar um desenvolvimento integral pleno.
Embora o perfil dos responsáveis pelos serviços de ECPI seja tão heterogêneo quanto os serviços em que trabalham, nos últimos anos a maioria dos países da região promoveu reformas nos sistemas de formação da docência que se desempenha na educação inicial. Apesar dessa heterogeneidade, quase todos os países concentraram seus esforços com propósitos convergentes, como hierarquizar a formação inicial, integrando-a ao ensino superior, ou estender os anos de duração dos cursos de graduação.
A tabela a seguir apresenta uma caracterização das principais características que estruturam a formação inicial de docentes nos países da região1.
3.2 Políticas curriculares
Os compromissos assumidos pelos Estados da região com a expansão da educação infantil também se refletiram na política curricular. Até agora, no novo milênio, muitos países da região formularam regulamentações e documentos curriculares nacionais para a educação inicial2. Em termos gerais, três países contam com alinhamentos curriculares nacionais da primeira década do século 21 (Argentina, Paraguai e Venezuela), enquanto a maioria corresponde a atualizações da década de 2010 (Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Nicaragua, Panamá, Peru e República Dominicana) e três são os países com normativa posterior a 2020 (Bolívia, El Salvador e Guatemala). A maioria desses documentos se refere à normativa internacional, especialmente à Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC). Nos casos em que é posterior à sua promulgação, as referências aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em particular às metas estabelecidas para o cuidado e a educação da primeira infância, são limitadas: apenas três países dos oito que foram aprovados em 2015 as incluem.
A Tabela 4 apresenta um panorama dos 19 países da região onde se destacam, além do destinatário do documento curricular, a presença de referências explícitas aos ODS, a presença e definição de brincadeiras no desenho curricular, dada sua relevância na educação inicial, e a consideração de programas educacionais não formais, dada sua importância relativa na oferta de educação inicial.
Com relação às brincadeiras, cabe destacar que este é reconhecido como um dos aspectos mais relevantes para garantir uma proposta de educação de qualidade durante a primeira infância e, além disso, constitui um conteúdo identitário nas propostas formativas para este ciclo vital (UNICEF, 2020).
Neste sentido, são destacadas as contribuições de Lynn Kagan (2019), quem define um currículo de alta qualidade como holístico, centrado nas crianças e enriquecido com oportunidades para brincar. Coincidentemente, tanto a pesquisa educacional como a normativa internacional e nacional de países da região (e de outras latitudes) enfatizam esta ideia (Sarlé, 2001, 2006 e 2008; Peralta, 2014; Batiuk, 2015b).
Entre as recomendações-chave para a região, uma delas é precisamente “realizar uma brincadeira como um conteúdo relevante dentro das competências profissionais para docentes da primeira infância, debatendo dentro de cada país o significado e uso pedagógico deste conceito” (Pardo e Godoy, 2021: p. 13). Desta forma, foi considerado pertinente analisar as referências desta temática nas normativas curriculares3.
3.3 Políticas de avaliação de qualidade
Recentemente, com a expansão da educação inicial, a preocupação com a qualidade desses serviços ganhou força. Embora ainda não haja um consenso total sobre a definição de qualidade na educação infantil, a literatura identifica duas grandes dimensões: a qualidade estrutural e a qualidade dos processos. A dimensão da qualidade estrutural inclui aspectos como a proporção professor-aluno, o tamanho dos grupos (de acordo com a idade), as condições de infraestrutura, a disponibilidade e a pertinência dos materiais didáticos e o nível de formação dos professores e da equipe responsável pelo cuidado e pela educação das crianças. Quanto à qualidade dos processos, são considerados aspectos como o tipo e a frequência das interações entre adultos e crianças; a integração das famílias nos programas; a relevância cultural das propostas; e o tipo de experiências de aprendizagem promovidas.
Um trabalho recente desenvolvido no âmbito do SITEAL (Herrera Vegas, 2022) sistematizou os sistemas e mecanismos de garantia de qualidade no nível da educação infantil nos países da região. Dentro dessa estrutura, diferentes avaliações implementadas nos últimos anos foram identificadas como as primeiras ações desenvolvidas na América Latina para avaliar o estado da qualidade na educação infantil nas duas dimensões mencionadas acima. As avaliações utilizaram ferramentas de padrão internacional, que foram revisadas e adaptadas a cada um dos países. Três iniciativas foram destacadas. A primeira é a Early Childhood Environment Rating Scale, Revised edition (ECERS-R), que é a mais utilizada na região. É orientada para medir a qualidade estrutural e de processos dentro da sala de aula (abrange espaços e mobiliário; rotinas de cuidados; atividades; estrutura de programa; relações com a família e a equipe; interações; e linguagem e raciocínio). A segunda avaliação é a Medição da Qualidade e Resultados da Aprendizagem Precoce (MELQO), desenvolvida em conjunto pelo UNICEF e pelo BID, que possui dois módulos: MELE, que mede os ambientes educacionais em relação a sete âmbitos da qualidade: brincadeira, pedagogia, interações, ambiente, participação dos pais e da comunidade, equipe e inclusão; e MODEL, que inclui elementos como o desenvolvimento socioemocional, as habilidades matemáticas e de alfabetização precoces, além de certas características dos ambientes familiares e domésticos das crianças. Em terceiro lugar, é identificado o Sistema de Avaliação da Dinâmica da Sala de Aula (CLASS), cujos instrumentos medem exclusivamente variáveis de processo.
Por outro lado, vários países da região implementaram, com diferentes características e escopos, alguns mecanismos que contribuem para a garantia da qualidade, com base na definição de padrões ou critérios para autoavaliações, que permitem diagnósticos e processos de melhoria4.
Sem ser exaustiva, a Tabela 5 lista os países que desenvolveram algumas dessas iniciativas.
3.4 Políticas de infraestrutura, equipamentos e dotação tecnológica
A infraestrutura concentra uma grande proporção de recursos nos gastos com educação, que são destinados à manutenção, reparo e, em muitos casos, na construção ou ampliação de construções escolares. Isso pode ser particularmente relevante no contexto de expansão sustentada da cobertura da educação infantil na região. Com o objetivo de assegurar o acesso à educação inicial, é fundamental o planejamento e o financiamento de instituições em quantidade suficiente e com características adequadas à etapa de vida das infâncias e aos contextos territoriais e culturais tão diversos na região.
A Tabela 6 apresenta uma seleção de políticas de infraestrutura e a alocação de recursos tecnológicos e conectividade nas escolas em alguns países da América Latina. Deve-se observar que, em termos gerais, essas são políticas transversais que não se concentram exclusivamente no nível inicial.
3.5 Políticas socioeducativas e de transferência direta de renda e bens para as famílias
Esta seção considera uma série de políticas que poderiam ser classificadas como inclusivas, destinadas a promover a escolarização dos setores mais desfavorecidos. Inclui políticas e programas de transferência de renda que foram ampliados nos últimos trinta anos na região, geralmente associados a condicionalidades que garantam a escolarização das crianças, e algumas políticas socioeducativas que, por meio da distribuição de determinados recursos – transporte, livros, serviços de alimentação –, tendem a garantir o direito à educação e a reduzir as lacunas de acesso.
Tal como foi proposto, a educação na primeira infância tem sido reconhecida como uma política fundamental na construção de sociedades mais justas, desde que se garantam oportunidades educativas de qualidade para meninos e meninas, estabelecendo bases para prevenir o fracasso escolar, entre outras adversidades.
No entanto, apesar da crescente expansão dos serviços educativos voltados à primeira infância, reconhece-se, em nível regional, que a América Latina atravessa “uma crise educacional sem precedentes”, fenômeno caracterizado como “pobreza de aprendizagem”, definido pelo Banco Mundial como o percentual de crianças de 10 anos incapazes de ler e compreender um texto simples.
A literatura especializada aponta, há décadas, que os processos de alfabetização começam precocemente, inclusive antes do ingresso no primeiro grau (ensino fundamental). Isso ocorre tanto no ambiente familiar quanto no contexto educacional, por meio de situações em que os adultos oferecem às crianças uma variedade de materiais para leitura e escrita (livros, revistas, lápis, computador), leem textos para elas com regularidade (em especial contos, mas também outros tipos de textos), ensinam palavras e a escrever, e, de modo geral, mantêm diálogos frequentes, fluidos e com ampla variedade de conceitos e vocabulário.
Tradicionalmente, as políticas de distribuição de material didático foram voltadas à educação primária e secundária, mas com a ampliação dos serviços voltados à primeira infância, diversos países da região passaram a incluir essa iniciativa no âmbito da educação infantil, conforme detalhado na Tabela 6. Trata-se de políticas de distribuição gratuita que podem incluir livros com atividades destinadas a todas as crianças (por exemplo, Cuba), livros de literatura infantil para compor as bibliotecas escolares (por exemplo, Colômbia) e/ou livros de literatura infantil entregues como propriedade das crianças (por exemplo, Argentina), além de acesso a material digital (por exemplo, Chile e Guatemala). Alguns países também possuem estratégias de promoção da leitura (por exemplo, Peru).
4. Panorama em dados
A seguir, são destacados e analisados dados estatísticos que refletem, em primeiro lugar, o acesso atual à educação infantil, bem como as desigualdades que afetam os setores menos favorecidos em termos de renda e aqueles que vivem em áreas rurais. Também é analisada a situação por setor educativo.
Em segundo lugar, apresenta-se um panorama do investimento, considerando o esforço financeiro realizado pelos Estados da região para garantir os serviços de educação infantil, medido como porcentagem do PIB.
A taxa de frequência ao último ano da educação infantil, antes do ingresso na primária, variava entre 99,3% (Argentina) e 80,3% (Equador) em 20225. Em seis países da região, essa taxa era próxima ou superior a 95% (Argentina, Chile, Costa Rica, México, Peru e Uruguai) e em três países, ainda que um pouco menor, aproximava-se ou superava os 90% (Brasil, Panamá e El Salvador). Em outros seis países, a taxa situava-se entre 80,3% e 88,6% (Equador, Honduras, República Dominicana, Colômbia, Bolívia e Paraguai). Em síntese, no início da terceira década do século 21, embora persistam diferenças na cobertura entre os países, a maior parte da região apresenta altas taxas de escolarização no que se refere ao último ano do nível inicia6.
Como pode ser visto no Gráfico 2, a descrição apresentada no parágrafo precedente se relaciona com a expansão da taxa de frequência das crianças no último ano antes de entrar na escola primária. Na maioria dos países da região, a taxa aumentou entre 2012 e 2022.
No entanto, o Equador apresenta uma exceção, com um descenso progressiva e sustentada ao longo da década, alcançando em 2022 uma diminuição de 12,7 pontos menos em relação a 2012. A Colômbia, embora ao considerar os extremos mostra uma leve diminuição ao final do período, ao observar o comportamento deste indicador durante toda a década mostra estabilidade e apresenta uma diminuição significativa apenas em 2021 (provavelmente associada à pandemia de covid-19) e se recupera alcançando praticamente o nível prévio em 2022. Por sua vez, a República Dominicana revela um comportamento com oscilações ao longo da década, mas estável entre os extremos.
A Costa Rica, a Bolívia e o Paraguai são os países que demonstraram a maior expansão na escolarização pré-primária, com um crescimento entre 20 e 23 pontos no período analisado. Honduras (11,3 pontos) e Panamá (9,8 pontos) também registraram uma expansão na taxa de frequência no último ano da pré-primária.
O comportamento deste indicador expressa os esforços que a região vem sustentando para ampliar o acesso à educação das crianças mais pequenas. No entanto, estes países continuam tendo grandes desafios em termos de garantir que todos os estudantes acessem, pelo menos, o último ano da escolarização no nível inicial.
Ainda que em menor intensidade, o Brasil (6,6 pontos) e o Peru (5,2 pontos) também mostraram uma melhora neste indicador no período analisado. A taxa de frequência permaneceu estável na Argentina, no Chile e no México, países onde a escolarização para o último ano da educação pré-primária se encontra praticamente universalizada. Em El Salvador, também observou-se certa estabilidade no período, ainda que com desafios em termos de cobertura de diferente magnitude em relação aos outros países analisados.
Tradicionalmente, a região tem se caracterizado por mostrar lacunas de equidade no acesso para os setores menos favorecidos em termos de renda e entre os que vivem em áreas rurais.
O Gráfico 3 mostra que as lacunas de escolarização entre crianças provenientes de famílias com rendas mais altas e mais baixas tendem a desaparecer naqueles países onde o acesso ao último ano da educação pré-primária se encontra quase universalizado, como na Argentina e no Uruguai.
Outros países que alcançaram a expansão da cobertura da educação no último ano do nível inicial, como Peru e Costa Rica, também mostram uma redução na lacuna de acesso entre crianças procedentes de famílias com rendas mais altas e mais baixas (1,5 e 3,4 pontos, respectivamente).
