A educação básica é o ciclo educacional que tem início na primeira infância e se conclui nos últimos anos da adolescência. Nesta seção, serão apresentadas: a denominação que cada país dá aos níveis educacionais que conformam a educação básica e o período de escolarização obrigatória; o conjunto de Leis Nacionais de Educação; informações relevantes para a caracterização da educação básica; e um conjunto de intervenções realizadas pelos países para garantir o direito à educação.
Contenido
1. Introdução
A educação básica é o ciclo educacional que os Estados oferecem para crianças e adolescentes desde a primeira infância até os últimos anos da adolescência. Abarca o nível inicial ao secundário. Inclui o ensino dos conhecimentos e habilidades que são considerados essenciais para que todas as pessoas se desempenhem de maneira efetiva na sociedade contemporânea, equipando cada indivíduo para o exercício da cidadania ativa, para a continuação da formação no nível superior e para o acesso ao mercado de trabalho.
Na América Latina, 14 dos 19 países utilizam o termo "educação básica", embora com variação de abrangências. O Brasil, a Nicarágua, o Peru e a Venezuela são os que possuem maior alcance do nível, abarcando desde a primeira infância até o final da escola secundária. Nesses países, a educação básica inclui alguns anos de escolaridade obrigatória e outros que não o são. No Panamá, a educação básica coincide com a obrigatória. A Argentina, a Bolívia, Cuba, a Guatemala e o Uruguai não utilizam o termo "educação básica". Nos demais países (Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Honduras, México, Paraguai e República Dominicana), a educação básica é uma etapa da escolaridade obrigatória.
O aumento da quantidade de anos de educação obrigatória na região tem sido notável nas últimas três décadas. Durante a década de 90, diversos países introduziram a obrigatoriedade de um ou mais anos do nível inicial e da secundária inferior (estudantes de 11 a 14 anos). Nos anos 2000 e 2010, a tendência de aumento se acentuou mais ainda, tanto para o nível inicial quanto para o secundário. Atualmente, todos os países (com exceção de Cuba) têm pelo menos um ano obrigatório no nível inicial (cobrindo, em todos os casos, a população de 5 anos) e vários estabelecem a obrigatoriedade a partir dos 3 ou 4 anos de idade. Por sua vez, com relação ao ensino secundário, todos os países (com exceção da Nicarágua) tornaram obrigatório o ciclo inferior, enquanto 13 dos 19 países tornaram obrigatória a secundária superior (estudantes de 15 a 17 anos) (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela). A escolaridade obrigatória tem uma duração de 15 anos no Equador, no México e na Venezuela; 14 anos na Argentina, na Bolívia, no Brasil, no Peru e no Uruguai; 13 anos no Chile, na Costa Rica, no Paraguai e na República Dominicana; 12 anos em El Salvador, na Guatemala e em Honduras; 11 anos no Panamá; 10 anos na Colômbia; 9 anos em Cuba; e 7 anos na Nicarágua.
Com relação à estrutura normativa e programática, todos os países da região possuem leis gerais que regulamentam a educação básica em nível nacional e, em muitos casos, contam com planos que orientam seu funcionamento. Em quase todos os países, nos últimos 20 anos foram realizadas atualizações normativas que afetaram os principais aspectos dos sistemas escolares (IIPE UNESCO e CLADE, 2015; López, 2007).
Uma das mudanças fundamentais consiste em explicitar a educação como um direito e na ampliação das obrigações do Estado em respeitá-lo, protegê-lo e torná-lo efetivo. Isso implica, em primeiro lugar, que o Estado garanta tanto a existência de uma oferta de educação universal quanto as condições de acesso – especialmente a gratuidade – sem qualquer tipo de discriminação. As novas leis estabeleceram uma extensão do que se entende por educação básica, ao estabelecer uma educação média e pelo menos um ano do nível inicial como obrigatórias e universais, ao mesmo tempo que garante uma oferta voltada para os primeiros anos de vida. Assim, em vários países, existem ciclos obrigatórios de até 15 anos – que superam amplamente os determinados nas leis anteriores – e também de ofertas universais, abarcando desde 45 dias de vida até os 17 anos de idade.
Por outro lado, na nova regulamentação, a efetivação do direito à educação implica ir além do acesso à escolaridade, garantindo que todas as crianças e adolescentes incorporem um amplo corpus de conhecimentos e habilidades. Isso se conecta à integração de um conjunto de disposições que buscam assegurar as condições para proporcionar uma educação de qualidade e que incluam medidas nas áreas de projetos de currículo, a formação docente, as medidas de aprendizagem, a inovação pedagógica, o clima institucional, a incorporação de novas tecnologias e a infraestrutura e equipamentos escolares.
Ao mesmo tempo, o corpus de conhecimentos e habilidades consideradas necessárias foi ampliado em resposta aos novos objetivos gerais de educação, introduzidos na renovação normativa. Estes novos propósitos – que apresentam exigências significativas em termos de desenvolvimento curricular – incluem a proteção ambiental e a educação em direitos humanos, bem como a promoção da não discriminação, da igualdade de gênero, dos direitos sexuais e reprodutivos e a cosmovisão dos povos indígenas.
Outro aspecto destacável das novas leis é a promoção da participação dos atores da escola e da sociedade civil, que tem o potencial democratizador dos sistemas educacionais. Por um lado, e mesmo com certas limitações em relação ao seu alcance, reconhece e promove o exercício do direito de estudantes, professores e famílias de fazer parte dos processos decisórios em nível institucional e de discussão sobre as políticas educacionais. Por outro lado, há uma tendência para a incorporação das organizações da sociedade civil em instâncias de debate, formulação e implementação de ações educacionais, que tradicionalmente eram de domínio exclusivo do Estado.
O compromisso dos países da região com o direito à educação foi ratificado em sua adesão à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, cujas metas visam a universalização de uma educação básica equitativa e de qualidade. Isso representa uma série de desafios. Por um lado, embora a tendência geral na América Latina seja de cobertura completa nos períodos da educação obrigatória, persistem déficits no acesso e na graduação, especialmente para as populações indígenas e afrodescendentes e para os setores de baixa renda. Por outro lado, as altas taxas de escolarização atingidas têm como revés as dívidas significativas em termos de aquisição de aprendizagens. De forma transversal em todos os países, uma alta proporção de estudantes não atinge os níveis mínimos de competências básicas (em leitura, escrita, matemática e ciências), tanto nas provas internacionais quanto em operações nacionais de avaliação. Finalmente, cabe destacar a necessidade de alcançar maiores avanços no reconhecimento da diversidade, especialmente através de uma abordagem educacional intercultural, bem como na implementação do ensino em áreas como a educação sexual e ambiental.
2. Referências Bibliográficas
Instituto Internacional de Planejamento Educacional [IIPE UNESCO] e Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação [CLADE] (2015). Las Leyes Generales de Educación en América Latina. El derecho como proyecto político. Campaña Latinoamericana por el Derecho a la Educación.
López, N. (2007). Las nuevas leyes de educación en América Latina: una lectura a la luz del panorama social de la región. IIPE UNESCO, Escritório para a América Latina e o Caribe, e Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação.
Contenido
- 1. Introdução
- 2. Estruturas normativas
- 3. Caracterização das políticas
- 3.1 Políticas de formação docente inicial
- 3.2 Políticas curriculares
- 3.3 Políticas de avaliação de qualidade
- 3.4 Políticas de infraestrutura, equipamentos e dotação tecnológica
- 3.5 Políticas socioeducativas e de transferência direta de renda e bens para as famílias
- 4. Panorama em dados
- 5. Tendências e desafios
- 6. Referências bibliográficas
- 7. Notas de rodapé
Autoria: Verona Batiuk e Carolina Meschengieser, sob a coordenação do IIPE UNESCO.
1. Introdução
Nas últimas décadas, os resultados de pesquisas de diversas disciplinas evidenciaram a relação positiva entre investir em serviços destinados à primeira infância para garantir seus direitos educacionais, promover o desenvolvimento integral, estabelecer as bases para um melhor desempenho educacional e social no futuro e contribuir para a redução da pobreza (Berlinski et al., 2009; Nores e Barnett, 2010; Shonkoff e Phillips, 2000; Yoshikawa e Kabay, 2015).
Com base nesses argumentos, os Estados da região avançaram na implementação de uma série de políticas educacionais e sociais voltadas para a primeira infância e suas famílias, que incluem a extensão dos serviços de educação e cuidados de maneira sustentada como parte dos compromissos assumidos ao assinar e ratificar a Convenção sobre os Direitos da Criança, que reconhece o direito à educação desde o nascimento. Um relatório recente do UNICEF observa que os países da região conseguiram aumentar o acesso à educação pré-primária na última década, com a taxa média bruta de matrícula nesse nível subindo de 67,1% em 2008 para 69,9% em 2012, e chegando a 75,7% em 2016 (UNICEF, 2020, p. 9).
Recentemente, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável plasmados na Resolução 70/1 "Transformar nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável". Na ocasião, os 193 Estados-membros se comprometeram com as metas estabelecidas, entre as quais foi definido que, até 2030, "todas as meninas e meninos tenham acesso a serviços de cuidados e desenvolvimento na primeira infância e a uma educação pré-escolar de qualidade, de modo que estejam preparados para a educação primária" (Assembleia Geral das Nações Unidas, 2015) no contexto do ODS 4.
Os serviços de educação e cuidados na primeira infância (ECPI) incluem o cuidado infantil, o pré-escolar, os programas de pré-primária e as primeiras séries do ensino fundamental, geralmente abrangendo a faixa etária entre 0 e 8 anos de idade. Neste documento, usaremos o termo primeira infância para nos referirmos à faixa etária que abarca desde o nascimento até a idade de ingresso no ensino fundamental (que, para a maioria dos países da região, é de 6 anos de idade). Esse corte baseia-se na definição do limite de entrada no ensino fundamental, precisamente sob a classificação da UNESCO CINE 0.
2. Estruturas normativas
Existem diversas estratégias para propiciar uma maior expansão da escolaridade. Nesse sentido, os Estados adotam diferentes medidas: promulgação de normativas (que, em muitos casos, incluem a escolaridade obrigatória em determinadas idades), incentivos financeiros, campanhas de sensibilização pública, entre outras.
Em termos normativos, nas últimas três décadas, quase todos os países da região promulgaram ou modificaram suas leis gerais de educação. Todas elas, sob diferentes denominações e desenhos institucionais, prescrevem as características da educação para crianças antes de iniciarem o ensino fundamental. Na Colômbia, no México (que recentemente a modificou em 2017), na Guatemala, no Panamá, na República Dominicana e no Brasil, essas leis foram promulgadas antes de 2000. No decorrer do novo milênio, Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Nicarágua, Peru, Uruguai e Venezuela seguiram na mesma direção.
Um aspecto comum da educação e do cuidado na primeira infância (ECPI) é a grande heterogeneidade de suas características institucionais e organizacionais e sua dependência. Uma grande proporção do ECPI corresponde à esfera da educação não formal e não depende das áreas educacionais, mas de outros espaços governamentais – desenvolvimento, saúde, trabalho – e não governamentais: igrejas, organizações comunitárias ou de gestão social. Em termos gerais, esses serviços se caracterizam pela qualidade inferior de suas ofertas e tendem a se concentrar em crianças, famílias e comunidades que vivem em condições de pobreza e em contextos geográficos desfavorecidos, sejam eles urbanos ou rurais (Rozengardt, 2020).
Na maioria dos países, as leis gerais de educação regulam tanto a educação formal, que depende dos sistemas educacionais, quanto a educação não formal. Na Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela, as leis estabelecem explicitamente que os sistemas educacionais devem coordenar, supervisionar, promover e gerar articulações com as ofertas não formais.
De acordo com a Classificação Internacional Normalizada da Educação (CINE, 2011) elaborado pela UNESCO (2013), os programas educacionais voltados para a primeira infância (CINE 0) são caracterizados por sua flexibilidade e abordagem holística. Seu objetivo é contribuir para o "desenvolvimento cognitivo, físico, social e emocional da criança e familiarizar as crianças pequenas com a instrução organizada fora do ambiente familiar". Esses programas, como mostra a Tabela 2, podem ser chamados de diferentes maneiras: educação e desenvolvimento da primeira infância, jardins de infância, educação pré-primária, pré-escolar ou inicial.
Dentro dos programas educacionais classificados como CINE 0, a UNESCO faz distinção entre aqueles voltados para o desenvolvimento da primeira infância (CINE 0 10) e a educação pré-primária (CINE 0 20). Os primeiros destinam-se a crianças de 0 a 2 anos, e os últimos a crianças de 3 anos até o início da educação primária.
Os programas no nível CINE 0 são oferecidos em ambientes institucionalizados (escolas, centros comunitários, creches) preparados para acomodar grupos de crianças, tanto do âmbito formal quanto não formal. Excluídas desse nível estão as iniciativas de educação informal (por mães, pais, familiares ou amigos) e os programas sem intenção educacional com foco em cuidados, nutrição e saúde das crianças.
Na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica e Uruguai, entre outros países, as crianças são incorporadas a esse primeiro nível do sistema educacional desde os primeiros meses de vida até seu ingresso na escola primária.