Embora o esforço de vários países tenha permitido melhorar o acesso ao último ano da educação pré-primária para crianças de lares com baixa renda, como possível observar no Gráfico 2 (especialmente na Bolívia, Costa Rica e Paraguai), ainda persiste uma lacuna significativa em seu detrimento, sobretudo nos países que continuam enfrentando grandes desafios na expansão da educação pré-primária. Em efeito, nesses países, as crianças de lares de baixa renda têm taxas de frequência no último ano do nível inicial inferiores aos seus pares de lares mais favorecidos, como no caso do Equador (-20,3 pontos), República Dominicana (-18,1 pontos), Paraguai (-15,7 pontos), Honduras (-12,4 pontos) e Colômbia (-9,1 pontos).
A defasagem de frequência das crianças que residem em áreas rurais também tende a diminuir com a expansão do nível. Quase todos os países mostram aumentos na taxa de frequência no último ano anterior à entrada na escola primária em áreas rurais durante o período. Entretanto, essa desigualdade ainda persiste em alguns países, como Colômbia, Equador, Panamá, Paraguai e, em menor medida, Bolívia e Honduras.
Por outro lado, a porcentagem de crianças matriculadas na pré-primária em instituições do setor privado8(ver gráfico 5) permite compreender a participação que esse setor possui na escolarização de crianças menores na região.
Em quatro países (Argentina, Equador, Paraguai e Peru), cerca de um quarto das matrículas do último ano da pré-primária se concentra no âmbito privado, proporção que alcança quase um terço da matrícula no Uruguai. No Chile e na República Dominicana, o peso relativo do setor privado é ainda maior, concentrando praticamente dos terços da matrícula desse grupo no primeiro país (64,4%) e um pouco menos da metade no segundo (44%). No Brasil e na Colômbia, cerca de 18% da matrícula do último ano da pré-primária é em instituições privadas, enquanto que, em cinco países, a proporção de estudantes matriculados nesse setor é de cerca de 11% (Bolívia, Costa Rica, El Salvador, Honduras e México).
Em relação ao esforço financeiro que os Estados da região realizam para ampliar a cobertura e o acesso à educação, um relatório recente elaborado pela UNESCO e a CEPAL indica que, logo após um período de crescimento do investimento educacional, que coincidiu com o ciclo de crescimento econômico que atravessaram os países da região entre 2004 e 2014, registra-se um estancamento e queda do esforço financeiro destinado à educação. O documento aponta que, ao mesmo tempo que se deteve ou inclusive retrocedeu o PIB per cápita nos países, também se deteve e logo diminuiu o gasto educacional como porcentagem do PIB. Desta forma, o investimento em educação passou de 3,7% a 4,6% do PIB entre 2006 e 2014 e, desde então, caiu para 4,3% em 2019 (UNESCO, 2022, p. 23).
Já em relação ao investimento específico destinado, em média, à educação pré-primária como porcentagem do PIB, conta-se com a informação fornecida pelo levantamento realizado pelo Instituto de Estatísticas da UNESCO (UIS). Este instituto desagrega o indicador geral do gasto público em educação como porcentagem do PIB, diferenciando a porcentagem do PIB que representa o gasto para cada nível educacional. No caso da educação pré-primária (Gráfico 5), Equador e Chile possuem um gasto próximo a 1% do PIB, enquanto que, para Argentina, México e Peru, o gasto público em educação pré-primária equivale ao redor de meio ponto do PIB de cada país. Colômbia, Paraguai, República Dominicana e Bolívia investem entre 0,31% e 0,37% de seu PIB na educação pré-primária.
Gráfico 6. Gasto público na educação pré-primaria como porcentagem do PBI (América Latina, 13 países, [cca.] 2022)
A seguir, são descritas as principais tendências e desafios que podem ser identificados para as políticas educacionais voltadas para a primeira infância na região a partir da análise documental e estatística apresentadas.
5. Tendências e desafios
Este documento apresentou um breve panorama da educação de nível inicial na América Latina, com foco em algumas de suas principais tendências.
Em termos gerais, há um compromisso por parte dos Estados da região com a extensão sustentada dos serviços de educação e cuidados da primeira infância. Esse compromisso decorre, por um lado, da crescente evidência da importância de favorecer o desenvolvimento integral precoce como base para um melhor desempenho educacional e social no futuro. Por outro lado, decorre da ratificação pelos países da Convenção sobre os Direitos da Criança, que reconhece o direito à educação desde o nascimento e, mais recentemente, da ratificação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, especificamente o ODS 4, que estabelece metas para a educação inicial.
O compromisso dos Estados da região se expressa tanto nas regulamentações que regem o nível inicial como parte dos sistemas educacionais quanto nas políticas socioeducativas e outras políticas públicas, como as políticas de transferência de renda – muito difundidas na América Latina – destinadas a reduzir as lacunas de matrícula escolar das crianças dos grupos sociais mais desfavorecidos.
Nas regulamentações educacionais da região, há uma tendência contínua de estender o período obrigatório da educação para idades cada vez mais precoces. As leis gerais de educação, que foram promulgadas ou reformadas em quase todos os países nas últimas três décadas, prescrevem – pelo menos – o caráter obrigatório do último ano do nível inicial, com exceção de Cuba e Chile, países onde, de qualquer forma, a educação infantil é universal.
Apesar da enorme heterogeneidade na forma como a ECPI é organizada na maioria dos países, as leis educacionais regulamentam tanto a educação formal quanto a não formal.
Nos últimos anos, a maioria dos países da região também promoveu reformas nos sistemas de formação da docência para a educação inicial. Embora o perfil dos responsáveis e os serviços de ECPI seja heterogêneo, quase todos os países concentraram seus esforços em hierarquizar a formação inicial docente, integrando-a ao ensino superior ou ampliando os anos de duração dos cursos universitários. No entanto, continua sendo um desafio garantir a qualidade da formação docente inicial e elaborar estratégias que tenham uma visão integrada do desenvolvimento profissional dos professores, incluindo suas oportunidades de formação contínua.
O crescente compromisso do Estado com a educação infantil na região também foi expresso no desenvolvimento de documentos e diretrizes curriculares nacionais desde 2000. Os mais recentes incorporam a perspectiva baseada em direitos da Convenção sobre os Direitos da Criança, e alguns deles também os compromissos assumidos nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 4). Os documentos e regulamentos curriculares raramente fazem referência a diretrizes para espaços de educação não formal, o que é um desafio pendente no contexto de um sistema de cuidado e educação no qual a oferta não formal é generalizada.
Outro desafio para o nível da educação inicial na região é fortalecer os acordos sobre as dimensões e os indicadores da qualidade da oferta educacional, bem como a extensão dos sistemas e mecanismos de garantia de qualidade. Nos últimos anos, a preocupação com a qualidade da educação infantil ganhou peso na região, e muitos países desenvolveram experiências de avaliação, definição de padrões e outros mecanismos de garantia de qualidade de diferentes escalas. Entretanto, a criação de mecanismos para garantir padrões de qualidade para a educação inicial continua sendo um desafio para a região.
Em relação aos materiais pedagógicos, a adoção de livros destinados às instituições escolares ou aos próprios estudantes parece que vai se consolidando na educação inicial no contexto de um reconhecimento da importância da alfabetização precoce própria da primeira infância.
O compromisso de ampliar a escolarização precoce também é evidente no fato de que – transitando a terceira década do século 21 – a maioria dos países da região possui altas taxas de escolaridade pelo menos no último ano do nível inicial. A taxa de frequência no último ano antes de entrar na escola primária aumentou em quase todos os países da região entre 2012 e 2022.
No entanto, o desafio continua sendo garantir esse piso de escolaridade em sete países, onde a taxa de matrícula no último ano antes de entrar na escola primária oscila de 80,3% e 89,7%. Um desafio de distinta magnitude, mas igualmente acuciante, identifica-se naqueles países nos quais, como no caso da Argentina e do Uruguai, a taxa de frequência no último ano do nível inicial encontra-se quase universalizada há vários anos. Nestes países, persiste um núcleo de crianças (cerca de 1% desta população) aos que as políticas sociais e educacionais não alcançaram a garantia do direito de acessar pelo menos um ano de escolaridade no nível inicial. Provavelmente, trata-se das crianças que vivem em condições de alta vulnerabilidade e às que deve-se urgentemente garantir experiências educacionais precoces para contribuir para melhores oportunidades em suas trajetórias futuras.
Em termos de equidade, embora as lacunas entre os setores de renda mais baixa e entre os que vivem em áreas rurais tendam a desaparecer nos países em que a frequência no último ano do nível inicial é mais difundida, persistem em países que ainda apresentam desafios nesse sentido. De fato, as crianças de famílias de baixa renda apresentam taxas inferiores de frequência no último ano do nível inicial do que seus colegas de famílias mais abastadas no Paraguai (-16,3 pp.), Honduras (-12,4 pp.), Colômbia (-8,1 pp.), Panamá (-8 pp.), República Dominicana (-8 pp.), Bolívia (-7 pp.) e Brasil (-5 pp.).
A diferença de frequência de crianças residentes em áreas rurais também tende a diminuir com a expansão do nível e quase todos os países mostram aumentos na taxa de frequência no último ano antes de entrar na escola primária em áreas rurais durante o período. Entretanto, essa desigualdade ainda permanece em alguns países.
Em resumo, embora os avanços feitos em termos de inclusão, equidade e qualidade na educação infantil seja substancial na região, também está claro que há uma necessidade urgente de enfrentar esses desafios para garantir o desenvolvimento pleno e integral de cada menino e menina.
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7. Notas de rodapé
[1] Deve-se observar que, embora fora dos propósitos deste artigo, um panorama mais completo da formação docente de educação inicial deveria incorporar as características do desenvolvimento profissional docente em cada país.
[2] Deve-se observar que, em países com sistemas educacionais federais, como é o caso da Argentina, as diretrizes nacionais são produto de consensos federais, que estabelecem orientações para a formulação de estruturas curriculares em nível subnacional.
[3] As possibilidades de brincar na primeira infância estão em estreita relação com o desenvolvimento. A brincadeira contribui ao desenvolvimento da saúde, do bem-estar e da resiliência através de vários sistemas adaptativos, tais como a regulação das emoções, o prazer e o desfrute, os sistemas de resposta ao estresse, os vínculos afetivos, a aprendizagem e a criatividade (Lester e Russell, 2011).
[4] Herrera Vegas (2022) conceitua as diferentes iniciativas como Mecanismos de Garantia da Qualidade ("MGQ") na educação infantil, englobando aquelas que introduzem padrões, processos de melhoria contínua e prestação de contas (ou uma combinação destes). Identifica 12 MGQ na região, de acordo com a lógica que os organiza: a lógica da prestação de contas ou accountability (Colômbia, Chile, México, Cuba, Uruguai e Panamá), abordagens de melhoria contínua ou improvement (Brasil, Peru, Equador e Costa Rica)¸ lógicas que combinam a prestação de contas com a melhoria contínua (Argentina e República Dominicana).
[5] Não se dispõe de informação atualizada para Venezuela, Nicarágua e Guatemala. De acordo com a última informação disponível, a taxa de frequência no último ano prévio ao ingresso à primária era de 93,3% na Venezuela (2011), 74,1% na Nicarágua (2014) e 52,7% na Guatemala (2014). Não se tem informação sobre este indicador para Cuba. Para Honduras, a informação é de 2019 e, para Bolívia, 2021.
[6] Optou-se por não integrar a informação correspondente a 2020 na análise, por considerar que o impacto associado à pandemia de covid-19 requer um estudo específico que possa analisar os dados no contexto das diferentes estratégias implementadas em cada país para dar continuidade à escolarização dos estudantes.
[7] O indicador Taxa de frequência no último ano da pré-primária na base de dados SITEAL foi consultada em julho de 2024. Para Bolívia, Chile, Equador, Panamá, Paraguai e República Dominicana a informação disponível é de 2011. Para El Salvador, Uruguai e Honduras é de 2010. Para Honduras, a informação é de 2019 e para a Bolívia, 2021.
[8] Inclui todos os estabelecimentos educacionais que não são administrados por uma autoridade pública, independentemente de que recebam apoio financeiro de tais autoridades.
Autoria: Felicitas Acosta, sob coordenação do IIPE UNESCO
1. Contexto da educação primária
2. Introdução
O desenvolvimento da educação primária na América Latina possui uma longa trajetória. Uma de suas particularidades históricas foi a inclusão da instrução comum nas primeiras constituições das novas nações após a independência das metrópoles europeias. Na última parte do século 19, em consonância com a expansão da escolarização no Ocidente, foram promulgadas leis mais duradouras para garantir essa instrução.
O ritmo de expansão foi desigual na região, com países que conseguiram aumentar de forma significativa as taxas de escolarização primária nas primeiras décadas do século 20, enquanto outros só alcançaram esse progresso no período pós-guerra (Acosta, 2022). Esse processo seguiu o padrão de ampliação do acesso antes da conclusão, uma vez que levou mais de 40 anos para garantir a graduação de uma coorte após a promulgação da obrigatoriedade escolar (Frankema, 2009). Apesar disso, desde o final do século 20, a região apresenta taxas quase universais de acesso e conclusão da educação primária.
Em sua origem, a educação primária foi concebida como uma instrução inicial, voltada à aquisição de saberes elementares para a formação cidadã: leitura, escrita, aritmética, educação cívica, conhecimentos sobre o território, a história e a natureza, bem como habilidades físicas e estéticas. A configuração dos sistemas educacionais e sua expansão ao longo do século 20 transformaram sua função: situada entre o nível inicial e o secundário, continuou assegurando a formação básica ao mesmo tempo em que passou a demandar uma maior complexidade no acesso à cultura letrada, no ensino da escrita, da matemática e das ciências e, sobretudo, na preparação dos estudantes para as etapas seguintes da escolarização.
Esse panorama apresenta, de forma sintética, a situação do nível primário na América Latina atualmente. O objetivo é oferecer um panorama dos 19 países considerados, por meio da formulação de tendências regionais juntamente com uma seleção de dados desagregados por país, que permitem observar a heterogeneidade entre os sistemas educacionais. As principais fontes utilizadas são as bases de dados e documentos do SITEAL, os sites dos ministérios da educação nacionais e os relatórios publicados pela UNESCO, que sistematizam diferentes aspectos dos sistemas educacionais da região.
3. Estrutura normativa e institucional
Um dos componentes principais do direito à educação é o dever dos Estados de garantir a educação primária gratuita e obrigatória para toda a população, princípio estabelecido no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e ratificado em compromissos e declarações posteriores, como a Declaração dos Direitos da Criança de 1959 e a Declaração Mundial sobre Educação para Todos de 1990.
Segundo a Classificação Internacional Normalizada da Educação (CINE), elaborada pela UNESCO, os programas educacionais de nível primário (CINE 1) estão destinados a proporcionar habilidades básicas em leitura, escrita e matemática, assim como criar uma base para a aprendizagem e a compreensão das áreas essenciais de conhecimento e desenvolvimento pessoal e social, como a preparação para a educação secundária inferior. Trata-se de programas educacionais de baixa especialização, onde, em geral, um professor é responsável por um grupo de estudantes. As atividades educativas costumam ser organizadas por unidades, projetos ou áreas de aprendizagem.
Em 2015, os 193 Estados-membros das Nações Unidas aprovaram por unanimidade os 17 objetivos que constituem a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. O nível primário está contemplado no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4): "assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida". A Agenda 2030 implicou duas mudanças importantes para a educação primária: a orientação à promoção do desenvolvimento sustentável e a adoção da cidadania mundial como horizonte para a formação.
Nesse sentido, as metas mencionadas do ODS 4 determinam que os Estados devem "garantir que todas crianças completem o ensino primário e secundário gratuito, equitativo e de qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes" e "garantir que todas as crianças adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, incluindo a educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável".
Em 2017, os países da América Latina e o Caribe assinaram a Declaração de Buenos Aires para a implementação da Agenda 2030, seguida pela ratificação dos compromissos relacionados ao ODS 4 em Cochabamba (2018) e Buenos Aires (2022).
Esses compromissos também foram ratificados na Declaração de Santiago de 2024, que, além disso, estabelece a busca por uma iniciativa integral para a reativação, recuperação e transformação educacional. A nova declaração não se refere apenas à aprendizagem fundamental, mas também à promoção das competências digitais e socioemocionais e à necessidade de proteger as trajetórias educacionais de crianças, adolescentes, jovens e adultos no acesso, na reincorporação e na permanência no sistema educacional (UNESCO, 2024a).
Conforme já mencionado, o nível primário é a segunda etapa dos sistemas educacionais. É obrigatório em todos os países da região e seu único requisito de admissão é cumprir com a idade inicial correspondente. A idade de referência para este nível varia, dependendo do país, entre 6 ou 7 e os 10, 11 ou 12 anos de idade, sendo majoritária a faixa etária de 6 a 11 anos (ver Tabela 1). Observa-se que em sete países, a primária e a secundária inferior são agrupadas sob uma mesma designação, na categoria "educação básica". Para esses casos, a coluna de denominação da Tabela 1 indica entre parênteses os ciclos que, de acordo com a nomenclatura oficial de cada país, constituem estritamente o nível primário, aplicando os critérios do sistema CINE da UNESCO.
Como pode ser visto na Tabela 1, juntamente com uma modalidade comum ou regular, a educação primária é geralmente oferecida nas modalidades especial (para pessoas com deficiências), rural, hospitalar, em contextos de privação de liberdade, intercultural e outras. Da mesma forma, todos os sistemas incluem uma oferta de educação primária para jovens e adultos, seja como modalidade própria ou através de programas específicos.
Por outro lado, quase todos os países têm leis ou atualizações normativas promulgadas durante os últimos 20 anos que regulamentam os principais aspectos do nível. Estas regulamentações têm um papel fundamental na definição do direito à educação primária em cada país e dos objetivos gerais da educação. Progressivamente, as leis ampliaram as obrigações do Estado de respeitar, proteger e fazer efetivo o direito à educação (IIPE UNESCO e CLADE, 2015). Os objetivos comuns das diferentes leis incluem o pleno desenvolvimento dos indivíduos e a promoção de uma consciência crítica, bem como o fomento da consolidação da identidade nacional, da proteção ambiental, dos valores democráticos e dos direitos humanos. As legislações mais recentes incluem objetivos como a promoção da não discriminação, da igualdade de gênero, dos direitos sexuais e reprodutivos e a cosmovisão dos povos indígenas. Em termos de laicidade, alguns regulamentos permitem o ensino da religião nas escolas públicas, enquanto outros estabelecem um sistema educacional estatal estritamente laico: é o caso de Cuba, Equador, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Venezuela e Uruguai.
O governo de cada sistema educacional se relaciona com a forma de organização política do país (federal ou unitária) e com a configuração histórica do aparato estatal. Por isso, o nível primário assume formas que podem ser mais ou menos descentralizadas, bem como modelos de articulação entre os diferentes níveis de governo. A Tabela 2 mostra em que nível se concentra a principal responsabilidade pela regulamentação e administração das escolas primárias, considerando que, na maioria dos casos, as funções do governo estão distribuídas em mais de um nível. Por exemplo, os mecanismos nacionais de definição curricular, avaliação e financiamento são comuns mesmo em países com uma administração mais descentralizada.
Outro elemento fundamental na estrutura institucional da educação primária é o lugar do setor privado conforme o papel que a normativa atribui ao Estado, ou seja, principal ou subsidiário. No entanto, é possível diferenciar na região diferentes formas de manifestação da oferta privada: financiamento da demanda, alianças público-privadas por meio de financiamento estatal, escolas privadas de baixo custo, cobertura privada em situações de emergência (Verger, Moschetti e Fontdevila, 2017). Em consequência, a realidade da região é muito heterogênea. Enquanto Cuba é o único país que não permite a existência de escolas privadas ou independentes, o restante dos países apresenta uma oferta díspar.
4. Caracterização das políticas
As políticas para o nível primário implementadas nos países da região contemplam diferentes objetivos e abarcam distintas dimensões. A seguir, destacamos algumas delas, em particular as relacionadas ao cumprimento do ODS 4 e suas metas. Embora algumas políticas abarquem toda a educação básica, elas impactam especialmente o nível primário. É importante destacar que os sucessivos relatórios de seguimento das metas da ODS 4 evidenciaram o aumento das desigualdades preexistentes à pandemia, assim como retrocessos significativos nos indicadores de acesso, qualidade e conclusão (UNESCO, 2024a; UNESCO, UNICEF, CEPAL, 2022; Gustafsson, 2021). Nesse contexto, os países da região voltaram suas políticas à aceleração e recuperação de conquistas prévias à pandemia.
Em termos gerais, são identificadas seis áreas de intervenção das políticas para o nível primário. A primeira é a garantia de um número mínimo de dias letivos e o aumento do tempo real de aulas por dia (UNESCO Santiago, 2013). Essa orientação das políticas é de longa data e busca aumentar as oportunidades para adquirir conhecimentos básicos e, ao mesmo tempo, gerar a possibilidade de uma oferta mais integral, que inclua a educação física e artística.
Mais recentemente, a extensão da jornada escolar como mecanismo para garantir o direito à educação também recebeu um forte apoio dos diferentes órgãos internacionais que trabalham na região. Isso se deve à evidência crescente de seu impacto positivo na melhoria das aprendizagens, bem como na integração social e desenvolvimento emocional de estudantes (OEI e BID, 2023; Domínguez e Ruffini, 2018).
As escolas de tempo integral no Uruguai (desde 1996) e a jornada escolar integral no Chile (desde 1997) são dois dos principais antecedentes que, por sua vez, ilustram as duas variantes mais relevantes relacionadas à extensão da jornada escolar: a primeira com foco nas escolas que atendem famílias de baixa renda; a segunda, com cobertura universal. Também está o caso da Argentina, onde a lei 25.864 (2004) estabeleceu um mínimo de 180 dias letivos.
Em 2022, e em resposta à pandemia, a Argentina impulsionou o programa Hora Mais, que ampliou em uma hora a jornada escolar da educação primária em todo o país. No Brasil, em 2023, foi aprovado o Programa de Escola em Tempo Integral, com o objetivo de garantir sete horas de escolarização diária ou 35 horas semanais em toda a educação básica. Este programa, baseado na meta número 6 do Plano Nacional de Educação (2014-2024), tem como antecedente o Programa Ensino Integral, implementado em diversos estados, entre eles São Paulo.
A implementação da jornada única na Colômbia, o sistema integrado da escola inclusiva de tempo integral em El Salvador, o programa A Escola é Nossa no México, sucessor do precursor “Escolas de Tempo Integral”, e a jornada escolar ampliada no Paraguai (assim como outras iniciativas nessa linha na República Dominicana, Honduras e Peru) expandiram gradualmente o número de instituições nas quais os estudantes das escolas primárias recebem mais horas de aula.
Uma segunda área de intervenção são as políticas de apoio à escolarização dadas as condições de vida de boa parte da população escolar na região. Embora a universalização da escola primária tenha sido alcançada em quase todos os países (ver seção Panorama em dados), uma parte significativa das ações governamentais visa promover a inclusão e a permanência no sistema educacional de estudantes em situações de vulnerabilidade. Essas políticas ganharam centralidade pela pandemia de covid-19, que acentuou os processos de interrupção e exclusão da escolarização.
O suporte à escolarização se materializa, por um lado, através da transferência de bens e renda para a melhoria das condições de vida. A grande maioria dos países da região contam com programas de transferência condicionada, que fornecem auxílios às famílias de baixa renda na condição de que seus filhos se matriculem e permaneçam na escola. São exemplos disso: o Auxílio Universal por Filho na Argentina; o Benefício Juancito Pinto na Bolívia; o Bolsa Família no Brasil, que já dura mais de duas décadas; o Prospera no México; o Benefício Familiares para a Compra de Alimentos em Panamá; e os Benefícios da Pátria na Venezuela. Estes programas, que fizeram aumentar os anos de escolaridade dos setores socialmente mais vulneráveis, apresentam a cobertura mais alta em porcentagem da população na Bolívia (51%), onde um dos critérios para beneficiários, além do fator pobreza, são pessoas que vivem com deficiência; República Dominicana (33%), onde é exigida uma taxa de presença de pelo menos 80% nas séries da educação primária; e Honduras (17,5%). Cabe destacar que as transferências condicionadas foram priorizadas em toda a região como resposta à crise desatada pela covid-19 (UNESCO Santiago e UNICEF, 2022).
Ao mesmo tempo, os sistemas educacionais costumam fornecer serviços de alimentação e transporte e, em vários casos, bolsas para uniformes e material escolar. Os países que se destacam em termos de cobertura de estudantes cujos lares são beneficiários de transferências condicionadas no nível primário são Bolívia (86,4%), Uruguai (37,5%), República Dominicana (25,8%) e Equador (33,36%), segundo dados do SITEAL para 2016-2022. Algumas ações nesta linha focam no outorgamento de bolsas para estudantes com deficiência (Guatemala) e indígenas (Bolsa Indígena no Chile), ou a instrumentação de transporte e outros apoios no âmbito rural (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação [FNDE], do Brasil).