Com exceção de Cuba e do Chile, o último ano do nível inicial é obrigatório em todos os países da região da América Latina. No México, no Peru e na Venezuela, a escolaridade obrigatória começa aos 3 anos de idade.
Na Argentina, Bolívia, Brasil, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Panamá e Uruguai, aos 4 anos de idade. Na República Dominicana, Equador, Colômbia, Nicarágua, Honduras e Paraguai, aos 5.
Há uma tendência constante de estender o período obrigatório da educação para idades cada vez menores. A República Bolivariana da Venezuela foi pioneira em tornar obrigatória a educação de 5 anos de idade em 1980, enquanto a Argentina, Guatemala, Colômbia e Panamá tornaram a educação de 5 anos de idade obrigatória durante os primeiros cinco anos da década de 1990. El Salvador, República Dominicana, Paraguai e Uruguai, por outro lado, o fizeram no período de 1996 a 1998; Peru e México, entre 2003 e 2004; Nicarágua e Bolívia, antes do final da década de 2000. Costa Rica, Equador, Honduras e Brasil foram os últimos países da região a tornar obrigatório o último ano do nível inicial.
3. Caracterização das políticas
A política educacional na etapa da escolaridade obrigatória é composta pelo conjunto articulado, regulamentado e direcionado de investimentos, bens, serviços e transferências por parte dos Estados para garantir o direito à educação. Também contempla as decisões e a capacidade que elas demonstram para sustentar o sistema educacional e reduzir as lacunas de escolaridade entre os diferentes grupos sociais.
Esta seção enfoca cinco áreas da política educacional: a formação inicial de professores que se desempenham no nível inicial; a política curricular; as políticas de avaliação da qualidade dos serviços educacionais do nível inicial; as políticas de infraestrutura, conectividade e fornecimento de recursos tecnológicos; e, por fim, as políticas de inclusão, que incluem entre seus objetivos a promoção da escolaridade das crianças mais novas. Para cada um desses enfoques, é realizado um mapeamento – não exaustivo – de algumas iniciativas nos países da região.
3.1 Políticas de formação docente inicial
Em consonância com a importância que a educação infantil assumiu na agenda dos estados da região, as regulamentações que a regem e o compromisso de expandir a cobertura nesse nível, destaca-se a necessidade de contar com uma docência melhor formada.
Nesse contexto, deve-se observar que a literatura especializada reconhece que a docência ocupa um lugar privilegiado na política educacional para promover mais e melhores oportunidades educacionais para a infância (Valliant, 2018). Em particular, os educadores da primeira infância desempenham um papel categórico no acompanhamento das crianças pequenas para que elas possam alcançar um desenvolvimento integral pleno.
Embora o perfil dos responsáveis pelos serviços de ECPI seja tão heterogêneo quanto os serviços em que trabalham, nos últimos anos a maioria dos países da região promoveu reformas nos sistemas de formação da docência que se desempenha na educação inicial. Apesar dessa heterogeneidade, quase todos os países concentraram seus esforços com propósitos convergentes, como hierarquizar a formação inicial, integrando-a ao ensino superior, ou estender os anos de duração dos cursos de graduação.
A tabela a seguir apresenta uma caracterização das principais características que estruturam a formação inicial de docentes nos países da região1.
3.2 Políticas curriculares
Os compromissos assumidos pelos Estados da região com a expansão da educação infantil também se refletiram na política curricular. Até agora, no novo milênio, muitos países da região formularam regulamentações e documentos curriculares nacionais para a educação infantil2. Em muitos casos, esses documentos se referem à normativa internacional, especialmente à Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) e, nos casos em que é posterior à sua promulgação, aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), às metas estabelecidas para o cuidado e a educação da primeira infância.
A Tabela 4 apresenta uma seleção de casos que, além do destinatário do documento curricular, ressaltam a presença de referências explícitas aos ODS, a presença de brincadeiras no desenho curricular, dada sua relevância na educação infantil, e a consideração de programas educacionais não formais, dada sua importância relativa na oferta de educação infantil.
3.3 Políticas de avaliação de qualidade
Recentemente, com a expansão da educação inicial, a preocupação com a qualidade desses serviços ganhou força. Embora ainda não haja um consenso total sobre a definição de qualidade na educação infantil, a literatura identifica duas grandes dimensões: a qualidade estrutural e a qualidade dos processos. A dimensão da qualidade estrutural inclui aspectos como a proporção professor-aluno, o tamanho dos grupos (de acordo com a idade), as condições de infraestrutura, a disponibilidade e a pertinência dos materiais didáticos e o nível de formação dos professores e da equipe responsável pelo cuidado e pela educação das crianças. Quanto à qualidade dos processos, são considerados aspectos como o tipo e a frequência das interações entre adultos e crianças; a integração das famílias nos programas; a relevância cultural das propostas; e o tipo de experiências de aprendizagem promovidas.
Um trabalho recente desenvolvido no âmbito do SITEAL (Herrera Vegas, 2022) sistematizou os sistemas e mecanismos de garantia de qualidade no nível da educação infantil nos países da região. Dentro dessa estrutura, diferentes avaliações implementadas nos últimos anos foram identificadas como as primeiras ações desenvolvidas na América Latina para avaliar o estado da qualidade na educação infantil nas duas dimensões mencionadas acima. As avaliações utilizaram ferramentas de padrão internacional, que foram revisadas e adaptadas a cada um dos países. Três iniciativas foram destacadas. A primeira é a Early Childhood Environment Rating Scale, Revised edition (ECERS-R), que é a mais utilizada na região. É orientada para medir a qualidade estrutural e de processos dentro da sala de aula (abrange espaços e mobiliário; rotinas de cuidados; atividades; estrutura de programa; relações com a família e a equipe; interações; e linguagem e raciocínio). A segunda avaliação é a Medição da Qualidade e Resultados da Aprendizagem Precoce (MELQO), desenvolvida em conjunto pelo UNICEF e pelo BID, que possui dois módulos: MELE, que mede os ambientes educacionais em relação a sete âmbitos da qualidade: brincadeira, pedagogia, interações, ambiente, participação dos pais e da comunidade, equipe e inclusão; e MODEL, que inclui elementos como o desenvolvimento socioemocional, as habilidades matemáticas e de alfabetização precoces, além de certas características dos ambientes familiares e domésticos das crianças. Em terceiro lugar, é identificado o Sistema de Avaliação da Dinâmica da Sala de Aula (CLASS), cujos instrumentos medem exclusivamente variáveis de processo.
Por outro lado, vários países da região implementaram, com diferentes características e escopos, alguns mecanismos que contribuem para a garantia da qualidade, com base na definição de padrões ou critérios para autoavaliações, que permitem diagnósticos e processos de melhoria3.
Sem ser exaustiva, a Tabela 5 lista os países que desenvolveram algumas dessas iniciativas.
3.4 Políticas de infraestrutura, equipamentos e dotação tecnológica
A infraestrutura concentra uma grande proporção de recursos nos gastos com educação, que são destinados à manutenção, reparo e, em muitos casos, na construção ou ampliação de construções escolares. Isso pode ser particularmente relevante no contexto de expansão sustentada da cobertura da educação infantil na região. As iniciativas voltadas para equipar e fornecer recursos tecnológicos e de conectividade às escolas também são consideradas aqui.
A Tabela 6 apresenta uma seleção de políticas de infraestrutura e a alocação de recursos tecnológicos e conectividade em alguns países da região. Deve-se observar que, em termos gerais, essas são políticas transversais que não se concentram exclusivamente no nível inicial.
3.5 Políticas socioeducativas e de transferência direta de renda e bens para as famílias
Esta seção considera uma série de políticas que poderiam ser classificadas como inclusivas, destinadas a promover a escolarização dos setores mais desfavorecidos. Inclui políticas e programas de transferência de renda que foram ampliados nos últimos trinta anos na região, geralmente associados a condicionalidades que garantam a escolarização das crianças, e algumas políticas socioeducativas que, por meio da distribuição de determinados recursos – transporte, livros, serviços de alimentação –, tendem a garantir o direito à educação e a reduzir as lacunas de acesso.
4. Panorama em dados
Em meados da década de 2010, a taxa de frequência no último ano da educação infantil, antes da entrada na escola primária, oscilava entre 99,4% (Uruguai) e 82,5% (Honduras)4. Em seis países da região, essa taxa foi superior a 95% (Argentina, Chile, Costa Rica, México, Peru e Uruguai) e em dois, embora um pouco mais baixa, foi superior a 90% (Brasil e El Salvador). Em sete países, essa taxa ficou entre 82% e 88,9% (Bolívia, Colômbia, Equador, Honduras, Paraguai, República Dominicana e Panamá). Em outras palavras, em meados da segunda década do século XXI, a maioria dos países da região tinha altas taxas de escolaridade pelo menos no último ano do nível inicial.
Como pode ser visto no Gráfico 2, com exceção do Equador, a taxa de frequência de crianças no último ano antes de entrar na escola primária aumentou em toda a região entre 2010 e 2019. A Costa Rica é o país que apresentou o maior aumento, crescendo 22 pontos percentuais (pp.) no período considerado, seguida pela Bolívia, Paraguai e Honduras. Panamá, Brasil, Peru, Colômbia, El Salvador e Chile também apresentaram aumentos no período, refletindo os esforços contínuos da região para expandir a educação para as crianças mais novas. As taxas de frequência permaneceram estáveis no México e na República Dominicana, embora os níveis de escolaridade sejam mais desafiadores no último país. A Argentina, embora tenha apresentado uma redução de 1,2 pp, mostra oscilações de 1 ou 1,5 pp. para cima e para baixo durante o período, o que não constitui uma tendência. O Equador, por outro lado, mostra um declínio progressivo e sustentado ao longo da década, atingindo 6,6 pp. em 2019 em comparação com 2010.
Em termos de equidade, a região tem se caracterizado por lacunas no acesso para os menos favorecidos em termos de renda e entre os que vivem em áreas rurais. Em 2019, as taxas de frequência no último ano da educação pré-primária não diferem significativamente entre as crianças que vivem em lares de baixa renda. Embora essa diferença tenda a desaparecer nos países em que a frequência no último ano do nível inicial antes de ingressar na escola primária é mais ampla (como na Costa Rica, Uruguai, Peru ou México, países em que a frequência entre crianças de famílias de renda mais baixa e mais alta é inferior a 1 ponto percentual). Por outro lado, ela persiste nos países que ainda apresentam desafios nesse sentido. De fato, como pode ser visto no Gráfico 3, as crianças de famílias de baixa renda têm taxas de frequência mais baixas no último ano do nível inicial do que seus colegas de famílias mais abastadas na Bolívia (-7 pp.), Brasil (-5 pp.), Colômbia (-8,1 pp.), Honduras (-12,4 pp.), Panamá (-8 pp.), Paraguai (-16,3 pp.) e República Dominicana (-8 pp.).
A defasagem de frequência das crianças que residem em áreas rurais também tende a diminuir com a expansão do nível. Quase todos os países mostram aumentos na taxa de frequência no último ano anterior à entrada na escola primária em áreas rurais durante o período. Entretanto, essa desigualdade ainda persiste em alguns países, como Bolívia, Colômbia, Panamá, Paraguai e República Dominicana.
Por outro lado, a porcentagem de crianças matriculadas na educação pré-primária em instituições do setor privado6 (ver Gráfico 4) oferece uma visão da participação desse setor na escolarização das crianças mais jovens da região. Em cinco países (Argentina, Uruguai, Equador, Paraguai e Peru), cerca de um terço das matrículas na educação pré-primária está concentrado no setor privado, enquanto no Chile e na República Dominicana o peso relativo do setor privado é ainda maior, respondendo por mais da metade das matrículas desse grupo. Em sete países, a porcentagem de crianças matriculadas na educação pré-primária em instituições privadas varia entre 15 e 23% (Brasil, Colômbia, El Salvador, México, Panamá, Venezuela e Guatemala). Bolívia, Honduras e Costa Rica têm a menor participação do âmbito privado para a pré-primária, com menos de 14% das matrículas.
Em termos dos esforços financeiros feitos pelos estados da região para ampliar a cobertura e o acesso das crianças à educação, um relatório recente do SITEAL indica que, em 2017, a região alocou uma média de 18,5% do gasto público total para o setor educacional7. Em termos de investimento específico destinado em média para o nível inicial como porcentagem do gasto total com educação na região, apresenta um valor médio de cerca de 11%8. Os extremos variam de 5% (Bolívia) a cerca de 16% (Peru). O Equador é o país com a porcentagem mais alta, com 21% do total de gastos com educação destinados ao nível inicial. O Chile destina cerca de 11%, o Paraguai, 8%, seguido pela Colômbia e Costa Rica, com 6%.
5. Tendências e desafios
Este documento apresentou um breve panorama da educação infantil na América Latina, com foco em algumas de suas principais tendências.
Em termos gerais, há um compromisso por parte dos Estados da região com a extensão sustentada dos serviços de educação e cuidados da primeira infância. Esse compromisso decorre, por um lado, da crescente evidência da importância de favorecer o desenvolvimento integral precoce como base para um melhor desempenho educacional e social no futuro. Por outro lado, decorre da ratificação pelos países da Convenção sobre os Direitos da Criança, que reconhece o direito à educação desde o nascimento e, mais recentemente, da ratificação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, especificamente o ODS 4, que estabelece metas para a educação infantil.
O compromisso dos Estados da região se expressa tanto nas regulamentações que regem o nível inicial como parte dos sistemas educacionais quanto nas políticas socioeducativas e outras políticas públicas, como as políticas de transferência de renda – muito difundidas na América Latina – destinadas a reduzir as lacunas de matrícula escolar das crianças dos grupos sociais mais desfavorecidos.
Nas regulamentações educacionais da região, há uma tendência contínua de estender o período obrigatório da educação para idades cada vez mais precoces. As leis gerais de educação, que foram promulgadas ou reformadas em quase todos os países nas últimas três décadas, prescrevem – pelo menos – o caráter obrigatório do último ano do nível inicial, com exceção de Cuba e Chile, países onde, de qualquer forma, a educação infantil é universal.
Apesar da enorme heterogeneidade na forma como a ECPI é organizada na maioria dos países, as leis educacionais regulamentam tanto a educação formal quanto a não formal.
Nos últimos anos, a maioria dos países da região também promoveu reformas nos sistemas de formação da docência para a educação inicial. Embora o perfil dos responsáveis e os serviços de ECPI seja heterogêneo, quase todos os países concentraram seus esforços em hierarquizar a formação inicial docente, integrando-a ao ensino superior ou ampliando os anos de duração dos cursos universitários. No entanto, continua sendo um desafio garantir a qualidade da formação docente inicial e elaborar estratégias que tenham uma visão integrada do desenvolvimento profissional dos professores, incluindo suas oportunidades de formação contínua.
O crescente compromisso do Estado com a educação infantil na região também foi expresso no desenvolvimento de documentos e diretrizes curriculares nacionais desde 2000. Os mais recentes incorporam não apenas a perspectiva baseada em direitos da Convenção sobre os Direitos da Criança, mas também os compromissos assumidos nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 4). Os documentos e regulamentos curriculares raramente fazem referência a diretrizes para espaços de educação não formal, o que é um desafio pendente no contexto de um sistema de cuidado e educação no qual a oferta não formal é generalizada.
Outro desafio para o nível da educação infantil na região é fortalecer os acordos sobre as dimensões e os indicadores da qualidade da oferta educacional, bem como a extensão dos sistemas e mecanismos de garantia de qualidade. Nos últimos anos, a preocupação com a qualidade da educação infantil ganhou peso na região, e muitos países desenvolveram experiências de avaliação, definição de padrões e outros mecanismos de garantia de qualidade de diferentes escalas. Entretanto, a criação de mecanismos para garantir padrões de qualidade para a educação infantil continua sendo um desafio para a região.
O compromisso de ampliar a escolarização precoce também é evidente no fato de que – na metade da segunda década do século 21 – a maioria dos países da região possui altas taxas de escolaridade pelo menos no último ano do nível inicial. A taxa de frequência no último ano antes de entrar na escola primária aumentou em todos os países da região – exceto no Equador – entre 2010 e 2019.
No entanto, o desafio continua sendo garantir esse piso de escolaridade em sete países, onde a taxa de matrícula no último ano antes de entrar na escola primária varia de 82% a 88,9%.
Em termos de equidade, embora as lacunas entre os setores de renda mais baixa e entre os que vivem em áreas rurais tendam a desaparecer nos países em que a frequência no último ano do nível inicial é mais difundida, persistem em países que ainda apresentam desafios nesse sentido. De fato, as crianças de famílias de baixa renda apresentam taxas inferiores de frequência no último ano do nível inicial do que seus colegas de famílias mais abastadas no Paraguai (-16,3 pp.), Honduras (-12,4 pp.), Colômbia (-8,1 pp.), Panamá (-8 pp.), República Dominicana (-8 pp.), Bolívia (-7 pp.) e Brasil (-5 pp.).
A diferença de frequência de crianças residentes em áreas rurais também tende a diminuir com a expansão do nível e quase todos os países mostram aumentos na taxa de frequência no último ano antes de entrar na escola primária em áreas rurais durante o período. Entretanto, essa desigualdade ainda permanece em alguns países.
Em resumo, embora os avanços feitos em termos de inclusão, equidade e qualidade na educação infantil seja substancial na região, também está claro que há uma necessidade urgente de enfrentar esses desafios para garantir o desenvolvimento pleno e integral de cada criança.
6. Referências bibliográficas
Assembleia Geral das Nações Unidas (2015). Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, Resolução 70/1.
Batiuk, V. e Meschengieser, C. (2022). La formación inicial de profesores de primera infancia: los casos de Bolivia, Ecuador, Paraguay y Uruguay desde una mirada regional. Escritório do IIPE da UNESCO para a América Latina e o Caribe. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000383592
Berlinski, S., Galiani, S. e Gentler, P. (2009). The effect of pre-primary education on primary school performance, Journal of Public Economics, vol. 93, issue 1-2, p. 219-234. Disponível em: https://econpapers.repec.org/article/eeepubeco/v_3a93_3ay_3a2009_3ai_3a1-2_3ap_3a219-234.htm
Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação [CLADE], Organização Mundial para a Educação Pré-escolar [OMEP] e Fundação Educação e Cooperação [EDUCO] (2018). El Derecho a la Educación y al Cuidado en la Primera Infancia: perspectivas desde América Latina y el Caribe. https://redclade.org/wp-content/uploads/Derecho-a-la-Educacion-y-al-Cuidado-en-la-Primera-Infancia.pdf
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7. Notas de rodapé
[1] Deve-se observar que, embora fora dos propósitos deste artigo, um panorama mais completo da formação docente de educação inicial deveria incorporar as características do desenvolvimento profissional docente em cada país.
[2] Deve-se observar que, em países com sistemas educacionais federais, como é o caso da Argentina, as diretrizes nacionais são produto de consensos federais, que estabelecem orientações para a formulação de estruturas curriculares em nível subnacional.
[3] Herrera Vegas (2022) conceitua as diferentes iniciativas como Mecanismos de Garantia da Qualidade ("MGQ") na educação infantil, englobando aquelas que introduzem padrões, processos de melhoria contínua e prestação de contas (ou uma combinação destes). Identifica 12 MGQ na região, de acordo com a lógica que os organiza: a lógica da prestação de contas ou accountability (Colômbia, Chile, México, Cuba, Uruguai e Panamá), abordagens de melhoria contínua ou improvement (Brasil, Peru, Equador e Costa Rica)¸ lógicas que combinam a prestação de contas com a melhoria contínua (Argentina e República Dominicana).
[4] Não há informações atualizadas disponíveis para Venezuela, Nicarágua e Guatemala. De acordo com as últimas informações disponíveis, a taxa de frequência no último ano antes de entrar na escola primária foi de 93,3% na Venezuela (2011), 74,1% na Nicarágua (2014) e 52,7% na Guatemala (2014). Não há informações disponíveis sobre esse indicador para Cuba.
[5] Decidiu-se não incluir os dados de 2020 na análise porque, dado o impacto associado à pandemia de covid-19, é necessário um estudo específico para analisar os dados no contexto das diferentes estratégias implementadas em cada país para manter as crianças na escola.
[6] Inclui todas as instituições educacionais que não são administradas por uma autoridade pública, independentemente de receberem apoio financeiro de tais autoridades.
[7] https://siteal.iiep.unesco.org/eje/financiamiento.
[8] Os valores analisados para esse indicador foram extraídos do banco de dados CIMA BID, cujo dado mais recente disponível corresponde a 2017.
Autoria: Jorge Gorostiaga, sob a coordenação do IIPE UNESCO.
1. Contexto da educação primária
2. Introdução
Historicamente, a educação primária foi concebida como o nível de instrução comum para toda a população, na América Latina e em nível global. A educação primária fornece um conjunto de conhecimentos e habilidades que, centrados nos fundamentos da leitura, da escrita e da matemática, bem como nas noções básicas das ciências sociais e naturais, tem fortes implicações em termos individuais e sociais. Na América Latina, a educação primária tem desempenhado um papel fundamental na promoção do bem-estar pessoal, da coesão social, do desenvolvimento econômico e da convivência democrática, em um contexto de alta e persistente desigualdade social, desde a origem dos sistemas educacionais até o final do século 19. A forte expansão deste nível – que ocorreu de formas muito diversas nos diferentes países da região durante o século 20 – mostra a inclusão universal progressiva das crianças na escolarização, mas também revela as diferentes formas de exclusão que persistem até os dias de hoje.
Os objetivos tradicionais da educação primária incluem o desenvolvimento pessoal e social, a formação cidadã e a preparação para o nível médio ou secundário. Além disso, atualmente este nível educacional tem como desafio responder a novas demandas produzidas tanto pelo papel que a educação formal está desempenhando em um contexto de mudança social acelerada quanto por desenvolvimentos conceituais que ampliam ou renovam a noção do direito à educação.
Este relatório apresenta uma síntese sobre a situação do nível primário na América Latina. O objetivo é dar uma visão geral do conjunto de 19 países considerados, fornecendo alguns dados desagregados por país e ilustrando as tendências regionais com alguns exemplos que nos permitem apreciar a variedade e heterogeneidade dos sistemas educacionais. As principais fontes utilizadas são bancos de dados e os documentos do Sistema de Informação de Tendências Educacionais na América Latina (SITEAL), os sites dos ministérios da educação nacionais e os relatórios publicados pela UNESCO que sistematizam diferentes aspectos dos sistemas educacionais da região. As seções a seguir apresentam os seguintes enfoques:
- o marco regulatório e institucional do nível (seção 2);
- as principais características das políticas para o nível (seção 3);
- uma seleção de indicadores mostrando os resultados do nível em termos de cobertura, trajetórias e resultados de aprendizagem (seção 4); e
- os desafios enfrentados pela educação primária na região (seção 5).
3. Marco regulatório e institucional para a educação primária
Um dos componentes principais do direito à educação é o dever dos Estados de garantir a educação primária gratuita e obrigatória para toda a população, princípio estabelecido no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e ratificado em compromissos e declarações posteriores, como a Declaração dos Direitos da Criança de 1959 e a Declaração Mundial sobre Educação para Todos de 1990. Mais recentemente (setembro de 2015), os 193 Estados-membros das Nações Unidas aprovaram por unanimidade os 17 objetivos que constituem a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. O nível primário está contemplado no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4): "assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida". As metas para este objetivo determinam que os Estados devem "garantir que todas crianças completem o ensino primário e secundário gratuito, equitativo e de qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes" e "garantir que todas as crianças adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, incluindo a educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável".
A fim de acordar critérios para a implementação da Agenda 2030 na região, os Ministros da Educação da América Latina e do Caribe assinaram a Declaração de Buenos Aires em 2017. No documento, expressam que: "Cientes de que o maior desafio para o progresso socioeconômico na região é a desigualdade, acreditamos que o princípio orientador da agenda educacional para 2030 deve ser o de zelar para que todas as crianças concluam os ciclos do ensino primário e secundário, o qual deve ser gratuito, equitativo e de qualidade e produzir resultados escolares pertinentes e eficazes”. Além disso, também se comprometeram a promover currículos e práticas que impulsionem "habilidades do século 21" e programas educacionais para o desenvolvimento sustentável e a cidadania global, com uma perspectiva participativa, multicultural e inclusiva.
De acordo com o sistema de Classificação Internacional Normalizada da Educação (ISCED pela sua sigla em inglês, CITE ou CINE por sua sigla em português e no Brasil, respectivamente), elaborado pela UNESCO, os programas educacionais do nível primário (CINE 1) são destinados a proporcionar habilidades básicas em leitura, escrita e matemática, e para definir a base para a aprendizagem e a compreensão das áreas essenciais do conhecimento e do desenvolvimento pessoal e social como preparação para o primeiro nível da educação secundária. Estes programas educacionais são de baixa especialização, onde, geralmente, um professor é responsável por um grupo de estudantes. As atividades educacionais normalmente são organizadas por unidades, projetos ou áreas de aprendizagem.
A estrutura institucional da educação primária é definida pelas regulamentações de cada país. O nível primário é o segundo nível educacional dos sistemas nacionais de educação. É obrigatório em todos os países da região e seu único requisito de admissão é cumprir com a idade inicial correspondente. A idade de referência para este nível varia, dependendo do país, entre 6 e 7 ou 10, 11 ou 12 anos de idade, sendo majoritária a variante de 6 a 11 anos (ver Tabela 1). Observa-se que, em vários países, o primeiro nível da primária e da secundária são agrupados sob uma mesma designação (tipicamente utilizando a categoria "educação básica"). Para esses casos, a coluna de denominação da Tabela 1 indica entre parênteses os ciclos que, de acordo com a nomenclatura oficial de cada país, constituem estritamente o nível primário, aplicando os critérios do sistema CINE da UNESCO.
Como pode ser visto na Tabela 1, juntamente com uma modalidade comum ou regular, a educação primária é geralmente oferecida nas modalidades especial (para pessoas com deficiências), rural, hospitalar, em contextos de privação de liberdade, intercultural e outras. Da mesma forma, todos os sistemas incluem uma oferta de educação primária para jovens e adultos, seja como modalidade própria ou através de programas específicos.