Por outro lado, as políticas socioeducativas também incluem iniciativas para acompanhar as trajetórias educacionais, cujo objetivo é favorecer a permanência e conclusão dos estudos do nível primário. Algumas iniciativas destacadas nesta área são a Unidade para a Permanência, Reincorporação e Sucesso Educacional da Costa Rica; a Estratégia para a Ampliação da Cobertura na Educação Pré-primária e Primária (Guatemala); a Estratégia Nacional de Educação Inclusiva (México), através de uma abordagem intersetorial com diferentes componentes; o Benefício Escolar Preferencial do Chile, que fornece recursos adicionais significativos às escolas que atendem os estudantes mais pobres; e uma alocação adicional anual por estudante nas escolas rurais (FNDE, Brasil).
Nesta linha, também se destacam projetos de participação comunitária como o programa nacional Educação Solidária ou o Programa Nacional de Orquestras e Coros Infantis (ambos na Argentina); o Programa Hondurenho de Educação Comunitária (PROHECO), que implementa uma oferta educacional de base comunitária em áreas geográficas de difícil acesso e alta concentração de população socialmente vulnerável; e atividades que vinculam as escolas à comunidade local através do programa estratégico Resultados de Aprendizagem (Peru), que contempla escolas em contextos de vulnerabilidade social ou com baixos resultados de aprendizagem.
Mais recentemente, e em relação ao acompanhamento das trajetórias escolares, destaca-se o desenvolvimento dos sistemas de alerta preventivo (SAP) e os sistemas de informação para a gestão educacional (SIGEd). Estes sistemas consideram variáveis de caráter individual (desempenho acadêmico, presença, emprego); familiar (gravidez na adolescência; casamento precoce); institucional (clima escolar, superlotação) e de contexto (condições de vulnerabilidade e manifestações de violência) para gerar relatórios de risco de abandono escolar (Perusia e Cardini, 2021). Alguns exemplos são o Sistema de Informação para o Monitoramento, Prevenção e Análise do Abandono Escolar na Colômbia; o Sistema de Alerta Preventivo Escolar do Chile; o Alerta Escola no Peru, criado após a pandemia; ou o Sistema de Proteção de Trajetórias Educacionais do Uruguai, além da já mencionada Unidade para a Permanência, Reincorporação e Sucesso Educacional da Costa Rica.
Uma terceira área em desenvolvimento de políticas para o nível primário está relacionada ao uso da informação para a gestão escolar e à melhoria contínua. O aproveitamento da informação educacional e a evidência ao serviço da melhoria fazem parte das recomendações dos órgãos internacionais. Seu objetivo é utilizar e processar os dados para a tomada de decisões nos diferentes níveis de governo: desde o nacional, estadual ou municipal até o institucional (direção e sala de aula).
Como destacado anteriormente, o desenvolvimento da tecnologia possibilitou o avanço de modelos de sistemas de informação e gestão educacional (SIGEd), que buscam integrar as múltiplas dimensões do sistema escolar (infraestrutura, trajetórias escolares, orçamento, recursos materiais e pedagógicos, gestão de equipes, entre outros) sob uma mesma plataforma (Vera et al., 2022). Por exemplo, o Uruguai fusionou o SIGEd com o Plano Ceibal de digitalização, dando lugar a uma plataforma integral com dados para a gestão administrativa e conteúdos e atividades para o ensino.
Um componente-chave para a gestão educacional é a informação sobre as conquistas de aprendizagem de estudantes, informação que pode ser obtida através de avaliações a larga escala. Uma avaliação integral do sistema educacional deve incluir dados provenientes tanto de avaliações padronizadas de aprendizagens como de trajetórias escolares, rendimento interno, condições de trabalho, recursos pedagógicos disponíveis, entre outros (Diker et al., 2023).
A avaliação educacional conta com um alto grau de institucionalização na região. Por um lado, o Laboratório Latino-americano de Avaliação da Qualidade da Educação (LLCE) realiza, de forma periódica, o Estudo Regional Comparativo e Explicativo (ERCE), que avalia estudantes no 3º e 6º anos da educação obrigatória. Os dados e relatórios do LLECE da UNESCO são um insumo fundamental para o planejamento e a gestão educacional na região. Por outro lado, além das já consolidadas avaliações nacionais, alguns países da região promovem institutos especializados para medir a qualidade e o uso da informação para a elaboração de políticas públicas. Casos paradigmáticos são o Instituto Colombiano para a Avaliação da Educação (ICFES) e o Sistema de Medição da Qualidade da Educação (SIMCE) no Chile.
Após a pandemia de covid-19, as avaliações formativas ou de processos ganharam maior destaque. Elaboradas no nível central, põem à disposição dos professores uma série de instrumentos para monitorar o progresso das aprendizagens em sala de aula (Quico-Quispe et al., 2024). Na Colômbia, é implementado o programa Avaliar para Avançar; na Argentina, a Plataforma Acompanhar; no México, a Avaliação Diagnóstica Mejoredu; no Uruguai, o Sistema de Avaliação de Aprendizagens, veiculado através do Plano Ceibal; no Peru também foi impulsada a Avaliação Formativa; e, por fim, o Chile implementou a Plataforma de Diagnóstico Integral de Aprendizagem (DIA+).
Uma quarta área de intervenção, também vinculada ao uso da informação para a gestão escolar, aponta à melhoria das aprendizagens. Essas iniciativas consistem em intervenções com o propósito de oferecer melhores oportunidades de aprendizagem às crianças, incluindo programas voltados a estudantes ou escolas que apresentam resultados insuficientes em provas de aprendizagem. Como já mencionado, a pandemia teve um impacto negativo e preocupante nos resultados de aprendizagem de crianças na América Latina (UNESCO et al., 2022). Essa preocupação impulsionou o fortalecimento de programas de melhoria voltados à recuperação ou aceleração das aprendizagens.
Os programas que integram as políticas de melhoria das aprendizagens variam conforme seu grau de focalização. Alguns desses programas são mais abrangentes, como o Programa Aprender ao Máximo, do Panamá, que, por meio de uma metodologia ativa de aprendizagem, busca fortalecer as competências lógico-matemáticas, a compreensão leitora e a investigação científica. O programa inclui um enfoque no desenvolvimento de habilidades socioemocionais, tendo como componentes centrais o uso das tecnologias da informação e comunicação, a formação docente e a avaliação das aprendizagens.
Um exemplo de programa mais focalizado é o Maestros Comunitários (Uruguai), direcionado aos setores de menor renda. O professor comunitário trabalha com crianças com dificuldades em seu desempenho escolar, complementando o trabalho do professor na sala de aula e, ao mesmo tempo, articula com as famílias uma proposta de alfabetização nos lares dos estudantes.
Há décadas existem programas voltados à recuperação ou aceleração das aprendizagens, em casos de estudantes com defasagem escolar. Por exemplo, no Brasil é implementado desde 1997 o programa Acelera Brasil, uma iniciativa conjunta do Instituto Ayrton Senna com governos locais, destinado a estudantes do 3º ao 5º ano do nível primário (ensino fundamental). Mais recentemente, o Uruguai implementou a Plataforma Adaptativa de Matemática, acessível tanto para estudantes quanto para professores para o exercício e prática da disciplina. Na Colômbia, o programa Todos a Aprender, iniciado em 2011, busca melhorar as aprendizagens em linguagem e matemática em escolas onde o desempenho é insuficiente, enquanto o Plano de Recuperação de Aprendizagens tem como foco a melhoria da compreensão leitora de estudantes do nível primário.
Neste tipo de programas, o aperfeiçoamento ou desenvolvimento profissional docente é um de seus principais componentes, complementado, conforme o caso, por ações como o acompanhamento do trabalho docente por meio de tutorias, a criação de ambientes de aprendizagem que promovam um papel ativo dos estudantes e atividades que promovam o vínculo da escola com a comunidade local (Calvo, 2019; Vezub, 2019).
Nesse sentido, as tendências recentes de políticas voltadas à formação inicial de docentes incluem a elaboração de orientações curriculares e regulamentações em nível nacional para garantir a qualidade da oferta; a incorporação de práticas ao longo de todo o período de formação, em uma diversidade de contextos e com níveis crescentes de complexidade à medida que se avança na trajetória formativa; e a formação de professores em pesquisa e inovação pedagógica. Em relação à formação continuada, as tendências envolvem a formulação de diretrizes e marcos regulatórios nacionais; a criação de centros regionais que oferecem apoio direto às instituições e funcionam como espaços de recursos multimídia; programas baseados na aprendizagem colaborativa e em estratégias de acompanhamento pedagógico por pares ou mentores. Por outro lado, os parâmetros para a boa docência – que visam estabelecer o que um professor deve saber e saber fazer – também passaram a ter um papel importante na definição dos conteúdos e estratégias de formação inicial e continuada, bem como na regulamentação da carreira docente de forma mais geral.
Alguns dos países em que as políticas recentes de formação docente tiveram grande protagonismo incluem Cuba, com o Terceiro Aperfeiçoamento do Sistema Educacional; a Bolívia, com seu Programa de Formação Complementar para Professoras e Professores em Exercício; e o Paraguai, com o Programa de Capacitação de Educadores para a Melhoria das Aprendizagens (PROCEMA).
Por fim, alguns países criaram órgãos específicos voltados ao desenvolvimento de padrões de formação docente ou etapas de capacitação continuada, como o Instituto de Desenvolvimento Profissional Uladislao Gámez Solano, da Costa Rica, impulsionador do Plano Nacional de Formação Permanente; o Instituto Nacional de Formação Docente na Argentina (INFoD); ou o Instituto de Formação e Capacitação Magisterial (INAFOCAM), da República Dominicana.
Uma quinta categoria sobre as áreas de intervenção remete às políticas de infraestrutura, equipamentos e fornecimento de tecnologia. Como foi destacado, parte dos esforços nos últimos anos se concentraram no desenvolvimento dos SIGEd, que requerem um desenvolvimento de infraestrutura de conectividade e recursos informáticos avançados para sua implementação. Por outro lado, uma tendência histórica na região é priorizar os grupos tradicionalmente mais desfavorecidos, razão pela qual estas políticas também são integradas ou articuladas, em muitos casos, com as políticas de apoio à escolarização. No Brasil, por exemplo, o Plano de Ações Articuladas (PAR) proporciona financiamento federal em articulação com ações dos estados e municípios para melhorar a infraestrutura e os equipamentos escolares. Algumas das políticas se concentram nas áreas rurais, como o Plano Especial de Educação Rural, da Colômbia, que inclui componentes como a construção de salas de aula e a implementação da educação primária a distância, e o já mencionado Programa Hondurenho de Educação Comunitária (PROHECO), que busca aumentar a oferta escolar em zonas de difícil acesso. Outros países também possuem programas para melhorar a infraestrutura e fornecer recursos adicionais para as escolas rurais (Argentina, Guatemala e Nicarágua) ou para escolas rurais e urbanas em contextos de pobreza (México e Paraguai).
Outras ações incluem equipamentos, por exemplo, para salas de aula em hospitais ou centros penitenciários, como na Bolívia, com o programa Centros de Apoio Integral Pedagógico (CAIP), ou a distribuição de livros didáticos e bibliotecas, como no Paraguai, através do Plano Nacional de Leitura ou na Argentina até 2023.
Neste sentido, também foi ampliada a incorporação das tecnologias da informação e comunicação como ferramenta para enriquecer e tornar os processos pedagógicos mais eficazes (Ithurburu, 2019; Lion, 2019). Os países da região concentraram suas políticas especialmente na redução das desigualdades no acesso às tecnologias, tanto entre os estudantes quanto nas escolas. Em alguns casos, o maior esforço foi concentrado na infraestrutura para a cobertura de conectividade, uma prioridade acentuada durante e após a pandemia, como no Paraguai, Brasil e Argentina. Em outros casos, o esforço esteve em melhorar a cobertura junto à formação docente, como na Argentina, Costa Rica e Chile; e, em menor medida, em ampliar a cobertura junto à formação docente e à transformação das práticas escolares, como na Colômbia e no Uruguai.
Os programas dos diferentes países também promoveram o desenvolvimento de portais educacionais, redes escolares e projetos educacionais colaborativos entre escolas. O Plano Ceibal, do Uruguai, se destaca como a política mais consolidada nesta área, tendo conseguido acesso a computadores portáteis pessoais, internet, conteúdos digitais e apoio para seu uso pedagógico para todos os estudantes e professores da educação pública primária. A Colômbia desenvolveu o portal Colômbia Aprende, enquanto a Argentina relançou durante a pandemia o plano Conectar Igualdade, descontinuado em 2018, associado à plataforma Educ.Ar. Outros exemplos de iniciativas em andamento nesse sentido são o programa nacional Tecno@prender (Costa Rica), a Política Integral para a Melhoria da Informatização (Cuba) e o Plano Conectividade para a Educação 2030 (Chile). Estudos recentes sobre as políticas digitais na pandemia em alguns países da região apontam experiências valiosas com potencial de escalabilidade (Soletic e Kelly, 2022).