Por outro lado, quase todos os países têm leis ou atualizações normativas promulgadas durante os últimos 20 anos que regulamentam os principais aspectos do nível. Estas regulamentações têm um papel fundamental na definição do direito à educação primária em cada país e dos objetivos gerais da educação. Progressivamente, as leis ampliaram as obrigações do Estado de respeitar, proteger e fazer efetivo o direito à educação (IIPE UNESCO e CLADE, 2015). Os objetivos comuns das diferentes leis incluem o pleno desenvolvimento dos indivíduos e a promoção de uma consciência crítica, bem como o fomento da consolidação da identidade nacional, da proteção ambiental, dos valores democráticos e dos direitos humanos. As legislações mais recentes incluem objetivos como a promoção da não discriminação, da igualdade de gênero, dos direitos sexuais e reprodutivos e a cosmovisão dos povos indígenas. Em termos de laicidade, alguns regulamentos permitem o ensino da religião nas escolas públicas, enquanto outros estabelecem um sistema educacional estatal estritamente laico. Este último é o caso da Argentina, Cuba, Equador, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Venezuela e Uruguai.
A governança da educação primária assume formas que podem ser mais ou menos descentralizadas, bem como ter modelos de articulação particulares entre os diferentes níveis de governo, dependendo da organização política de cada país (federal ou unitária) e de outros fatores históricos e institucionais. A Tabela 2 mostra em que nível se concentra a principal responsabilidade pela regulamentação e administração das escolas primárias, considerando que, na maioria dos casos, as funções do governo estão distribuídas em mais de um nível (por exemplo, os mecanismos nacionais de definição curricular, avaliação e financiamento são comuns mesmo em países com uma administração mais descentralizada).
Outro elemento fundamental na estrutura institucional da educação primária é a sua oferta através do setor privado, determinada em grande parte pelo papel (principal ou subsidiário) que a regulamentação atribui ao Estado. Como em outras dimensões da educação primária, a realidade da região é muito heterogênea. Enquanto Cuba é o único país que não permite a existência de escolas particulares ou independentes, o resto dos países apresentava em 2018 valores que iam de 7% (México) a 52% (Chile). De modo geral, é possível afirmar que o setor privado tem uma participação significativa e crescente; a média de matrículas nas escolas primárias de gestão privada para os países considerados no Gráfico 1 aumentou em dois pontos entre 2010 e 2018.
4. Características das políticas de educação primária na região
As políticas para o nível primário implementadas nos países da região contemplam diferentes objetivos e abarcam distintas dimensões. A seguir, destacamos algumas delas, em particular as relacionadas com os ODS 4 e suas metas. Muitas dessas políticas não são exclusivas do nível (algumas delas são para toda a educação básica), mas têm um impacto importante sobre ele. As políticas não serão apresentadas de forma exaustiva, mas, sim, com a pretensão de ilustrar as ações implementadas a partir delas em cada uma das dimensões apresentadas.
Uma tendência que vem sendo observada há vários anos é a de garantir um número mínimo de dias letivos e o aumento do tempo real de aulas por dia. Essas políticas buscam aumentar as oportunidades para adquirir conhecimentos básicos e, ao mesmo tempo, gerar a possibilidade de uma oferta mais integral, que inclua artes e esportes. As escolas de tempo integral no Uruguai (desde 1996) e a jornada escolar integral no Chile (desde 1997) são dois dos principais antecedentes que, por sua vez, ilustram as duas variantes mais relevantes relacionadas à extensão da jornada escolar: a primeira com foco nas escolas que atendem famílias de baixa renda; a segunda, com cobertura universal. Esta dimensão também inclui o caso da Argentina, onde a Lei No 25.864/2004 estabeleceu um mínimo de 180 dias letivos, ao mesmo tempo que foram feitos esforços para garantir que todas as escolas ofereçam uma jornada mais longa que as quatro horas tradicionais, em vários casos privilegiando as escolas mais desfavorecidas, tanto em nível nacional como através de iniciativas provinciais. No Brasil, por sua vez, "implementar e ampliar a educação em tempo integral" é um dos objetivos do atual plano nacional de educação. Existiram políticas como a das escolas primárias no estado de São Paulo, que estende o dia escolar entre 6 e 9 horas diárias. A implementação da jornada escolar única na Colômbia, o sistema integrado de escolas inclusivas de tempo integral em El Salvador, o programa Escolas em Tempo Integral no México e a jornada escolar prolongada no Paraguai – assim como outras iniciativas nesse sentido na República Dominicana, em Honduras e no Peru – ampliaram progressivamente o número de instituições em que os estudantes das escolas primárias recebem mais horas de aula.
Um segundo campo de atuação estatal no nível primário da região é o das políticas socioeducativas. Embora a universalização da escola primária tenha sido praticamente alcançada em quase todos os países (ver dados na seção 4), uma parte significativa das ações governamentais visa promover a inclusão e a permanência no sistema educacional de estudantes em situações de vulnerabilidade. Entre elas, consideramos em primeiro lugar aquelas ligadas ao fortalecimento das condições de vida através da transferência de bens e renda. A grande maioria dos países da região contam com programas de transferência condicionada, que fornecem auxílios às famílias de baixa renda na condição de que seus filhos se matriculem e permaneçam na escola. Alguns exemplos incluem o Auxílio Universal por Filho na Argentina; o Benefício Juancito Pinto na Bolívia; o Bolsa Família no Brasil; o Prospera no México; e os Benefícios para a Proteção Social na Venezuela. Estes programas, que fizeram aumentar os anos de escolaridade dos setores socialmente mais vulneráveis, apresentam a cobertura mais alta em porcentagem da população na: Bolívia (51%), onde um dos critérios para beneficiários, além do fator pobreza, são pessoas que vivem com deficiência; República Dominicana (33%), onde é exigida uma taxa de presença de pelo menos 80% nas séries da educação primária; e Honduras (17,5%). Ao mesmo tempo, os sistemas educacionais geralmente fornecem serviços de alimentação e transporte e, em vários casos, bolsas para uniformes e material escolar. Os países que se destacam em termos de bolsistas no nível primário são Bolívia (88%), Uruguai (39%), Brasil (38%), República Dominicana (34%), Guatemala (32%) e Equador (26%) (de acordo com os dados do SITEAL para 2014-2018). Algumas ações nesta linha focalizam a concessão de bolsas de estudo para estudantes com deficiência (Guatemala) e indígenas (Bolsa Indígena no Chile), ou a implementação de transporte e outros apoios em áreas rurais (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação, FNDE, no Brasil).
Por outro lado, as políticas socioeducativas também incluem iniciativas para acompanhar as trajetórias educacionais e facilitar a permanência e a conclusão dos estudos primários. Algumas iniciativas destacadas nesta área são a Estratégia para a Ampliação da Cobertura na Educação Pré-primária e Primária (Guatemala); a Estratégia Nacional para a Educação Inclusiva (México), através de uma abordagem intersetorial com diferentes componentes; o Benefício Escolar Preferencial do Chile, que fornece recursos adicionais significativos às escolas que atendem os estudantes mais pobres; e uma alocação adicional anual por estudante nas escolas rurais (FNDE, Brasil). Nesta linha, também se destacam projetos de participação comunitária como o programa nacional Educação Solidária ou o Programa Nacional de Orquestras e Coros Infantis (ambos na Argentina); o Programa Hondurenho de Educação Comunitária (PROHECO), que implementa uma oferta educacional de base comunitária em áreas geográficas de difícil acesso e alta concentração de população socialmente vulnerável; e atividades que vinculam as escolas à comunidade local através do programa estratégico Resultados de Aprendizagem (Peru), que contempla escolas em contextos de vulnerabilidade social ou com baixos resultados de aprendizagem.
Um terceiro grupo de políticas é o das relacionadas à melhoria da aprendizagem. Consistem em intervenções que buscam oferecer melhores oportunidades de aprendizagem para crianças, incluindo programas voltados para estudantes ou escolas que tenham obtido resultados insuficientes nas provas de aprendizagem. Em quase todos os países da região, essas políticas constam em um lugar de destaque na agenda educacional, seja como planos integrais ou como programas que abordam uma ou mais dimensões em particular. Um exemplo de um plano integral é o programa Aprender ao Máximo, do Panamá, que, através de uma metodologia ativa de aprendizagem, busca fortalecer as competências lógico-matemáticas, a compreensão de texto e a pesquisa científica. O programa põe ênfase no desenvolvimento de habilidades socioemocionais, tendo o uso de tecnologias da informação e comunicação, a capacitação docente e a avaliação da aprendizagem como componentes centrais.
No caso das políticas de apoio pedagógico focalizado, as ações são muito variadas e, geralmente, articuladas com algumas das políticas socioeducativas. Estão incorporadas em iniciativas como o “Todos a Aprender” (Colômbia), um programa que busca melhorar a aprendizagem de línguas e matemática nas escolas que apresentam desempenho insuficiente; o plano nacional Aprender a Tempo (Equador), que visa reforçar o ensino em competências comunicacionais e em matemática, e o acompanhamento individualizado por um pedagogo para estudantes com baixo nível de aprendizagem; a Estratégia Nacional de Educação Inclusiva (México), através de uma série de ações destinadas a garantir a aprendizagem e a conclusão dos estudos; e o programa estratégico Resultados de Aprendizagem (Peru), que articula uma proposta pedagógica para escolas em contextos de vulnerabilidade social ou com baixos resultados de aprendizagem. Nestas três políticas, o aprimoramento ou desenvolvimento profissional docente é um dos principais componentes, complementado, dependendo do caso, por ações como o acompanhamento do trabalho docente em forma de tutorias, a construção de ambientes de aprendizagem que promovam um papel ativo para os estudantes e atividades que vinculem a escola à comunidade local. Outra política de apoio pedagógico focalizado que serve de exemplo é a do programa Professores Comunitários (Uruguai), destinado aos setores de baixa renda; o professor comunitário trabalha com crianças com dificuldades em seu desempenho escolar, complementando as tarefas do professor em sala de aula e, ao mesmo tempo, articula com as famílias uma proposta de alfabetização domiciliar.
Uma das principais estratégias implementadas em muitos países para melhorar a aprendizagem é o fortalecimento da formação docente inicial e continuada (Calvo, 2019; Vezub, 2019). As tendências recentes de políticas relativas à formação inicial incluem a geração de orientações curriculares e regulamentações nacionais para garantir a qualidade da oferta; a incorporação de práticas ao longo de todo o período de formação, em diversidade de contextos e com níveis crescentes de complexidade de acordo com o avanço do processo formativo; e a formação de docentes em pesquisa e inovação pedagógica. Com relação à formação continuada, as tendências incluem a formulação de diretrizes e marcos regulatórios nacionais; a criação de centros regionais que fornecem apoio direto às instituições e que constituem espaços para recursos multimídia; programas baseados na aprendizagem colaborativa e na estratégia de acompanhamento pedagógico por pares ou mentores. Por outro lado, os parâmetros para um bom ensino – que buscam estabelecer o que um professor deve saber e saber fazer – também começaram a desempenhar um papel importante na definição de conteúdos e estratégias para a formação inicial e continuada, bem como para a regulamentação da área docente de forma geral. Alguns dos países nos quais as políticas recentes de formação docente desempenharam um forte protagonismo incluem Cuba, com a Terceira Melhoria do Sistema Educacional; Bolívia, com seu Programa de Formação Complementar para Professores em Exercício; e Paraguai, com o Programa de Capacitação de Educadores para a Melhoria da Aprendizagem.
Uma quarta categoria remete às políticas de infraestrutura, equipamentos e fornecimento de tecnologia. Neste âmbito, uma tendência na região é priorizar os grupos tradicionalmente mais desfavorecidos, razão pela qual estas políticas também são integradas ou articuladas, em muitos casos, com as políticas socioeducativas. No Brasil, por exemplo, o Plano de Ações Articuladas (PAR) proporciona financiamento federal em articulação com ações dos estados e municípios para melhorar a infraestrutura e os equipamentos escolares. Algumas das políticas se concentram nas áreas rurais, como o Plano Especial de Educação Rural, da Colômbia, que inclui componentes como a construção de salas de aula e a implementação da educação primária a distância, e o já mencionado Programa Hondurenho de Educação Comunitária (PROHECO), que busca aumentar a oferta escolar em zonas de difícil acesso. Outros países também possuem programas para melhorar a infraestrutura e fornecer recursos adicionais para as escolas rurais (Argentina, Guatemala e Nicarágua) ou para escolas rurais e urbanas em contextos de pobreza (México e Paraguai).
Outras ações incluem equipamentos, por exemplo, para salas de aula em hospitais ou centros penitenciários, como na Bolívia, com o programa Centros de Apoio Integral Pedagógico (CAIP), ou a distribuição de livros didáticos e bibliotecas, como no Paraguai, através do Plano Nacional de Leitura.