Por último, entre as áreas de intervenção das políticas educacionais recentes da região, vale mencionar as políticas curriculares e de promoção de modelos educacionais flexíveis para a inclusão e a atenção à diversidade. Nesse aspecto, a renovação curricular foi um componente central de alguns programas de melhoria pedagógica, como na República Dominicana. Ao mesmo tempo, é notável que, durante a última década, um número significativo de países adotou ou aprofundou conteúdos de educação sexual no nível primário, em geral, seguindo a noção de sexualidade integral e a perspectiva dos direitos sexuais e reprodutivos (Báez e González del Cerro, 2015; Vargas e Bravo, 2021). O Programa Nacional de Educação Sexual Integral (ESI) da Argentina e o Programa de Educação Sexual do Uruguai são dois dos exemplos mais destacados neste sentido.
Por sua vez, uma das tendências que ganhou grande importância nos desenhos curriculares é a ênfase no desenvolvimento das habilidades socioemocionais (CEPAL, 2022). As habilidades socioemocionais (HSE) são conteúdos e competências transversais aos currículos, que buscam ser trabalhadas de forma integral ao longo da trajetória escolar dos estudantes no ensino primário e secundário (UNESCO, 2024b). Por exemplo, a última edição do ERCE, em 2019, incluiu um módulo sobre habilidades socioemocionais. Nesse sentido, o Equador incorporou um eixo socioemocional no contexto do seu plano Aprender a Tempo; o Peru tem como foco as HSE na formação docente; e o Chile promove a educação socioemocional tanto para os estudantes quanto sob a perspectiva do bem-estar docente, incluindo um projeto de lei que regulamenta seu ensino.
Por outro lado, os modelos educacionais flexíveis ou alternativos são promovidos em relação a diferentes contextos educacionais. Alguns desses modelos visam garantir a escolarização para filhos de pessoas privadas de liberdade ou crianças hospitalizadas, como é o caso do programa Centros de Apoio Pedagógico Integral da Bolívia, e o Programa de Salas de Aula Hospitalares do Paraguai; ou para migrantes e refugiados, como o projeto Inclusão Educacional para crianças e adolescentes em situação de migração do México, e ações similares em países da América Central, onde contam com o apoio de órgãos como UNICEF e ACNUR. A Colômbia, por sua vez, também apresenta ações específicas de modelos escolares flexíveis, entre os quais se destaca o programa Escola Nova, reconhecido internacionalmente por suas realizações.
Uma educação universal e inclusiva implica políticas de reconhecimento e de atenção à diversidade que façam efetivo o princípio de não discriminação por razões de gênero, identidade sexual, origem étnica ou deficiência, mas também demanda a valorização das diferenças. Neste sentido, houve avanços recentes importantes em termos de garantir o reconhecimento e o respeito aos direitos de grupos específicos no âmbito geral dos sistemas educacionais da região e no nível primário em particular, como o de pessoas com deficiências e pessoas sexualmente diversas, através do desenvolvimento de currículos que celebram as diferenças e combatem os estereótipos, de uma formação docente com uma abordagem inclusiva e de programas específicos de sensibilização entre os estudantes (UNESCO, 2020). Vale destacar a profunda renovação legislativa e de programas relacionados à educação de pessoas com deficiência (em países como Argentina, Costa Rica, Guatemala e Paraguai) em prol da inclusão de salas de aula comuns com base no enfoque social da deficiência, propondo importantes transformações em termos de desenvolvimento curricular, materiais didáticos, infraestrutura escolar e formação docente.
Entretanto, os maiores avanços e a maior quantidade de iniciativas nos países da região foram nas modalidades de etnoeducação, educação indígena e intercultural ou multicultural. Estas políticas não são novas, mas ganharam um impulso significativo na última década (OREALC/UNESCO Santiago, 2019; UNESCO, 2020). Os programas de educação intercultural bilíngue ou multilíngue estão amplamente difundidos nos países da região, e às vezes são implementados através de uma estreita colaboração com organizadores da sociedade civil e comunitárias. Esses programas concentraram suas ações no desenvolvimento de currículos diferenciados que respondem aos saberes e às culturas indígenas e afro-americanas, na produção de livros e materiais didáticos em línguas indígenas e na formação docente para os modelos de educação intercultural ou indígena.
Em alguns casos, os programas têm enfatizado a preservação e a difusão das línguas indígenas (Bolívia, Guatemala, Peru), a implementação de modelos escolares alternativos, incorporando elementos das culturas indígenas (Equador, Colômbia, Paraguai), ou a organização de encontros entre estudantes pertencentes a diferentes povos indígenas e comunidades afrodescendentes para a troca de experiências e conhecimentos (Encontro Nacional Tinkuy Escolar, Peru). A criação e a hierarquização de instituições específicas constituiu outro aspecto importante em alguns países, como no Equador, onde os Centros de Educação Comunitária Intercultural Bilíngue articulam a ação educacional com iniciativas de desenvolvimento produtivo e cultural; ou na Bolívia, onde os Conselhos Educacionais dos Povos Indígenas e o Instituto Plurinacional de Línguas e Culturas têm um forte protagonismo na regionalização do currículo. A Bolívia é um dos países que obteve maiores avanços em termos de perspectiva intercultural, que abarca todo o sistema educacional e não se limita às escolas de populações indígenas ou afrodescendentes segundo o país.
Para concluir, com relação às áreas de intervenção das políticas, vale mencionar a necessidade de avançar em um foco integral para abordar a perda de aprendizagens causada pela interrupção de aulas presenciais durante a pandemia de covid-19. Conforme defende a UNESCO (2024c), é necessário ter uma visão coordenada e sistêmica de ações neste sentido, que implicam um desafio duplo para os Estados: de planejamento e distribuição de recursos, principalmente em contextos de instabilidade democrática e limitação orçamentária.
5. Panorama em dados
Esta seção apresenta alguns dados que fornecem uma visão geral dos resultados da educação primária na região. Em primeiro lugar, são destacados indicadores de cobertura, distorção idade-série e conclusão do nível. Em segundo lugar, estão os resultados das provas do Estudo Regional Comparativo e Explicativo (Erce) da UNESCO, que contemplam os níveis de aprendizagem na terceira e sexta séries (segundo a CINE). A interpretação desses dados não deve ignorar a realidade de um contexto social de alta desigualdade e aumento dos níveis de pobreza desde 2016 (CEPAL, 2021), e aprofundados durante a pandemia.
Para abordar a questão da cobertura, ou seja, em que medida as políticas alcançam a inclusão das crianças na escola primária, uma medida relevante é a taxa líquida de frequência, que expressa a relação entre o número total de crianças na faixa etária oficial do nível primário que frequentam a educação primária ou em níveis superiores, e a população total da mesma faixa etária. De acordo com os dados disponíveis, a maioria dos países atingiu cerca de 95% de taxa líquida de matrículas até 2010 e manteve valores semelhantes até 2022. Em geral, a região apresenta uma cobertura muito alta, embora alguns países ainda pareçam ter dificuldades em garantir a educação primária para todas as crianças.
Com relação à queda na frequência escolar, é possível considerar duas linhas de análise. Por um lado, o efeito da pandemia: a queda na frequência na primária em 2020 foi de cerca de dois pontos percentuais e, embora em 2022 os sistemas tenham recuperado as matrículas, ainda é necessário verificar se todos os estudantes conseguiram retornar. Por outro lado, ainda que possivelmente relacionado ao anterior, observa-se uma estagnação, em nível regional, na universalização da educação primária, especialmente na inclusão dos grupos mais excluídos, compostos por crianças com deficiência e aquelas que vivem em áreas rurais remotas e/ou em domicílios em situação de maior vulnerabilidade (UNESCO, 2024c).
O indicador da porcentagem de estudantes com dois ou mais anos acima da idade prevista na educação primária expressa o nível de atraso escolar. Esse dado revela em que medida as trajetórias reais se distanciam das previstas; ao mesmo tempo, pode ser um indicativo de abandono escolar. Este fenômeno se deve à entrada tardia (com idade mais elevada que a de início prevista) ou à repetência. Historicamente, a América Latina apresenta altos níveis de repetência, uma tendência diminuiu nas últimas décadas. A evolução do indicador entre 2011 e 2022 corrobora esse avanço geral na diminuição da distorção idade-série na escola primária. No entanto, um grupo de países ainda exibe valores consideráveis.
A taxa de conclusão é um indicador-chave para verificar se as altas taxas de cobertura não são compensadas pelo abandono escolar. É a relação entre o número de graduados da educação primária; os que têm três a cinco anos acima da idade de entrada prevista no último ano do nível; e a população total dessa faixa etária. Ao escolher uma faixa etária ligeiramente mais velha do que a idade prevista para completar cada nível educacional, o indicador mede quantas crianças entram na escola mais ou menos a tempo e avançam através do sistema educacional sem atrasos excessivos. A maioria dos países apresenta valores altos de conclusão, mas, como nos indicadores anteriores, um grupo reduzido se situa aquém da média regional, particularmente alguns países da América Central. No entanto, houve um avanço generalizado e sustentado entre 2011 e 2022.
Com relação à distribuição segundo grupos sociais, a porcentagem de conclusão do nível cai levemente para os lares mais pobres na maioria dos países, o que revela processos de exclusão ainda vigentes, especialmente naqueles onde a taxa de conclusão é mais baixa.
Gráfico 4. Taxa de conclusão do nível primário, crianças pertencentes ao 30% dos lares com baixa renda (cerca de 2022)
Os resultados do TERCE (2013) e do ERCE 2019, correspondentes à terceira e quarta edições do Estudo Regional Comparativo e Explicativo conduzido pelo Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação (LLECE), mostram um panorama sobre o nível de aprendizagem na região. Este estudo foi aplicado em 15 países em 2013 e em 16, em 2019. Em 2023, o LLECE aplicou uma versão reduzida da avaliação ERCE 2019 para conhecer o impacto da pandemia de covid-19 nas conquistas de aprendizagem dos estudantes da região. Seus resultados estão em processo de elaboração.
Com relação ao ERCE 2019, além das variações entre os países, uma conclusão geral do Erce 2019 é que os baixos níveis de resultados persistem na região e que, em média, não houve em nenhum um avanço significativo desde 2013. Trata-se de uma situação de estagnação, já que poucos países registraram avanços mais substanciais. Em média, nos 16 países participantes, 40% dos estudantes da terceira série da primária e 60% da sexta série (segundo a CINE) não atingem o nível mínimo de competências básicas em leitura e matemática. A cifra sobe para 80% em relação às competências em ciências.
Em termos de gênero, não há diferenças de grande magnitude; as meninas tendem a apresentar um melhor desempenho que os meninos em leitura e ciências, e o contrário acontece, embora para menos países, em matemática. Os estudantes de povos indígenas mostram notas sistematicamente mais baixas em relação a estudantes não indígenas, mesmo quando a comparação se dá entre estudantes de igual status socioeconômico. Por fim, os resultados mostram a persistência na região da alta associação entre os resultados educacionais e o nível socioeconômico, tanto dos estudantes quanto de suas escolas. Neste sentido, um dado significativo revela que entre 40% e 50% das diferenças de aprendizagem entre os estudantes dependem da escola, e que o nível socioeconômico da escola é mais importante para explicar a aprendizagem do que o nível socioeconômico individual dos estudantes. Isso se explica por uma distribuição socioeconômica homogênea dos estudantes nas escolas, refletindo os processos de segregação social próprios da região (OREALC/UNESCO Santiago, 2021).
A Tabela 9 apresenta dados para a sexta série (segundo a CINE) – que, na maioria dos países, é a que finaliza a escola primária –, comparando os resultados de 2013 e 2019 nas três áreas avaliadas: leitura, matemática e ciências. No Erce 2019, quase 70% dos estudantes não atingiram o nível mínimo em leitura e matemática, com uma melhora na média em relação a 2013, enquanto a média em ciências se manteve ainda mais alta, mas com vários países retrocedendo em uma área ou mais, e muito poucos países alcançaram uma melhora notável nas três disciplinas.
6. Tendências e desafios
Desde os finais do século 19 e começo do século 20, os países da região têm mantido um compromisso firme com a educação primária. Esse compromisso foi ratificado pela adesão a acordos internacionais e a sanção de leis e normas respectivas durante a segunda parte do século 20. Nesse sentido, esse compromisso foi renovado com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e na Declaração de Buenos Aires de 2022. Tudo isso implicou uma ampliação progressiva das obrigações dos Estados para garantir a escolarização primária, bem como a incorporação de demandas ligadas à educação inclusiva e à sustentabilidade. Com diferenças nos modelos de governo e administração, e com uma presença variável, mas crescente, de escolas de gestão privada, a região mostra o protagonismo do Estado na regulamentação e provisão da educação primária.
As políticas implementadas cobrem uma ampla variedade de propósitos que seguem as metas do ODS 4 da Agenda 2030 para garantir uma educação primária "gratuita, equitativa e de qualidade" que produza "resultados de aprendizagem pertinentes e eficazes". Como mostrado na seção Caracterização das políticas, as principais iniciativas de políticas visam: ampliar a jornada escolar; distribuir recursos para facilitar ou incentivar a frequência nas aulas; garantir o acesso, melhorar as condições de escolarização e apoiar os processos pedagógicos para os grupos tradicionalmente desfavorecidos; fortalecer os resultados de aprendizagem e alcançar uma formação mais integral para todos os estudantes. A formação para uma cidadania mundial, o desenvolvimento de capacidades digitais e socioemocionais, junto à busca da sustentabilidade, constituem os novos horizontes de uma base comum para a escolarização, conforme os acordos alcançados pelos Estados nos fóruns internacionais.
A partir do levantamento das tendências políticas e dos principais indicadores de desempenho, bem como de diversos estudos e relatórios elaborados pela UNESCO, é possível traçar uma série de desafios que a região enfrenta para alcançar uma educação primária de relevância para toda a população.
Alguns destes desafios, de tipo estrutural, estão ligados ao acesso, às trajetórias e à aprendizagem básica.
- Por um lado, a conquista que representam as taxas de cobertura e de conclusão de nível quase universal, tanto para meninos quanto para meninas, contrasta com a persistência de situações de exclusão para certos grupos, especialmente a população indígena e setores de baixa renda. Embora os indicadores de distorção idade-série tenham melhorado, ainda estão em níveis de risco para os setores mais vulneráveis da sociedade.
- Por outro lado, os resultados da prova ERCE 2019 mostram que o nível mínimo de capacidades básicas (em leitura, escrita, matemática e ciências) é alcançado, de maneira transversal em todos os países, por uma proporção muito pequena de estudantes, cenário agravado para a população indígena e setores de baixa renda. Além disso, os resultados encontram-se estancados. Cabe destacar que o problema é generalizado: o conjunto do nível primário deve dar um salto qualitativo em nível regional na conquista dessas capacidades.
- As dificuldades nas trajetórias e conquistas de aprendizagem também são reforçadas pela crescente segregação socioeconômica das escolas. As políticas de melhoria das aprendizagens devem reforçar suas ações nas escolas que estão em piores condições para promover melhores resultados.
- Os professores são atores-chave nestes esforços. Embora a formação docente inicial e em serviço constituiu um componente central das políticas recentes, ainda se identificam debilidades nos processos formativos, em paralelo com a persistência de salários e condições de trabalho insuficientemente hierarquizadas.
Ao mesmo tempo, há uma série de desafios emergentes para a educação primária na região. Entre eles, cabe citar:
- Assegurar que as políticas de reconhecimento e atenção à diversidade tenham uma tradução mais efetiva nos conteúdos e práticas escolares. Neste sentido, os desafios incluem a implementação da educação intercultural em todas as escolas primárias, e não apenas nas que atendem a população indígena ou afrodescendente; uma maior incorporação de abordagens que valorizam a diversidade sexual e de gênero; e uma maior integração das pessoas com deficiência nas escolas regulares, acompanhada dos recursos necessários para enriquecer a experiência escolar de todos os estudantes.
- Avançar para uma educação mais integral através de um trabalho mais explícito e sistemático da escola sobre as noções de educação para a sustentabilidade e de cidadania global. Isso implica fortalecer as capacidades básicas e habilidades demandadas pela digitalização. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de capacidades voltadas para gerar um bom clima de trabalho nas escolas torna-se fundamental: a escuta, a abertura, o respeito pelas diferenças e as opiniões diversas, o lugar do jogo na troca entre pares e ensinar e aprender em felicidade (Braslavsky, 1999).
- A pandemia de covid-19 deixou marcas na continuidade das trajetórias escolares que ainda devem ser avaliadas. No entanto, o nível primário deve atender as transições entre a educação inicial, com o fortalecimento da leitura e escrita e dos conhecimentos fundamentais, e a secundária inferior (o terceiro ciclo da educação básica). Sustentar a frequência e a continuidade das trajetórias escolares exige estratégias de articulação, tutorias e acompanhamento personalizado, sem deixar de lado a possibilidade de um espaço de ensino e aprendizagem comum.
- Em suma, o nível primário na região latino-americana enfrenta desafios históricos e recentes. Garantir a inclusão universal, superar o estancamento nas conquistas de aprendizagem e assegurar espaços escolares onde prime o bem-estar caracterizam o panorama atual deste nível educacional e constituem o corpo central que enfrenta a agenda das políticas educacionais. Entre os aspectos-chave para sua atenção, destacam-se a atualização da formação docente conforme as demandas presentes para a educação primária e, em especial, a melhoria das aprendizagens, bem como o sustento financeiro adequado para garantir uma experiência escolar satisfatória para todas as crianças da região;
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Contenido
- 1. Contexto da educação secundária
- 2. Introdução
- 3. Estrutura normativa e institucional
- 4. Caracterização das políticas
- 4.1 Políticas para a melhoria de infraestrutura, equipamentos e da dotação de tecnologia
- 4.2 Políticas de fortalecimento da demanda dos estudantes no nível
- 4.3 Políticas de mudança curricular
- 4.4 Políticas voltadas para a transformação do formato escolar tradicional
- 5. Panorama em dados
- 6. Tendências e desafios
- 7. Referências bibliográficas
Autoria: Bárbara Briscioli, sob coordenação do IIPE UNESCO
1. Contexto da educação secundária
2. Introdução
O nível secundário compõe a educação básica e é o terceiro dos níveis dos sistemas nacionais de educação. Segundo a Classificação Internacional Normalizada da Educação (CINE) elaborada pela UNESCO, abarca dois períodos dos programas educacionais: a secundária inferior (CINE 2) e a secundária superior (CINE 3). A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, assinada pelos países-membros das Nações Unidas (ONU) em 2015, contempla o nível secundário no ODS 4, que promove a "garantia de uma educação inclusiva e equitativa de qualidade e a promoção de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas as pessoas". Nas metas para atingir esse objetivo, os Estados são instados a "garantir que todas as meninas e meninos concluam a educação primária e secundária, que deve ser gratuita, equitativa e de qualidade e produzir resultados de aprendizagem relevantes e eficazes". Compreende o ensino dos conhecimentos e habilidades considerados necessários para o desempenho efetivo na sociedade atual no nível superior e no acesso ao mercado de trabalho.
Essas metas representam desafios significativos para a América Latina. Embora desde os anos 90, e especialmente durante a primeira década do século 21, a maioria dos países da região tenha aprovado leis que aumentaram o número de anos do período de educação obrigatória em geral, e da educação secundária em particular, ampliando a oferta educacional e a inclusão de setores outrora postergados, alguns estudos constatam uma certa estagnação na massificação do nível secundário (IIPE/CLADE, 2021; UNESCO Santiago, CEPAL e UNICEF, 2022; Scasso, 2024). Nesse contexto, torna-se relevante analisar as tendências desse nível na região. O nível foi o que mais passou por mudanças nos últimos tempos. E, na medida em que se avança em termos de sua obrigatoriedade, continua sendo objeto de intervenção de múltiplas e simultâneas políticas educacionais que buscam incidir sobre o acesso, a permanência, a conclusão e a qualidade da aprendizagem obtida.
A situação contemporânea do nível secundário pode ser descrita como uma tensão constante entre sua demanda contínua por expansão e o modelo institucional tradicional a partir do qual foi configurado. Desde suas origens, o nível secundário foi concebido como um modelo de elite, para poucos, como um trampolim para o ingresso na universidade. Em contraste, hoje, e como resultado das recentes mudanças na legislação educacional em muitos países da região, o acesso à educação secundária é majoritariamente entendido como um direito de todas as pessoas adolescentes e jovens. De fato, com exceção da Nicarágua, a secundária inferior está incluída no período de escolaridade obrigatória em todos os países da América Latina. Nesse contexto, a matriz original se vê tensionada e requer mudanças profundas para enfrentar o desafio de continuar expandindo a educação secundária e sustentar trajetórias bem-sucedidas para todas as pessoas adolescentes e jovens nesse nível de escolaridade.
Considerando essas ideias preliminares, a primeira seção de análise abordada neste documento refere-se à caracterização do nível secundário em termos de sua estrutura normativa e configuração organizacional. Nesta caracterização é considerada sua denominação em cada país, as regulamentações mais recentes de sua estrutura e organização, o seu caráter obrigatório total ou parcial e suas orientações e modalidades.
A segunda seção do documento apresenta as principais políticas para a educação secundária desenvolvidas recentemente. Faz-se referência a dois grupos de políticas educacionais: o primeiro busca garantir as condições para o acesso ao nível; o segundo, centra-se nas condições pedagógicas para que os estudantes permaneçam nas escolas. Dentro do primeiro grupo, há dois tipos de políticas: por um lado, as referentes à ampliação e melhoria de infraestrutura e equipamento; e, por outro, as políticas vinculadas ao fortalecimento da demanda através da transferência de recursos monetários e apoio econômico. Por sua vez, no segundo grupo, se distinguem as políticas associadas à mudança e/ou à incorporação de novos conhecimentos no currículo escolar, bem como as vinculadas às reconfigurações recentes da educação secundária. Estas últimas incluem tanto as iniciativas para transformar o formato escolar tradicional como as destinadas a sustentar as trajetórias estudantis; e, por fim, os programas de escolarização alternativa.
Uma terceira seção apresenta um panorama regional em dados, referente às trajetórias escolares nesse nível. Em particular, essa caracterização supõe uma descrição dos indicadores de acesso, repetência, permanência e formação dentro do prazo, cruzada com variáveis de caracterização da população em termos de local de residência (urbano/rural) e renda, de acordo com os últimos dados disponíveis no SITEAL.
A conclusão apresenta uma análise reflexiva em termos de avanços e dívidas para o nível.
3. Estrutura normativa e institucional
Conforme mencionado na introdução, a secundária é a terceira etapa dos sistemas nacionais de educação. A idade de referência varia, segundo o país, de 11 a 17 anos de idade (ver Tabela 1). O sistema de Classificação Internacional Normalizada da Educação (CINE) elaborado pela UNESCO divide o nível em dois períodos: a secundária inferior (CINE 2) e a secundária superior (CINE 3). No entanto, a configuração organizacional varia em cada país.
O requisito para ingressar na secundária inferior é ter concluído e ter sido aprovado no nível primário. Os programas educacionais da secundária inferior geralmente são voltados para o reforço das aprendizagens do nível primário. Em geral, duram três anos. Suas competências estabelecem a base para o desenvolvimento humano e a aprendizagem ao longo da vida. Normalmente, se apoiam em disciplinas ministradas por professores que receberam formação pedagógica em conteúdos específicos. Cada grupo de estudantes costuma ter vários professores especializados. Em alguns países, os programas educacionais da secundária inferior também incluem conteúdos vocacionais.
O requisito para o acesso aos programas educacionais classificados pela UNESCO, como a secundária superior (CINE 3), é ter concluído a secundária inferior. O propósito da secundária superior é garantir que os adolescentes e jovens tenham o conhecimento necessário para transitar essa etapa de suas vidas e possam se desenvolver nas etapas seguintes, seja a continuação de seus estudos no nível superior ou a entrada no mercado de trabalho ou na vida em comunidade. Em 9 dos 19 países a duração é de três anos. Uma característica marcante desses programas é que, em comparação com o período anterior, a diversificação e a especialização do conteúdo curricular são ainda mais acentuadas. É frequente que os professores sejam formados e especializados em matérias e campos de conhecimento específicos.
A configuração organizacional da educação secundária não é homogênea na região. Considerando as diferentes denominações oficiais, há países em que a secundária ocupa dois anos teóricos de duração (como El Salvador e Honduras) ou três (como Paraguai e o ensino médio no Brasil), e outros com uma duração que chega a seis anos (como Argentina e Uruguai). As variações existentes entre os países também envolvem a organização do nível em um único período homogêneo (como Bolívia, Nicarágua, Peru e Venezuela) e, em outros casos, a divisão do nível em dois períodos (secundário inferior e superior – que adquirem diferentes denominações em cada caso –, como acontece na Argentina, Colômbia, Cuba, República Dominicana e Uruguai). Considerando a classificação CINE da UNESCO, é possível observar que sete países da região (Brasil, Costa Rica, Equador, El Salvador, Honduras, México e Paraguai) possuem um período do CINE 2 incluído como a última parte da educação básica. Esta heterogeneidade pode ser vista em detalhe na Tabela 1.