Outra política muito aplicada tem sido a incorporação das tecnologias da informação e comunicação como ferramenta para enriquecer e tornar os processos pedagógicos mais eficazes (Ithurburu, 2019; Lion, 2019). Os países da região concentraram suas políticas especialmente na redução das desigualdades no acesso às tecnologias entre os estudantes e as escolas. Em alguns casos, o maior esforço foi colocado na infraestrutura para a cobertura de conectividade (por exemplo, no Paraguai); em outros casos, na melhoria da cobertura junto à formação docente (por exemplo, na Argentina, na Costa Rica e no Chile); e, em menor ocorrência, na expansão da cobertura junto à formação docente e à transformação das práticas escolares (por exemplo, na Colômbia e no Uruguai). Os programas dos diferentes países também se concentraram no desenvolvimento de portais educacionais e em propostas de redes escolares e projetos educacionais colaborativos entre escolas. O Plano Ceibal, do Uruguai, se destaca como a política mais consolidada nesta área, tendo conseguido acesso a computadores portáteis pessoais, internet, conteúdos digitais e apoio para seu uso pedagógico para todos os estudantes e professores da educação pública primária. Outros exemplos de iniciativas em andamento nesse sentido são o programa nacional Tecno@prender (Costa Rica), a Política Integral para a Melhoria da Informatização (Cuba) e o Plano Conectividade para a Educação 2030 (Chile).
Por último, um capítulo importante no panorama das políticas educacionais recentes da região é o das políticas curriculares e a promoção de modelos educacionais flexíveis. A renovação curricular tem sido um componente central de alguns programas de melhoria pedagógica, como na República Dominicana e no Panamá (programa Aprenda ao Máximo). Ao mesmo tempo, é notável que durante a última década, um número significativo de países adotou ou aprofundou conteúdos de educação sexual no nível primário, em geral, seguindo a noção de sexualidade integral e a perspectiva dos direitos sexuais e reprodutivos (Báez e González del Cerro, 2015; Vargas e Bravo, 2021). O Programa Nacional de Educação Sexual Integral da Argentina e o Programa de Educação Sexual do Uruguai são dois dos exemplos mais destacados desta tendência.
Por outro lado, os modelos educacionais flexíveis ou alternativos são promovidos em relação a diferentes contextos educacionais. Alguns desses modelos visam garantir a escolarização para filhos de pessoas privadas de liberdade ou crianças hospitalizadas, como é o caso do programa Centros de Apoio Pedagógico Integral da Bolívia, e o Programa de Salas de Aula Hospitalares do Paraguai; ou para migrantes e refugiados, como o projeto Inclusão educacional para crianças e adolescentes em situação de migração do México, e ações similares em países da América Central. A Colômbia, por sua vez, também apresenta ações específicas de modelos escolares flexíveis, entre os quais se destaca o programa Escola Nova, reconhecido internacionalmente por suas realizações.
Também dentro desta categoria, incluímos as políticas de reconhecimento ou de atenção à diversidade. Uma educação universal e inclusiva implica fazer efetivo o princípio de não discriminação por razões de gênero, identidade sexual, origem étnica ou deficiência, mas também demanda a valorização das diferenças. Neste sentido, houve avanços recentes importantes em termos de garantir o reconhecimento e o respeito aos direitos de grupos específicos no âmbito geral dos sistemas educacionais da região e no nível primário em particular, como o de pessoas com deficiências e pessoas sexualmente diversas, através do desenvolvimento de currículos que celebram as diferenças e combatem os estereótipos, de uma formação docente com uma abordagem inclusiva e de programas específicos de sensibilização entre os estudantes (UNESCO, 2020). Vale destacar a profunda renovação legislativa e de programas relacionados à educação de pessoas com deficiência (em países como Argentina, Costa Rica, Guatemala e Paraguai) em prol da inclusão de salas de aula comuns com base no enfoque social da deficiência, propondo importantes transformações em termos de desenvolvimento curricular, materiais didáticos, infraestrutura escolar e formação docente. Entretanto, os maiores avanços e a maior quantidade de iniciativas nos países da região foram nas modalidades de etnoeducação, educação indígena e intercultural ou multicultural. Estas políticas não são novas, mas ganharam um impulso significativo na última década (OREALC/UNESCO Santiago, 2019; UNESCO, 2020). Os programas de educação intercultural bilíngue ou multilíngue estão amplamente difundidos nos países da região, e às vezes são implementados através de uma estreita colaboração com organizadores da sociedade civil e comunitárias. Esses programas concentraram suas ações no desenvolvimento de currículos diferenciados que respondem aos saberes e às culturas indígenas e afro-americanas, na produção de livros e materiais didáticos em línguas indígenas e na formação docente para os modelos de educação intercultural ou indígena. Em diferentes casos, as políticas têm enfatizado a preservação e a difusão das línguas indígenas (Bolívia, Guatemala, Peru), a implementação de formatos escolares alternativos, incorporando elementos das culturas indígenas (Equador, Colômbia, Paraguai), ou a organização de encontros entre estudantes pertencentes a diferentes povos indígenas e comunidades afrodescendentes para a troca de experiências e conhecimentos (Encontro Nacional Tinkuy Escolar, Peru). A criação e a hierarquização de instituições específicas tem sido outro aspecto importante em alguns países, como no Equador, onde os Centros de Educação Comunitária Intercultural Bilíngue articulam a ação educacional com iniciativas de desenvolvimento produtivo e cultural; ou na Bolívia, onde os Conselhos Educacionais dos Povos Indígenas e o Instituto Plurinacional de Línguas e Culturas têm um forte protagonismo na regionalização do currículo. A Bolívia é um dos países que tem mais avançado em termos de perspectiva intercultural, que abarca todo o sistema educacional e não se limita às escolas de populações indígenas ou afrodescendentes.
Para concluir, vale mencionar que a situação da pandemia de covid-19 desencadeou durante 2020 e 2021 uma série de políticas para o sistema educacional em geral e para o nível primário em particular nos países da região. Uma primeira tendência foi a implementação de propostas de educação a distância, como consequência da suspensão das atividades presenciais nas escolas. Isto foi feito através do uso de uma variedade de formatos e plataformas, incluindo televisão, rádio, plataformas virtuais e entrega de materiais impressos. Em vários casos, esses recursos foram acompanhados de propostas de priorização curricular, que identificaram um conjunto de aprendizagens essenciais nas diferentes disciplinas. Outra tendência política que surgiu com o retorno à educação presencial são os programas destinados à reinserção e à recuperação ou nivelamento da aprendizagem para estudantes que se desvincularam do processo educacional ou que tiveram menores resultados de aprendizagem como consequência da pandemia. Os programas Acompanhar, pontes de Igualdade (Argentina) e Aprendizagem Acelerada (Panamá) são alguns exemplos desta segunda tendência.
5. Indicadores e panorama regional da educação primária
Esta seção apresenta alguns dados que fornecem uma visão geral dos resultados da educação primária na região. Em primeiro lugar, são destacados indicadores de cobertura, distorção idade-série e conclusão do nível. Em segundo lugar, estão os resultados das provas do Estudo Regional Comparativo e Explicativo (Erce), que contemplam os níveis de aprendizagem na terceira e sexta séries (segundo a CINE). A interpretação desses dados não deve ignorar a realidade de um contexto social de alta desigualdade e aumento dos níveis de pobreza desde 2016 (CEPAL, 2021).
Para abordar a questão da cobertura, ou seja, em que medida as políticas alcançam a inclusão das crianças na escola primária, uma medida relevante é a taxa líquida de frequência, que expressa a relação entre o número total de crianças na faixa etária oficial do nível primário que frequentam a educação primária ou em níveis superiores, e a população total da mesma faixa etária. De acordo com os dados disponíveis, a maioria dos países atingiu cerca de 95% de taxa líquida de matrículas até 2010 e manteve valores semelhantes até 2018. Em geral, a região apresenta uma cobertura muito alta, embora alguns países ainda pareçam ter dificuldades em garantir a escola primária para todas as crianças.
O indicador da porcentagem de estudantes com dois ou mais anos acima da idade prevista na educação primária expressa o nível de atraso escolar. Esse dado revela em que medida as trajetórias reais se distanciam das previstas; ao mesmo tempo, pode ser um indicativo de abandono escolar. Este fenômeno se deve à entrada tardia (com idade mais elevada que a de início prevista) ou à repetência. Historicamente, a América Latina apresenta altos níveis de repetência, uma tendência que tem diminuído nas últimas décadas. A evolução do indicador entre 2010 e 2018 corrobora esse avanço geral na diminuição da distorção idade-série na escola primária. No entanto, um grupo de países ainda exibe valores elevados.
A taxa de conclusão é um indicador-chave para verificar se as altas taxas de cobertura não são compensadas pelo abandono escolar. É a relação entre o número de graduados da educação primária; os que têm três a cinco anos acima da idade de entrada prevista no último ano do nível; e a população total dessa faixa etária. Ao escolher uma faixa etária ligeiramente mais velha do que a idade prevista para completar cada nível educacional, o indicador mede quantas crianças entram na escola mais ou menos a tempo e avançam através do sistema educacional sem atrasos excessivos. A maioria dos países apresenta valores altos, mas, como nos indicadores anteriores, um grupo reduzido (República Dominicana, El Salvador e Paraguai) se situa aquém da média regional. No entanto, houve um avanço generalizado entre 2010 e 2018. A participação média das mulheres na região é levemente superior à média geral em todos os países, exceto no caso do Equador, onde são iguais. Por outro lado, a porcentagem de conclusão diminui para as famílias mais pobres na maioria dos países, revelando processos de exclusão ainda vigentes.
Os resultados do Terce e do Erce 2019, a terceira e quarta versões do Estudo Regional Comparativo e Explicativo conduzido pelo Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação (LLECE), brindam uma percepção sobre o nível de aprendizagem na região. Este estudo foi aplicado em 15 países em 2013 e em 16, em 2019. Além das variações entre os países, uma conclusão geral do Erce 2019 é que os baixos níveis de resultados persistem na região e que, em média, não houve em nenhum um avanço significativo desde 2013. Poucos países registraram avanços mais substanciais. Em média, nos 16 países participantes, 40% dos estudantes da terceira série da primária e 60% da sexta série (segundo a CINE) não atingem o nível mínimo de competências básicas em leitura e matemática. A cifra sobe para 80% em relação às competências em ciências.
Em termos de gênero, não há diferenças de grande magnitude; as meninas tendem a apresentar um melhor desempenho que os meninos em leitura e ciências, e o contrário acontece, embora para menos países, em matemática. Os estudantes de povos indígenas mostram notas sistematicamente mais baixas em relação a estudantes não indígenas, mesmo quando a comparação se dá entre estudantes de igual status socioeconômico. Por fim, os resultados mostram a persistência na região da alta associação entre os resultados educacionais e o nível socioeconômico, tanto dos estudantes quanto de suas escolas. Neste sentido, um dado significativo revela que entre 40% e 50% das diferenças de aprendizagem entre os estudantes dependem da escola, e que o nível socioeconômico da escola é mais importante para explicar a aprendizagem do que o nível socioeconômico individual dos estudantes. Isso se explica por uma distribuição socioeconômica homogênea dos estudantes nas escolas, refletindo os processos de segregação social próprios da região (OREALC/UNESCO Santiago, 2021).
A Tabela 9 apresenta dados para a sexta série (segundo a CINE) – que, na maioria dos países, é a que finaliza a escola primária –, comparando os resultados de 2013 e 2019 nas três áreas avaliadas: leitura, matemática e ciências. No Erce 2019, quase 70% dos estudantes não atingiram o nível mínimo em leitura e matemática, com uma melhora na média em relação a 2013, enquanto a média em ciências se manteve ainda mais alta, mas com vários países retrocedendo em uma área ou mais, e muito poucos países alcançaram uma melhora notável nas três disciplinas.
6. Tendências e desafios
Os países da região têm mantido – através da adesão a acordos internacionais e da promulgação de regulamentações próprias – um compromisso de longa data com o direito à educação primária, renovado na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e na Declaração de Buenos Aires de 2017. Ao mesmo tempo, as legislações nacionais nos últimos anos preveem um aumento progressivo das obrigações dos Estados para garantir a escolarização primária, bem como a incorporação de demandas ligadas à educação inclusiva e à sustentabilidade. Com diferenças nos modelos de governo e administração, e uma presença variável, mas significativa, de escolas de gestão privada, a região mostra o protagonismo do Estado na regulamentação e provisão da educação primária.
As políticas implementadas cobrem uma ampla variedade de propósitos e incluem diversos componentes, de acordo com as metas do ODS 4 da Agenda 2030, que demanda garantir uma educação primária "gratuita, equitativa e de qualidade" que produza "resultados de aprendizagem pertinentes e eficazes". Como mostrado na seção 3, as principais iniciativas de políticas visam: ampliar a jornada escolar; distribuir recursos para facilitar ou incentivar a frequência nas aulas; garantir o acesso, melhorar as condições de escolarização e apoiar os processos pedagógicos para os grupos tradicionalmente desfavorecidos; fortalecer os resultados de aprendizagem e alcançar uma formação mais integral para todos os estudantes; e o reconhecimento e a atenção à diversidade, especialmente considerando os direitos e características das crianças com deficiências, identidades sexuais diversas ou de populações indígenas e afrodescendentes.
A partir de um levantamento das tendências políticas e dos principais indicadores de desempenho, bem como de diversos estudos e relatórios elaborados pela UNESCO, é possível traçar uma série de desafios que a região enfrenta para alcançar uma educação primária de qualidade para toda a população.
Alguns destes desafios, de tipo estrutural, estão ligados ao acesso, às trajetórias e à aprendizagem básica.
- Por um lado, a conquista que representam as taxas de cobertura e de conclusão de nível quase universal, tanto para meninos quanto para meninas, contrasta com a persistência de situações de exclusão para certos grupos em alguns países – especialmente a população indígena e setores de baixa renda – e de altos níveis de distorção idade-série, o que aponta para a necessidade de aprofundar os programas voltados para esses grupos.
- Por outro lado, os resultados da prova Erce 2019 mostram que o nível mínimo de competências básicas (em leitura, escrita, matemática e ciências) é alcançado – de maneira transversal em todos os países – por uma proporção muito pequena de estudantes, cenário agravado para a população indígena e setores de baixa renda.
- As dificuldades nas trajetórias e resultados de aprendizagem também são reforçadas pela acentuada segregação socioeconômica das escolas. Isto implica investir nas políticas de melhoria das aprendizagens que abarcam todas as escolas, complementadas por intervenções que reforcem as ações nas escolas que registrem resultados mais baixos. A eliminação das diferenças de rendimento entre meninas e meninos, observadas em certos países, também deveria ser alvo de políticas elaboradas neste âmbito.
- Os professores são atores-chave nestes esforços. Embora a formação docente inicial e continuada tenha sido um componente central das políticas recentes, ainda se identificam debilidades nos processos formativos, em paralelo com a persistência de salários e condições de trabalho insuficientemente hierarquizadas.
- Em relação a outro fator potencial de melhoraria dos processos de ensino e aprendizagem, como são as tecnologias da informação e comunicação, o avanço em termos de maior disponibilidade de equipamentos e conexões, assim como a capacitação docente para seu uso nas salas de aula, não têm sido suficientes ou uniformes na região. Além disso, a articulação das TIC com o currículo e com o desenvolvimento das habilidades cognitivas e socioemocionais dos estudantes são destacados como aspectos pendentes que precisam ser tratados de forma mais sistemática nas políticas.
Ao mesmo tempo, há uma série de desafios emergentes para a educação primária na região. Entre eles, podemos citar:
- Assegurar que as políticas de reconhecimento e atenção à diversidade tenham uma tradução mais efetiva nos conteúdos e práticas escolares. Neste sentido, os desafios incluem a implementação da educação intercultural em todas as escolas primárias, e não apenas nas que atendem a população indígena ou afrodescendente; uma maior incorporação de abordagens que valorizam a diversidade sexual e de gênero; e uma maior integração das pessoas com deficiência nas escolas regulares, acompanhada dos recursos necessários para enriquecer a experiência escolar de todos os estudantes.
- Avançar para uma educação mais integral através de um trabalho mais explícito e sistemático da escola sobre as noções de educação para a sustentabilidade e a cidadania global, bem como sobre o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Apesar de obter mais espaço discursivamente, a educação para o desenvolvimento sustentável e a educação para a cidadania global ainda ocupam um lugar marginal nos currículos e nas avaliações nacionais. Além disso, os programas que têm sido implementados costumam carecer de parâmetros específicos e inovadores de ensino. Faz-se necessário também uma maior sistematização no desenvolvimento de habilidades socioemocionais como a empatia, a abertura à diversidade e a autorregulação (avaliadas no Erce 2019), em articulação com as habilidades cognitivas, considerando não apenas sua contribuição para a aprendizagem de competências básicas, mas também seu papel na promoção de condutas que contribuam para a sustentabilidade e uma cidadania ativa, bem como para a equidade de gênero, a aceitação da diversidade e a prevenção de situações de violência.
- Por fim, o contexto mais imediato para as escolas primárias da região é marcado pelas consequências da pandemia de covid-19, ainda difíceis de avaliar em toda a sua magnitude. Sem dúvidas, a crise sanitária tornou os desafios estruturais e emergentes, descritos anteriormente, mais complexos. Todos os países da região, exceto a Nicarágua, implementaram uma suspensão mais ou menos prolongada das aulas presenciais em 2020, com a implicação direta de perdas de aprendizagem generalizadas e da desvinculação de uma parte dos estudantes. A necessidade de implementar modalidades de ensino a distância ressaltou as lacunas ainda existentes no acesso e no uso de ferramentas informáticas e digitais, tanto entre professores quanto entre estudantes; e também o fato de que poucos países contavam com estratégias nacionais de educação por meios digitais com um modelo integral de uso das TIC. Também gerou uma situação de exigências extraordinárias para professores, estudantes e famílias. Por outro lado, o retorno às aulas presenciais supôs um fator de estresse para todos os atores do sistema escolar e a mobilização de recursos extraordinários para garantir sua realização em condições sanitárias adequadas. Estima-se que a situação da pandemia produziu um retrocesso significativo na aprendizagem, bem como a um aprofundamento das desigualdades em termos de acesso e de trajetórias escolares.
7. Referências Bibliográficas
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OREALC/UNESCO Santiago (2021). Reporte Ejecutivo del Estudio Regional Comparativo y Explicativo (ERCE 2019). https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000380257
UNESCO (2020). Informe de Seguimiento de la Educación en el Mundo 2020 – América Latina y el Caribe – Inclusión y educación: todos y todas sin excepción.
Vargas, S. P. M. e Bravo, M. A. S. (2021). Educación Sexual en América Latina: una revisión del estado del arte en Colombia, Chile, México y Uruguay. Revista Educación las Américas, 11(1), 57-77.
Vezub, L. (2019). Análisis Comparativos de Políticas de Educación: Las políticas de Formación Docente Continua en América Latina. Mapeo exploratorio en 13 países. IIPE UNESCO Buenos Aires. https://www.buenosaires.iiep.unesco.org/sites/default/files/archivos/An%C3%A1lisis%20comparativo.%20Lea%20Vezub.pdf
Contenido
- 1. Contexto da educação secundária
- 2. Introdução
- 3. Estrutura normativa e institucional
- 4. Caracterização das políticas
- 4.1 Políticas de mudanças curriculares
- 4.2 Políticas voltadas para a transformação do formato escolar tradicional
- 4.3 Políticas de fortalecimento da demanda dos estudantes no nível
- 4.4 Políticas para a melhoria da infraestrutura, equipamentos e dotação de tecnologia
- 4.5 Políticas para a melhoria da infraestrutura, equipamentos e dotação de tecnologia
- 5. Panorama em dados
- 6. Tendências e desafios
- 7. Referências bibliográficas
Autoria: Pablo Daniel García, sob a coordenação do IIPE UNESCO.
1. Contexto da educação secundária
2. Introdução
O nível secundário é o terceiro dos níveis dos sistemas nacionais de educação. Integra os programas educacionais que compõem a secundária inferior (CINE 2) e a secundária superior (CINE 3) na Classificação Internacional Normalizada da Educação (CINE) desenvolvida pela UNESCO. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, assinada pelos países-membros das Nações Unidas (ONU) em 2015, contempla o nível secundário no ODS 4, que promove a "garantia de uma educação inclusiva e equitativa de qualidade e a promoção de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos". Nas metas para atingir esse objetivo, os Estados são instados a "garantir que todas as meninas e meninos concluam a educação primária e secundária, que deve ser gratuita, equitativa e de qualidade e produzir resultados de aprendizagem relevantes e eficazes".
Essas metas representam desafios importantes para a América Latina. Embora desde os anos 90, e especialmente durante a primeira década do século 21, a maioria dos países da região tenha aprovado leis que aumentaram o número de anos do período de educação obrigatória em geral, e da educação secundária em particular, ampliando a oferta educacional e a inclusão de setores outrora postergados, alguns estudos constatam uma certa estagnação na massificação do nível secundário (IIPE/CLADE, 2021). Nesse contexto, torna-se relevante analisar as tendências desse nível na região. O nível foi o que mais passou por mudanças nos últimos tempos. E, na medida em que se avança em termos de sua obrigatoriedade, continua sendo objeto de intervenção de múltiplas e simultâneas políticas educacionais que buscam incidir sobre o acesso, a permanência, a conclusão e a qualidade da aprendizagem obtida.
A situação contemporânea do nível secundário pode ser descrita como uma tensão constante entre sua demanda contínua por expansão e o modelo institucional tradicional a partir do qual foi instituído. Desde suas origens, o nível secundário foi concebido como um modelo de elite, para poucos, como um trampolim para o ingresso na universidade. Em contraste, hoje, e como resultado das recentes mudanças na legislação educacional em muitos países da região, o acesso à educação secundária é majoritariamente entendido como um direito de todas as pessoas jovens. De fato, com exceção da Nicarágua, a secundária inferior está incluída no período de escolaridade obrigatória em todos os países da América Latina. Nesse contexto, a matriz original se vê tensionada e requer mudanças profundas para enfrentar o desafio de continuar a expansão da educação secundária e sustentar trajetórias bem-sucedidas para todos os adolescentes e jovens que ingressam nesse nível de escolaridade.
Considerando essas ideias preliminares, a primeira seção de análise abordada neste documento refere-se à caracterização do nível secundário em termos de sua estrutura normativa e configuração organizacional nos diferentes países que compõem a região. Alguns aspectos considerados nessa caracterização referem-se à sua denominação em cada país, às regulamentações mais recentes de organização, ao seu caráter obrigatório total ou parcial, às suas orientações e modalidades, entre outros aspectos.
A segunda seção do documento apresenta as principais políticas para a educação secundária desenvolvidas recentemente na região. Faz-se referência a quatro tipos de políticas educacionais: mudança curricular e incorporação de novos conhecimentos no currículo escolar; intervenções de reconfiguração recentes do formato escolar do nível secundário (aquelas políticas ou programas que implicam mudanças em aspectos relacionados à organização institucional do nível); políticas de fortalecimento da demanda (ações para ampliar as oportunidades de acesso, permanência e graduação); políticas planejadas para a melhoria da infraestrutura e equipamentos.
Uma terceira seção do documento apresenta um panorama regional em dados, referente às trajetórias escolares nesse nível nos países da região. Em particular, essa caracterização supõe uma descrição dos indicadores de acesso, repetência, permanência e formação dentro do prazo, cruzada com variáveis de caracterização da população em termos de local de residência (urbano/rural) e renda, de acordo com os últimos dados disponíveis no SITEAL.
Para encerrar, é apresentada uma seção intitulada Tendências e desafios para a educação secundária na região, referente a uma análise reflexiva em termos de avanços e dívidas para o nível.
3. Estrutura normativa e institucional
Conforme mencionado na introdução, a secundária é a terceira etapa dos sistemas nacionais de educação. A idade de referência varia, segundo o país, de 11 a 17 anos de idade (ver Tabela 1). O sistema de Classificação Internacional Normalizada da Educação (CINE) elaborado pela UNESCO divide o nível em dois períodos: a secundária inferior (CINE 2) e a secundária superior (CINE 3). No entanto, a configuração organizacional varia em cada país.
O requisito para ingressar na secundária inferior é ter concluído e ter sido aprovado no nível primário. Os programas educacionais da secundária inferior geralmente são voltados para o reforço das aprendizagens do nível primário. Em geral, duram três anos. Suas competências estabelecem a base para o desenvolvimento humano e a aprendizagem ao longo da vida. Normalmente, se apoiam em disciplinas ministradas por professores que receberam formação pedagógica em conteúdos específicos. Cada grupo de estudantes costuma ter vários professores especializados. Em alguns países, os programas educacionais da secundária inferior também incluem conteúdos vocacionais.
O pré-requisito para o acesso aos programas educacionais classificados pela UNESCO, como a secundária superior (CINE 3), é ter concluído a secundária inferior. O propósito da secundária superior é garantir que os adolescentes e jovens tenham o conhecimento necessário para transitar essa etapa de suas vidas e possam se desenvolver nas etapas seguintes, seja a continuação de seus estudos no nível superior ou a entrada no mercado de trabalho ou na vida em comunidade. Em geral, têm uma duração de três anos. Uma característica marcante desses programas é que, em comparação com o período anterior, a diversificação e a especialização do conteúdo curricular são acentuadas. É frequente que os professores sejam formados e especializados em matérias e campos de conhecimento específicos.
A configuração organizacional da educação secundária não é homogênea na região. Considerando as diferentes denominações oficiais, há países em que a secundária ocupa dois anos teóricos de duração (como El Salvador e Honduras) ou três (como Paraguai e o ensino médio no Brasil), e outros com uma duração que chega a seis anos (como Argentina e Uruguai). As variações existentes entre os países também envolvem a organização do nível em um único período homogêneo (como Bolívia, Nicarágua, Peru e Venezuela) e, em outros casos, a divisão do nível em dois períodos (secundário inferior e superior – que adquirem diferentes denominações em cada caso –, como acontece na Argentina, Colômbia, Cuba, República Dominicana e Uruguai). Considerando a classificação CINE da UNESCO, é possível observar que muitos dos países da região têm um período do CINE 2 incluído como a última parte da educação básica (por exemplo, Brasil, El Salvador, Honduras e Paraguai). Essa heterogeneidade pode ser vista em detalhe na Tabela 1.