As leis aprovadas no início do século 21 na América Latina resultaram no surgimento de sistemas educacionais profundamente diferentes daqueles regulamentados no final do século 19 e em boa parte do século 20. A escola secundária deixou de ser uma instituição seletiva, à qual apenas uma parcela minoritária da população com fins específicos tinha acesso, geralmente ligados à sua função propedêutica, para se tornar um nível educacional de crescente alcance universal. A nova legislação em muitos países da região buscou promover a construção de um nível secundário que pudesse responder às demandas de acesso, permanência e graduação. Além das mudanças propostas para a configuração institucional do nível, o aspecto mais transcendental que se instalou refere-se ao aumento dos anos de obrigatoriedade escolar e ao alcance da educação secundária. Os novos marcos jurídicos aspiram a um processo de universalização em relação ao acesso e à sustentabilidade das trajetórias, o que poderia ser considerado um efeito direto da extensão da obrigatoriedade do nível secundário (Acosta, 2021).
Atualmente, todos os países da região contam com a obrigatoriedade da educação secundária inferior, com exceção da Nicarágua. Além disso, 13 dos 19 países ampliaram a obrigatoriedade do período superior (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela). A Tabela 2 apresenta mais informações a respeito.
4. Caracterização das políticas
Esta seção faz referência a quatro tipos de políticas educacionais que podem ser identificadas nos países da região e que refletem as prioridades dos Estados ao intervir no sistema educacional. Foram classificadas conforme as políticas que buscam garantir as condições para o acesso e, em seguida, segundo as que miram nas condições pedagógicas para que os estudantes permaneçam nas escolas. Entre as primeiras, estão incluídas políticas para a ampliação e melhoria de infraestrutura e equipamentos; e para o fortalecimento da demanda através da transferência de renda e apoio econômico para o sustento das trajetórias escolares. Essas políticas buscam compensar as desigualdades respectivas ao ponto de partida de cada estudante, que são estratégicas em uma região historicamente atravessada por lacunas significativas de desigualdade.
Entre as políticas educacionais com foco no aspecto pedagógico em sentido estrito, destacam-se aquelas associadas à mudança curricular e à incorporação de novos conhecimentos no currículo escolar do nível. Consistem em intervenções que buscam renovar o conteúdo do nível médio, com o objetivo de aproximá-los dos interesses dos estudantes, das demandas da sociedade do conhecimento e dos saberes próprios das culturas e coletivos historicamente excluídos que compõem cada país.
Em segundo lugar, menciona-se um grupo de políticas ligadas à recente reconfiguração da educação secundária, em particular aquelas relativas à organização institucional. Entre essas políticas, distinguem-se, em primeiro lugar, as voltadas à transformação do formato escolar tradicional; em segundo lugar, aquelas que contribuem para a sustentação das trajetórias estudantis e, por fim, os programas de escolarização alternativa.
4.1 Políticas para a melhoria de infraestrutura, equipamentos e da dotação de tecnologia
Nas últimas décadas, a escola secundária tem passado por um processo de expansão na região, incorporando um número cada vez maior de estudantes, provenientes de diversos setores sociais, tanto urbanos quanto periurbanos e rurais. Para que essa inclusão fosse possível, foi necessário ampliar a oferta, ou seja, construir escolas onde antes não existiam. Paralelamente, foram implementadas políticas voltadas à melhoria da infraestrutura escolar e à dotação de recursos existentes.
A seguir, apresenta-se uma seleção de políticas públicas destinadas à expansão e à melhoria da infraestrutura escolar, do seu equipamento e dos recursos educacionais vinculados às novas tecnologias. Um aspecto importante a destacar é que muitas dessas políticas e programas não são exclusivos do nível secundário. No entanto, são incluídos aqui por sua relevância para esse nível de ensino.
As políticas educacionais atuais na região colocam o investimento em infraestrutura escolar como um dos principais compromissos de equidade dos Estados nacionais, uma vez que esse investimento incide diretamente na garantia do direito à educação. A pesquisa educacional é unânime quanto aos efeitos positivos da infraestrutura escolar na promoção de bons aprendizados (BID, 2011; 2017; Claus, 2018).
Diante da precariedade das condições de infraestrutura na maioria dos países da região – especialmente nas escolas que atendem populações vulneráveis –, o investimento nesse campo torna-se central, sobretudo para acompanhar a expansão do nível. Entre as iniciativas políticas voltadas à criação de instituições educacionais e à melhoria da infraestrutura escolar, destacam-se: o Fundo de Financiamento da Infraestrutura Educacional (FFIE), da Colômbia; o programa Melhoria integral da infraestrutura com ambientes escolares inclusivos, seguros e sustentáveis, em El Salvador; a Estratégia 2016–2019 para a atenção à infraestrutura escolar nos níveis pré-primário, primário e médio, na Guatemala; o programa Escolas ao CIEN, no México; o Programa Unidos na Minha Escola, no Panamá; e o Programa Nacional de Infraestrutura Educacional (PRONIED), no Peru (para mais detalhes, ver Inclusão e equidade educacional).
Outro foco importante na provisão de recursos está relacionado às novas tecnologias da informação e comunicação (TIC). Em 2015, a Declaração de Qingdao (UNESCO, 2017) – resultado da Conferência Internacional sobre TIC e Objetivos Educacionais Pós-2015 organizada pela UNESCO –, e sua reafirmação em 2017, forneceram diretrizes estratégicas para pensar o potencial das TIC na educação, especialmente no alcance do ODS 4. Esses acordos reconhecem o papel das tecnologias digitais como impulsionadoras dos sistemas educacionais e seu papel fundamental para garantir que todos os estudantes tenham acesso a uma educação de qualidade, desenvolvam competências para construir seus projetos de vida com autonomia e liberdade, e se preparem para viver em um mundo cada vez mais complexo (UNESCO, 2017).
Diversas políticas e programas têm se concentrado nesse aspecto. Essas últimas são mencionadas no panorama Educação e Tecnologias Digitais, do SITEAL.
4.2 Políticas de fortalecimento da demanda dos estudantes no nível
A expansão da educação secundária na região exige o planejamento e a implementação de políticas para estruturar as trajetórias escolares, que coloquem especial foco nos setores vulnerabilizados. Essas políticas envolvem o emprego de diferentes setores do aparato estatal para compensar as desigualdades. As políticas de fortalecimento à demanda têm como objetivo fornecer às famílias recursos econômicos ou bens para apoiar o ingresso e a continuidade da escolarização, especialmente para setores historicamente excluídos. Embora nem sempre essas políticas não sejam especificamente voltadas para o nível secundário – mas para a educação básica como um todo –, adquirem relevância com a ampliação dos anos de obrigatoriedade escolar.
Há diferentes formas de apoio na região. Em princípio, é possível fazer uma distinção entre os programas de desenvolvimento social, administrados além do âmbito educacional, que consistem em transferências de renda e requerem algum tipo de contraprestação de escolarização para sua continuidade (para mais detalhes, ver o panorama sobre Inclusão e equidade educacional).
Outro tipo de programas de fortalecimento à demanda são geridos pelo âmbito educacional na forma de bolsas ou benefícios destinados a apoiar a escolarização de grupos populacionais em situação de vulnerabilidade social. A seguir, são listadas as principais iniciativas vigentes para estimular a participação no sistema escolar de diferentes setores vulneráveis nos países da região.
Além das transferências monetárias, diversos países da região desenvolveram ações de transferência de outros tipos de recursos para fortalecer a demanda escolar. A esse respeito, podem ser destacados os programas de alimentação escolar. Existem também programas de fornecimento de livros didáticos. Outros recursos distribuídos aos estudantes são uniformes e materiais escolares em geral. Nesse sentido, destaca-se o programa de kits escolares do Paraguai, que distribui anualmente bolsas de material escolar a todos os estudantes de instituições públicas, delineadas para cada ano letivo, de acordo com as atividades pedagógicas previstas (para mais informações, consultar o panorama sobre Inclusão e equidade educacional).
4.3 Políticas de mudança curricular
Em sintonia com a ampliação do acesso à educação secundária, buscou-se tornar a oferta mais pertinente, com o objetivo de favorecer a permanência dos estudantes, bem como proporcionar experiências e aprendizagens significativas. Assim, na região foram promovidas mudanças curriculares e organizacionais no âmbito dos sistemas educativos formais e, paralelamente, desenvolveram-se experiências alternativas de escolarização.
No que diz respeito às políticas educacionais voltadas à promoção de mudanças curriculares e à renovação dos conteúdos e das práticas pedagógicas desenvolvidas no nível médio, essas iniciativas buscam atender às demandas de setores historicamente excluídos, assim como às atualizações exigidas pelo século 21. De modo geral, tais políticas de mudança curricular visam avançar na pertinência da educação em função dos interesses dos estudantes; incorporar os saberes dos povos originários e novos conhecimentos próprios da sociedade do conhecimento; e construir um currículo que responda ao desafio de incluir a diversidade dos estudantes, promover o exercício da cidadania e contribuir para o desenvolvimento sustentável.
Abaixo, são listados alguns exemplos destas políticas.
4.4 Políticas voltadas para a transformação do formato escolar tradicional
Além da organização acadêmica formal, várias tentativas nos últimos anos buscaram intervir na estrutura organizacional do nível na região, que se refletem em políticas de flexibilização do regime acadêmico, ampliação do tempo escolar, uso de espaços "educativos" fora da instituição escolar, entre outros aspectos substanciais.
A Tabela 5 apresenta exemplos de políticas que buscam a transformação da escola secundária, para projetar experiências de escolarização comuns mas flexíveis, capazes de contemplar a diversidade e as particularidades do corpo discente. Em alguns casos, como na Bolívia e no México, também são oferecidas ofertas diferenciadas.
Além desses programas ou políticas, no âmbito da vida escolar cotidiana, diversos países estão buscando desenvolver ações que permitam manter as trajetórias escolares dos estudantes. Essas ações buscam, por meio de diferentes modalidades e intensidades de intervenção, reduzir a evasão escolar.
Existem algumas políticas integrais e de amplo alcance. Entre elas, o Sistema de Proteção de Trajetórias Educacionais do Uruguai, a Estratégia Nacional para Promover Trajetórias Contínuas, Completas e de Excelência do México e a Estratégia de Alerta Preventivo da Costa Rica. Também foram desenvolvidas iniciativas com diferentes focos e propósitos, entre as quais podem ser mencionadas as seguintes:
- Espaços de reforço acadêmico para compensar as aprendizagens que não foram alcançadas em uma determinada disciplina
- Ações de aceleração da aprendizagem para compensar a escolaridade de estudantes com dificuldades de acesso à escolarização.
- Estratégias de flexibilização do regime escolar para mães estudantes (e, em alguns casos, também para estudantes com responsabilidade parental), que são desenvolvidas nas instituições do nível médio, assim como a instalação de salas maternais em escolas secundárias.
- Experiências socioeducativas de formação complementar ao tempo escolar, seja no próprio local da escola ou em outros espaços.
Ao mesmo tempo, muitos dos países estão buscando criar alternativas de escolarização para aqueles que abandonaram o sistema educacional ou vivem em condições de vulnerabilidade social. Essas propostas de formação às vezes envolvem formatos inovadores e flexíveis de cursos presenciais, organizados de forma complementar ao sistema de educação formal regular. Em outros casos, são propostas de ensino à distância, baseadas em mediações tecnológicas que permitem cursos síncronos ou assíncronos. Parte dessas experiências são apresentadas na Tabela 6.
Vale ressaltar que, em países federativos, tais iniciativas podem surgir em nível estatal, provincial e/ou municipal, mas nem sempre se refletem nas diretrizes nacionais.
5. Panorama em dados
Esta seção apresenta um panorama regional dos dados estatísticos que permitem um relato dos avanços e das dívidas pendentes com relação à concretização do direito à educação para adolescentes e jovens.
Em uma publicação recente, Scasso (2024) oferece uma radiografia da educação secundária na América Latina, a partir da abordagem dinâmica das trajetórias escolares. Nesta reconstrução, também contribui para a análise das mudanças observadas nas últimas duas décadas neste nível educacional.
Nessa linha, os dados estatísticos disponíveis na base de indicadores educacionais do SITEAL mostram a evolução recente da frequência escolar em nível secundário na América Latina. Como pode ser visto no Gráfico 1, houve uma melhora substancial na taxa líquida ajustada de frequência à secundária em todos os países, superando 80% na maioria dos casos. Entretanto, cabe destacar que o crescimento variou entre os países.