As leis aprovadas no início do século 21 na América Latina resultaram no surgimento de sistemas educacionais profundamente diferentes daqueles regulamentados no final do século 19 e em boa parte do século 20. A escola secundária deixou de ser uma instituição seletiva, à qual apenas uma parcela minoritária da população com fins específicos tinha acesso, geralmente ligados à sua função propedêutica, para se tornar um nível educacional de crescente alcance universal. A nova legislação em muitos países da região buscou promover a construção de um nível secundário que pudesse responder às demandas de acesso, permanência e graduação. Além das mudanças propostas para a configuração institucional do nível, o aspecto mais transcendental que se instalou refere-se ao aumento dos anos de obrigatoriedade escolar e ao alcance da educação secundária. Os novos marcos jurídicos aspiram a um processo de universalização em relação ao acesso e à sustentabilidade das trajetórias, o que poderia ser considerado um efeito direto da extensão da obrigatoriedade do nível secundário (Acosta, 2021).
Atualmente, todos os países da região contam com a obrigatoriedade da educação secundária inferior, com exceção da Nicarágua. Além disso, 13 dos 19 países ampliaram a obrigatoriedade do período superior (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela). A Tabela 2 apresenta mais informações a respeito.
4. Caracterização das políticas
Esta seção faz referência a quatro tipos de políticas educacionais que podem ser identificadas nos países da região e que refletem as prioridades dos Estados ao intervir no sistema educacional. Em primeiro lugar, agrupamos as políticas associadas à mudança curricular e à incorporação de novos conhecimentos ao currículo escolar. São intervenções que buscam renovar os conteúdos do nível médio, procurando aproximá-los dos interesses dos estudantes e dos saberes próprios das culturas que compõem cada país. Em segundo lugar, esta seção faz referência a um grupo de políticas vinculadas à recente reconfiguração da secundária, particularmente aquelas relacionadas à organização institucional. Um terceiro grupo de políticas está vinculado ao fortalecimento da demanda e de acompanhamento às trajetórias dos estudantes da secundária a partir da transferência de recursos monetários ou de outro tipo. Essas políticas buscam compensar as desigualdades respectivas ao ponto de partida de cada estudante, que são estratégicas em uma região historicamente atravessada por lacunas significativas de desigualdade. Para encerrar esta seção, incluímos uma seleção de políticas para o aprimoramento da infraestrutura, equipamentos e dotação de tecnologia no nível.
4.1 Políticas de mudanças curriculares
Uma das dimensões abordadas pela política educacional da região visa a mudanças curriculares com o objetivo de renovar os conteúdos e as práticas pedagógicas desenvolvidas no nível secundário. Em termos gerais, essas políticas de mudança curricular buscam a relevância da educação (em termos de interesses estudantis); a incorporação do conhecimento dos povos indígenas e de novos saberes próprios da sociedade do conhecimento; e a construção de um currículo que responda ao desafio de incluir a diversidade de estudantes, o exercício da cidadania e o desenvolvimento sustentável.
Um exemplo são as Novas Bases Curriculares 2020 no Chile (com uma reorganização curricular para que os estudantes possam escolher disciplinas de acordo com seus interesses). O caso da Bolívia também merece uma menção especial, com a construção do currículo para a educação secundária comunitária produtiva, processo que envolveu uma reorganização curricular com uma perspectiva comunitária, intercultural, multilíngue e produtiva. Por sua vez, a Costa Rica está implementando uma política chamada "A pessoa: centro do processo educacional e sujeito transformador da sociedade", que aponta para uma transformação curricular pensada por uma perspectiva humanista, de respeito à diversidade, ao multiculturalismo e aos valores. Desde 2018, El Salvador também vem implementando um programa de mudança curricular: o programa Desenvolvimento de um Currículo Pertinente e Geração de Aprendizagem Significativa, com mudanças específicas em algumas matérias no nível médio. O Equador construiu o Novo Currículo para o Bachillerato Unificado, com maior ênfase nas disciplinas clássicas (Língua e Literatura, Matemática, Ciências Naturais e Sociais, Educação Artística e Educação Física). Esses e outros exemplos são apresentados na Tabela 3.
4.2 Políticas voltadas para a transformação do formato escolar tradicional
Além da organização acadêmica formal, várias tentativas nos últimos anos buscaram intervir na estrutura organizacional do nível na região, que se refletem em políticas de flexibilização do regime acadêmico, ampliação do tempo escolar, uso de espaços "educativos" fora da instituição escolar, entre outros aspectos substanciais. Experiências como a Secundária Federal 2030 na Argentina, os liceus de tempo integral no Uruguai, o Programa de Subvenção Escolar Prioritário no Chile, a jornada escolar completa para os colégios do nível médio no Peru, a Escola Secundária Comunitária Produtiva na Bolívia ou o sistema mexicano de educação dual, entre muitas outras, são exemplos contemporâneos da busca pela transformação das escolas secundárias para projetar experiências escolares comuns, mas flexíveis, que possam acomodar a diversidade e as particularidades do corpo discente.
Além desses programas ou políticas, no âmbito da vida escolar cotidiana, diversos países da região estão buscando desenvolver ações que permitam manter as trajetórias escolares dos estudantes. Essas ações buscam, por meio de diferentes modalidades e intensidades de intervenção, reduzir a evasão escolar. Entre essas iniciativas, podem ser mencionadas as seguintes:
- Espaços de reforço acadêmico para compensar as aprendizagens que não foram alcançadas em uma determinada disciplina. Isso pode incluir as ações desenvolvidas em um "espaço pedagógico inclusivo" ou tutorias pedagógicas nos liceus uruguaios, as tutorias acadêmicas dos colégios peruanos ou as aulas de reforço dos liceus chilenos.
- Ações de aceleração da aprendizagem para compensar a escolaridade de estudantes que se identificam com dificuldades de acessar a escolarização. Pode-se considerar aqui o Programa de Nivelação de Aprendizagens do Paraguai para estudantes com idade avançada ou os espaços de trânsito educacional do Uruguai.
- Ações de flexibilização do regime escolar para as mães estudantes (e, em alguns casos, também para os pais estudantes) desenvolvidas nas instituições do nível médio da Argentina (incluindo a instalação de berçários ou maternidades em colégios secundários) e Uruguai (parte do programa de mães estudantes).
- Ações de formação complementar ao tempo escolar, seja no próprio local da escola ou em outros espaços. Nesse tipo de ação, podemos identificar o caso das escolas de verão que se organizam em várias jurisdições na Argentina, nas quais são geradas atividades extracurriculares durante o período de férias escolares, a fim de dar continuidade à formação dos estudantes. Também o Programa Nacional de Coros e Orquestras Infantis e Juvenis do mesmo país, que busca aproximar os estudantes do mundo da música e, assim, consolidar seu vínculo com a instituição de ensino.
Ao mesmo tempo, muitos dos países da região estão buscando criar alternativas de escolarização para aqueles que abandonaram o sistema educacional ou vivem em condições de vulnerabilidade social. Essas propostas de formação às vezes envolvem formatos inovadores e flexíveis de cursos presenciais, organizados de forma complementar ao sistema de educação formal regular. Em outros casos, são propostas de ensino à distância, baseadas em mediações tecnológicas que permitem cursos síncronos ou assíncronos. Essas experiências incluem o Programa de Atenção Modular Multigraduada para a Educação Secundária Comunitária Produtiva na Bolívia, o Programa Salas de Aula Comunitárias no Uruguai, o Telebachillerato no México, a Educação Média Aberta no Paraguai e a Missão Ribas na Venezuela, entre muitas outras (consulte a Tabela 5).
4.3 Políticas de fortalecimento da demanda dos estudantes no nível
A expansão da educação secundária na região exige o planejamento e a implementação de políticas para estruturar as trajetórias escolares, que coloquem especial foco nos setores vulnerabilizados. Essas políticas envolvem o emprego de diferentes setores do aparato estatal para compensar as desigualdades. As políticas de fortalecimento à demanda têm como objetivo fornecer às famílias recursos econômicos ou bens para apoiar o ingresso e a continuidade da escolarização, especialmente para setores historicamente excluídos. Embora em muitos casos essas políticas não sejam especificamente voltadas para o nível secundário – mas para a educação básica como um todo –, elas são mencionadas no contexto da relevância que adquiriram à luz das recentes transformações do nível.
Há diferentes formas de apoio na região. Em princípio, pode-se fazer uma distinção entre os programas de desenvolvimento social, que são gerenciados além da educação e que têm algum tipo de contraprestação de escolaridade para a continuidade da transferência de recursos. Entre eles, no caso da Argentina, o Auxílio Universal por Filho (AUH) consiste em uma transferência de recursos econômicos para todas as famílias em condições de vulnerabilidade e que tem uma contraprestação de escolaridade que deve ser demonstrada. Os casos do Brasil com o programa "Bolsa Família" ou o caso do Equador com o Benefício de Desenvolvimento Humano do Equador também podem ser mencionados. El Salvador, Honduras e Guatemala instituíram um benefício de apoio para famílias de setores vulneráveis, também com contraprestações que envolvem o cumprimento da escolaridade. Na República Dominicana, o programa "Progresando con Solidaridad" apoia as famílias mais vulneráveis.
Outros tipos de programas de fortalecimento à demanda são geridos pelo âmbito educacional na forma de bolsas ou benefícios destinados a apoiar a escolarização de grupos populacionais em situação de vulnerabilidade social. No caso da Argentina, esse grupo inclui as Bolsas de Apoio à Escolaridade e o Programa "Progresar"; na Bolívia, o Benefício Juancito Pinto; no Brasil, o programa Projovem Integrado; e, no Panamá, a Bolsa Universal. Os casos do Chile e do México se destacam por terem desenvolvido uma ampla diversidade de bolsas de estudo com perfis específicos para estimular a participação no sistema escolar de diferentes setores vulnerabilizados.
Além das transferências monetárias, diversos países da região desenvolveram ações de transferência de outros tipos de recursos para fortalecer a demanda escolar. A esse respeito, podem ser destacados os programas de alimentação escolar. Existem também programas nacionais de fornecimento de livros didáticos. Outros recursos distribuídos aos estudantes são os materiais e equipamentos escolares em geral. Nesse sentido, destaca-se o programa de kits escolares do Paraguai, que distribui anualmente bolsas de material escolar a todos os estudantes de instituições públicas, delineadas para cada ano letivo, de acordo com as atividades pedagógicas previstas. Por fim, alguns estados nacionais desenvolvem programas de distribuição de uniformes escolares.
4.4 Políticas para a melhoria da infraestrutura, equipamentos e dotação de tecnologia
Há vários anos, a escola secundária está em plena expansão na região, incorporando um número crescente de estudantes de diferentes setores sociais, tanto urbanos quanto periurbanos e rurais. Para que essa inclusão seja possível, é necessário ampliar a infraestrutura escolar e melhorar a dotação dos recursos existentes. A seguir, apresentamos uma seleção de políticas públicas para a expansão e a melhoria da infraestrutura escolar, de seus equipamentos e dos recursos educacionais vinculados às novas tecnologias. Um aspecto importante a ser destacado é que muitas dessas políticas e programas não são exclusivos para o nível secundário. No entanto, foram incluídos dada a sua relevância para esse nível em particular.
As atuais políticas educacionais da região colocam o investimento em infraestrutura escolar como um dos principais compromissos de equidade dos Estados nacionais, na medida em que condiciona a garantia do direito à educação. As pesquisas educacionais concordam com os efeitos positivos da infraestrutura educacional para a obtenção de um bom aprendizado (Claus, 2018). Dada a situação precária da infraestrutura na maioria dos países da região, especialmente nas escolas que atendem populações vulneráveis, o investimento nesse quesito é fundamental, principalmente para acompanhar a expansão do nível. Abaixo, seguem alguns exemplos de políticas para a criação de uma nova infraestrutura escolar.
Outro foco importante para o fornecimento de recursos está ligado àqueles relacionados às novas tecnologias de informação e comunicação (TIC). Em 2015, a Declaração de Qingdao (UNESCO, 2017), resultante da Conferência Internacional sobre TIC e Objetivos Educacionais Pós-2015 organizada pela UNESCO e sua reafirmação em 2017, proporciona as diretrizes para pensar estrategicamente o potencial das TIC para a educação a fim de alcançar especialmente o ODS 4. Esses acordos reconhecem a função das tecnologias digitais como facilitadoras dos sistemas educacionais e seu papel fundamental para garantir que todos os estudantes tenham acesso a uma educação de qualidade, desenvolvam habilidades que permitam construir seus projetos de vida com autonomia e liberdade e os preparem para viver em um mundo cada vez mais complexo (UNESCO, 2017). Várias políticas e programas na região são voltadas para esse aspecto, e são citados no documento eixo de Educação e TIC do SITEAL.
4.5 Políticas para a melhoria da infraestrutura, equipamentos e dotação de tecnologia
Há vários anos, a escola secundária está em plena expansão na região, incorporando um número crescente de estudantes de diferentes setores sociais, tanto urbanos quanto periurbanos e rurais. Para que essa inclusão seja possível, é necessário ampliar a infraestrutura escolar e melhorar a dotação dos recursos existentes. A seguir, apresentamos uma seleção de políticas públicas para a expansão e a melhoria da infraestrutura escolar, de seus equipamentos e dos recursos educacionais vinculados às novas tecnologias. Um aspecto importante a ser destacado é que muitas dessas políticas e programas não são exclusivos para o nível secundário. No entanto, foram incluídos dada a sua relevância para esse nível em particular.