Ao distinguir entre ensino secundário inferior (CINE 2) e superior (CINE 3), os únicos casos de manutenção das matrículas são Bolívia e Chile – e também a República Dominicana, embora com menores percentuais de cobertura. Pelo contrário, na maioria dos países observa-se uma queda na taxa de frequência na transição de um ciclo para outro. É o caso da Colômbia (31%), El Salvador (25%) e Costa Rica (23%) que apresentam as maiores perdas de matrícula (ver gráfico 2).
Da mesma forma, no diagnóstico citado (Scasso, 2024), são caracterizados os grupos sociais mais expostos a vivenciar situações de exclusão educacional no ensino secundário. Como se sabe, a principal causa de exclusão está associada à evasão escolar durante o ensino secundário, sendo no ensino secundário superior onde persistem os maiores mecanismos de exclusão.
No entanto, as desigualdades também podem ser observadas em cada país. Uma primeira distinção remete ao âmbito rural e urbano. Esse indicador está disponível para todos os países, exceto Argentina, cujas pesquisas domiciliares contemplam apenas a população urbana. De acordo com os dados mais recentes disponíveis para cada país, a taxa de frequência no nível secundário é menor nas zonas rurais em relação às zonas urbanas, com exceção do Chile. Em alguns casos, como Honduras, essa lacuna chega a 35 pontos percentuais.
Outra possível distinção está relacionada ao nível de renda do grupo familiar. Os dados mostram que há uma probabilidade maior de frequentar o nível secundário entre os filhos das famílias com 40% das rendas mais altas (89,8%) do que entre aquelas de 30% com a renda mais baixa (onde a porcentagem cai para 81,8%). Em alguns países, como Paraguai e Honduras, essas diferenças superam os 13 pontos percentuais.
Um aspecto que afeta particularmente a trajetória estudantil no nível secundário está relacionado a dificuldades prévias nos percursos escolares, ou seja, no acesso, no ingresso tardio, repetência na primária e/ou secundária e as intermitências na frequência às aulas por diferentes motivos (deslocamento, desvinculação parcial, entrada no mercado de trabalho formal ou informal). Essas alterações nas trajetórias podem ser refletidas na chamada taxa de distorção idade-série, que contempla a porcentagem de estudantes com dois ou mais anos acima da idade teórica correspondente ao nível. Segundo os dados disponíveis, a média da região é de 16%. No entanto, em alguns países, ultrapassa 20% (como é o caso do Uruguai, com 27,5% de distorção idade-série; Honduras, com 26,7%; e Colômbia, com 24,8%), como pode ser visto no gráfico 8.
Por fim, um último aspecto que vale destacar diz respeito à taxa de graduação no nível secundário. Os dados disponíveis permitem comparar a situação no início do século 21 com os dados do final da segunda década do mesmo século, mostrando um avanço significativo na região em termos de conclusão do nível secundário (Scasso, 2024). No entanto, garantir a conclusão continua sendo um desafio, como pode ser visto no gráfico 9.
A taxa média regional de conclusão do nível secundário aumenta para 70%. No entanto, esse dado oculta desigualdades significativas, com alguns países apresentando desempenho bem abaixo dessa média (Honduras, El Salvador e Uruguai), como pode ser observado no gráfico 9. Do mesmo modo, os dados se agravam em todos os países quando a análise considera zona de residência e renda das famílias.
Em consonância com a radiografia das trajetórias escolares (Scasso, 2024), no que diz respeito à conclusão da secundária superior, e apesar dos avanços, identifica-se a persistência de grandes desigualdades. Ou seja, enquanto 88 a cada 100 estudantes de lares de alta renda concluem o nível secundário completo, essa proporção se reduz para 66 a cada 100 entre os lares de renda mais baixa. O fato de as desigualdades na conclusão serem maiores do que as de frequência também revela que as trajetórias pela educação secundária são mais difíceis para a população de nível socioeconômico baixo, que enfrenta mais situações de repetência e abandono.
Complementarmente, detectam-se dificuldades em garantir que aqueles que acessam e concluem esse nível alcancem os aprendizados esperados. Em 2022, entre os países que participaram do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), 50% dos estudantes alcançaram níveis mínimos de competência em leitura, e apenas 30% em matemática. Para o grupo de países que participa desde 2009, esses níveis de desempenho praticamente não variaram ao longo desses treze anos (Scasso, 2024). Portanto, a persistência dos baixos resultados de aprendizagem se coloca como um desafio.
6. Tendências e desafios
Nos últimos 20 anos, houve uma expansão significativa da educação secundária na América Latina. Os países da região avançaram na reforma ou promulgação de novas estruturas normativas que viabilizam a expansão da escolaridade em geral e da educação secundária em particular, em seus dois ciclos, inferior e superior, mas com foco neste último. A promulgação de leis que aumentaram a quantidade de anos do período de educação obrigatória implicou, por um lado, a ampliação da oferta para a atenção massiva de adolescentes e jovens excluídos do sistema escolar. Por outro lado, e intimamente ligado a isso, houve uma inclusão progressiva na educação escolar de grupos sociais previamente excluídos do sistema escolar. Ao conferir as mudanças recentes na legislação, podemos observar uma progressão gradual entre o conjunto das leis a esquemas normativos fortemente comprometidos com a educação como um direito fundamental (López, 2015).
Em termos de políticas, a expansão do acesso ao nível secundário foi auxiliada por duas estratégias. Em primeiro lugar, a construção de novas escolas, impulsionada pelo avanço do ensino obrigatório. Os Estados da região fizeram esforços significativos para, deste modo, chegar a toda a população, uma decisão que facilita o acesso ao nível, reduzindo assim os longos e custosos deslocamentos dos estudantes para chegar aos estabelecimentos de ensino. Em segundo lugar, a ampliação das matrículas foi influenciada por políticas destinadas a alterar e remodelar o formato escolar tradicional, que desde o início significou um nível secundário com uma função fundamentalmente propedêutica, pensado para a preparação de uma elite para o ensino superior. Por outro lado, com a expansão da educação obrigatória, ampliou-se o direito à escolarização, dando ao ensino médio um sentido próprio: disponibilizar os saberes comuns para a plena inclusão social e econômica de adolescentes e jovens, mas reconhecendo as diversidades e desigualdades de estudantes e trajetórias, e, em alguns casos, flexibilizando as modalidades de escolarização.
O compromisso com o direito à educação, que os Estados latino-americanos demonstraram por meio de suas leis gerais de educação e de uma vasta gama de políticas, levou a um avanço significativo – evidenciado pelo aumento das taxas de escolarização e conclusão do nível –, embora ainda seja insuficiente. Na região, apenas metade dos adolescentes consegue concluir o ensino médio, enquanto persistem profundas desigualdades em termos de acesso, permanência e conquistas de aprendizagens no sistema educacional. Certos grupos sociais – indígenas, afrodescendentes, pessoas que vivem em zonas rurais ou provenientes de famílias socialmente desfavorecidas – contam com menores possibilidades de sustentar suas trajetórias educacionais e obter aprendizagens pertinentes e significativas. A América Latina ainda é uma das regiões mais desiguais do mundo, e a desigualdade se manifesta não apenas na dimensão econômica da vida, mas também na dimensão educacional.
Em suma, a sistematização aqui apresentada e as pesquisas recentes revelam pelo menos três desafios enfrentados pelo processo de expansão do ensino médio na América Latina: universalizar o acesso, promover a continuidade da trajetória e garantir a relevância da oferta em termos de qualidade. Esses desafios são múltiplos e simultâneos e refletem uma tensão complexa entre a expansão da secundária e o modelo institucional (Acosta, 2019). Já não basta garantir o acesso; é fundamental assegurar a permanência e a conclusão do nível, bem como a apropriação de todo o conhecimento que se propõe transmitir.
Ao longo deste documento, apresentamos um mapeamento das intervenções políticas implementadas pelos Estados, orientadas a garantir uma educação secundária equitativa e de qualidade. O levantamento e o estudo das experiências de trabalho para melhorar as trajetórias escolares em toda a região nos permitem delinear, de forma resumida, algumas propostas-chave a serem consideradas pelos responsáveis pelo desenvolvimento de políticas públicas nessa área:
- Promover estratégias de intervenção intersetoriais que abordem as causas que geram exclusão e desigualdade dentro e fora dos sistemas educacionais. O planejamento de políticas para melhorar as trajetórias educacionais de jovens em contextos vulneráveis exige deixar de lado intervenções pensadas exclusivamente como "educacionais" para se pensar em ações intersetoriais que abordem as causas que geram exclusão e desigualdades sociais e educacionais. A interrupção da trajetória educacional é resultado de um conjunto de fatores internos e externos aos sistemas, o que requer o desenvolvimento de políticas que os abordem de forma integral. O trabalho das escolas imersas em contextos de exclusão demanda ações que considerem, simultaneamente, questões sociais, de moradia, urbanização, alimentação e saúde pública. A pobreza atravessa a vida dos indivíduos e sua experiência escolar: o acesso pleno, a permanência e a aprendizagem de todos os estudantes exigem o desenvolvimento de políticas que vão além do âmbito das políticas educacionais.
- Promover políticas que incentivem a construção de experiências de escolarização comuns, mas flexíveis. O planejamento da política educacional deve orientar a construção de sistemas flexíveis que favoreçam a possibilidade de retomar trajetórias educacionais interrompidas. Isso implica oferecer oportunidades múltiplas e variadas para diferentes propósitos: acessar e complementar os estudos em qualquer nível educacional; oferecer diferentes modalidades e possibilidades de ingresso ou reingresso; facilitar o aperfeiçoamento e a formação vinculados ao trabalho; facilitar diferentes itinerários formativos e o estabelecimento de pontes entre eles, permitindo que cada pessoa construa seu próprio projeto de formação. Para que isso seja possível, é necessário criar sistemas educacionais flexíveis, em que os que interromperam sua trajetória possam retomá-la a qualquer momento da vida. O pressuposto de um tempo único e linear, no qual se baseia o funcionamento do sistema educacional, é um elemento com alto potencial de exclusão, para o qual se deve buscar uma alternativa.
- Favorecer a institucionalização de estratégias de acompanhamento escolar. A possibilidade de gerar boas experiências escolares que contribuam para que as trajetórias sejam contínuas e completas na passagem dos estudantes no nível secundário demanda instâncias de acompanhamento escolar. A experiência das instituições que progrediram nesse aspecto revela a importância das tutorias para a transição para a secundária. É fundamental sua institucionalização e formalização, bem como o desenvolvimento de um planejamento de trabalho para os tutores e a respectiva avaliação, afastando-se assim das experiências informais que ainda existem em alguns países da região.
- Desenvolver sistemas de alerta para a detecção e intervenção precoce sobre situações de evasão escolar. Apesar das diversas intervenções desenvolvidas pela política educacional nas últimas décadas, as escolas secundárias da região continuam apresentando índices de evasão muito altos. É essencial desenvolver uma escola mais inclusiva, que não expulse, mas que, ao mesmo tempo, seu setor de gestão desenvolva um sistema de alerta para a detecção e intervenção imediata em casos de evasão escolar. O processo de desvinculação com a instituição escolar costuma ser progressivo, dá indícios; a desfiliação é processual. Portanto, é estratégico intervir imediatamente quando uma situação de possível abandono é detectada.
7. Referências bibliográficas
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- Constitución Política del Estado plurinacional de Bolivia
- Ley 70/2010. Ley de Educación “Avelino Siñani - Elizardo Pérez”
- Plan Estratégico Institucional de Educación 2021 - 2025
- Plan Sectorial de Desarrollo Integral para Vivir Bien. Sector Educación 2021 -2025
- Constitución de la República Federal de Brasil
- Ley 11.494/2007. Fondo para el Mantenimiento y Desarrollo de la Educación Básica y el Fortalecimiento de los Profesionales de la Educación - FUNDEB
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- Plan Nacional de Educación 2014-2024
- Constitución Política de la República de Chile
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- Ley 715/2001. Sistema General de Participaciones SGP
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- Ley 2160/1957. Ley Fundamental de Educación
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- Decreto 364/2020. De la formación y desarrollo de la fuerza de trabajo calificada
- Ley 680/1959. Sobre la Primera Reforma Integral de la Enseñanza
- Ley de Nacionalización General y Gratuita de la Enseñanza. Ley s/n del 6 de junio de 1961
- Constitución de la República del Ecuador
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- Ley 1725/2001. Estatuto del Educador
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- Resolución 0668/2011. Instructivo para el Manejo de Fondos Transferidos a las Juntas Regionales, de Distrito y de Centro Educativo
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