As atuais políticas educacionais da região colocam o investimento em infraestrutura escolar como um dos principais compromissos de equidade dos Estados nacionais, na medida em que condiciona a garantia do direito à educação. As pesquisas educacionais concordam com os efeitos positivos da infraestrutura educacional para a obtenção de um bom aprendizado (Claus, 2018). Dada a situação precária da infraestrutura na maioria dos países da região, especialmente nas escolas que atendem populações vulneráveis, o investimento nesse quesito é fundamental, principalmente para acompanhar a expansão do nível. Abaixo, seguem alguns exemplos de políticas para a criação de uma nova infraestrutura escolar.
Outro foco importante para o fornecimento de recursos está ligado àqueles relacionados às novas tecnologias de informação e comunicação (TIC). Em 2015, a Declaração de Qingdao (UNESCO, 2017), resultante da Conferência Internacional sobre TIC e Objetivos Educacionais Pós-2015 organizada pela UNESCO e sua reafirmação em 2017, proporciona as diretrizes para pensar estrategicamente o potencial das TIC para a educação a fim de alcançar especialmente o ODS 4. Esses acordos reconhecem a função das tecnologias digitais como facilitadoras dos sistemas educacionais e seu papel fundamental para garantir que todos os estudantes tenham acesso a uma educação de qualidade, desenvolvam habilidades que permitam construir seus projetos de vida com autonomia e liberdade e os preparem para viver em um mundo cada vez mais complexo (UNESCO, 2017). Várias políticas e programas na região são voltadas para esse aspecto, e são citados no documento eixo de Educação e TIC do SITEAL.
5. Panorama em dados
Esta seção apresenta um panorama regional dos dados estatísticos que permitem um relato dos avanços e das dívidas pendentes com relação à concretização do direito à educação para adolescentes e jovens na região.
Os dados estatísticos disponíveis (considerando o banco de dados de indicadores educacionais do SITEAL) mostram a evolução recente da frequência escolar em nível secundário na América Latina. Como pode ser visto no Gráfico 1, houve uma melhora substancial na taxa líquida ajustada de frequência à secundária em todos os países, superando 70% na maioria dos casos. Entretanto, cabe destacar que o crescimento variou entre os países.
Quando se faz a distinção entre a secundária inferior (CINE 2) e superior (CINE 3), a maioria dos países da região (com exceção da Bolívia e do Chile) mostra que a taxa de frequência perde matrículas na transição de um ciclo para o outro. A Colômbia (34%), a Costa Rica (29,6%) e a Argentina (26,75%) registram a maior perda de matrículas (ver Gráfico 2.
No entanto, as desigualdades também podem ser observadas em cada país. Uma primeira distinção remete ao âmbito rural e urbano. Esse indicador está disponível para todos os países da região, exceto Argentina e Venezuela. De acordo com os últimos dados disponíveis para cada país, é possível estabelecer que o Chile é a única exceção, pois a taxa de frequência no nível secundário nas áreas rurais é 0,4% mais alta do que nas áreas urbanas. No restante dos países da região, a taxa de frequência no nível secundário é menor nas áreas rurais do que nas urbanas.
Outra possível distinção está relacionada ao nível de renda do grupo familiar. Os dados mostram que há uma probabilidade maior de frequentar o nível secundário entre os filhos das famílias com 40% das rendas mais altas (87,7%) do que entre aquelas de 30% com a renda mais baixa (onde a porcentagem cai para 74,6%).
Um aspecto que afeta particularmente a trajetória estudantil no nível secundário é a repetência e as intermitências na frequência às aulas por diferentes motivos (transferências, desvinculação parcial, entrada no mercado de trabalho formal ou informal). Essas alterações nas trajetórias podem ser refletidas na chamada taxa de distorção idade-série (que contempla a porcentagem de estudantes com dois ou mais anos acima da idade teórica correspondente ao nível). A média da região é de 21%. No entanto, em alguns países, ultrapassa 30% (por exemplo, Nicarágua com 32,9% de estudantes com distorção idade-série, Uruguai com 32,65% e Argentina com 31,5%), como pode ser visto no Gráfico 5.
Por fim, um último aspecto que vale destacar diz respeito à taxa de graduação no nível secundário. Os dados disponíveis permitem comparar a situação no início do século 21 com os dados do final da segunda década do mesmo século, mostrando um avanço significativo na conclusão do ensino médio na maioria dos países . O Brasil, a Bolívia e o Peru se destacam nesse aspecto. No entanto, garantir a conclusão continua sendo um desafio para a região, como pode ser visto nos gráficos 6 e 7.
A taxa média regional de conclusão do nível secundário é de aproximadamente 60% dos estudantes. No entanto, isso oculta desigualdades significativas, com alguns países apresentando desempenho bem abaixo dessa média, como mostra o Gráfico 7.
6. Tendências e desafios
Nos últimos 20 anos, houve uma expansão significativa da educação secundária na América Latina. Os países da região avançaram na reforma ou promulgação de novas estruturas normativas que viabilizam a expansão da escolaridade em geral e da educação secundária em particular, em seus dois ciclos, inferior e superior, mas com foco neste último. A promulgação de leis que aumentaram a quantidade de anos do período de educação obrigatória implicou, por um lado, a ampliação da oferta para a atenção massiva de adolescentes e jovens que antes não frequentavam a escola. Por outro lado, e intimamente ligado a isso, houve uma inclusão progressiva na educação escolar de grupos sociais previamente excluídos do sistema escolar. Ao conferir as mudanças recentes na legislação, podemos observar uma progressão gradual entre o conjunto das leis a esquemas normativos fortemente comprometidos com a educação como um direito fundamental (López, 2015).
Em termos de políticas, a expansão do acesso ao nível secundário na região foi auxiliada por duas estratégias. Em primeiro lugar, a construção de novas escolas, impulsionada pelo avanço do ensino obrigatório. Os Estados da região fizeram esforços significativos para, deste modo, chegar a toda a população, uma decisão que facilita o acesso ao nível, reduzindo assim os longos e custosos deslocamentos dos estudantes para chegar aos estabelecimentos de ensino. Em segundo lugar, a ampliação das matrículas foi influenciada por políticas destinadas a alterar e remodelar o formato escolar tradicional, que desde o início significou um nível secundário com uma função fundamentalmente propedêutica, pensado para a preparação de uma elite para o ensino superior. Por outro lado, com a expansão da educação obrigatória, ampliou-se o direito à escolarização, dando ao ensino médio um sentido próprio: disponibilizar os saberes comuns para a plena inclusão social e econômica de adolescentes e jovens, mas reconhecendo as diversidades e desigualdades de estudantes e trajetórias, e flexibilizando as modalidades de escolarização.
O compromisso com o direito à educação, que os Estados latino-americanos demonstraram por meio de suas leis gerais de educação e de uma vasta gama de políticas, levou a um avanço significativo – evidenciado pelo aumento das taxas de escolarização e conclusão do nível –, embora ainda seja insuficiente. Na região, apenas metade dos adolescentes consegue concluir o ensino médio, enquanto persistem profundas desigualdades em termos de acesso e permanência no sistema educacional. Certos grupos sociais – indígenas, afrodescendentes, pessoas que vivem em zonas rurais ou provenientes de famílias socialmente desfavorecidas – contam com menores possibilidades de sustentar suas trajetórias educacionais e obter aprendizagens pertinentes e significativas. A América Latina ainda é uma das regiões mais desiguais do mundo, e a desigualdade se manifesta não apenas na dimensão econômica da vida, mas também na dimensão educacional.
Em suma, a sistematização aqui apresentada e as pesquisas recentes revelam pelo menos três desafios enfrentados pelo processo de expansão do ensino médio na América Latina: universalizar o acesso, promover a continuidade da trajetória e garantir a relevância da oferta em termos de qualidade. Esses desafios são múltiplos e simultâneos e refletem uma tensão complexa entre a expansão da secundária e o modelo institucional (Acosta, 2019). Já não basta garantir o acesso; é fundamental assegurar a permanência e a conclusão do nível, bem como a apropriação de todo o conhecimento que se propõe transmitir.
Ao longo deste documento, apresentamos um mapeamento das intervenções políticas implementadas pelos Estados, orientadas a garantir uma educação secundária equitativa e de qualidade. O levantamento e o estudo das experiências de trabalho para melhorar as trajetórias escolares em toda a região nos permitem delinear, de forma resumida, algumas propostas-chave a serem consideradas pelos responsáveis pelo desenvolvimento de políticas públicas nessa área.
- Promover estratégias de intervenção intersetoriais que abordem as causas que geram exclusão e desigualdade dentro e fora dos sistemas educacionais. O planejamento de políticas para melhorar as trajetórias educacionais de jovens em contextos vulneráveis exige deixar de lado intervenções pensadas exclusivamente como "educacionais" para se pensar em ações intersetoriais que abordem as causas que geram exclusão e desigualdade dentro e fora dos sistemas educacionais. A interrupção da trajetória educacional é resultado de um conjunto de fatores internos e externos aos sistemas, o que requer o desenvolvimento de políticas que os abordem de forma integral. O trabalho das escolas imersas em contextos de exclusão demanda ações que considerem, simultaneamente, questões sociais, de moradia, urbanização, alimentação e saúde pública. A pobreza atravessa a vida dos indivíduos e sua experiência escolar: o acesso pleno, a permanência e a aprendizagem de todos os estudantes exigem o desenvolvimento de políticas que ultrapassem a esfera escolar.
- Promover políticas que incentivem a construção de experiências de escolarização comuns, mas flexíveis. O planejamento da política educacional deve orientar a construção de sistemas flexíveis que favoreçam a possibilidade de retomar trajetórias educacionais interrompidas. Isso implica oferecer oportunidades múltiplas e variadas para diferentes propósitos: acessar e complementar os estudos em qualquer nível educacional; oferecer diferentes modalidades e possibilidades de ingresso ou reingresso; facilitar o aperfeiçoamento e a formação vinculados ao trabalho; facilitar diferentes itinerários formativos e o estabelecimento de pontes entre eles, permitindo que cada pessoa construa seu próprio projeto de formação. Para que isso seja possível, é necessário criar sistemas educacionais flexíveis, em que os que interromperam sua trajetória possam retomá-la a qualquer momento da vida. O pressuposto monocrônico no qual se baseia o funcionamento do sistema educacional é um elemento com alto potencial de exclusão, para o qual se deve buscar uma alternativa.
- Favorecer a institucionalização de estratégias de acompanhamento escolar. A possibilidade de gerar boas experiências escolares que contribuam para que as trajetórias sejam contínuas e completas na passagem dos estudantes no nível secundário demanda a possibilidade de um suporte através de instâncias de acompanhamento escolar. A experiência das instituições que progrediram nesse aspecto revela a importância das tutorias para a transição para a secundária. É fundamental sua institucionalização e formalização, bem como o desenvolvimento de um planejamento de trabalho para os tutores e a respectiva avaliação, afastando-se assim das experiências informais que ainda existem em alguns países da região.
- Desenvolver sistemas de alerta para a detecção e intervenção precoce sobre situações de evasão escolar. Apesar das diversas intervenções desenvolvidas pela política educacional nas últimas décadas, as escolas secundárias da região continuam apresentando taxas de evasão muito altas. É essencial desenvolver uma escola mais inclusiva, que não expulse, mas que, ao mesmo tempo, a partir de níveis mais altos, desenvolva um sistema de alerta para a detecção e intervenção imediata em casos de evasão escolar. O processo de desvinculação com a instituição escolar costuma ser progressivo, dá indícios; a desfiliação é processual. Portanto, é estratégico intervir imediatamente quando uma situação de possível abandono é detectada.
7. Referências bibliográficas
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________ (2021). Diversificación de la estructura de la escuela secundaria y segmentación educativa en América Latina. Documentos de Proyectos (LC/TS.2021/106). Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe [CEPAL].
Claus, A. (2018). El Impacto de la Infraestructura Escolar en los Aprendizajes de las Escuelas Secundarias. III Congreso Latinoamericano de Medición y Evaluación Educacional (COLMEE 2018). INNEd, INEE, MIDE-UC, INEVAL.
López, N. (2007). Las nuevas leyes de educación en América Latina: una lectura a la luz del panorama social de la región. IIPE UNESCO.
________(2015). Las leyes generales de educación en América Latina. El derecho como proyecto político. IIPE UNESCO.
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Políticas e regulamentações
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- Ley 26.075/2006. Ley de Financiamiento Educativo
- Ley 26.206/2006. Ley de Educación Nacional
- Lineamientos Estratégicos para la República Argentina 2022-2027
- Constitución Política del Estado plurinacional de Bolivia
- Ley 70/2010. Ley de Educación “Avelino Siñani - Elizardo Pérez”
- Plan Estratégico Institucional de Educación 2021 - 2025
- Plan Sectorial de Desarrollo Integral para Vivir Bien. Sector Educación 2021 -2025
- Constitución de la República Federal de Brasil
- Ley 11.494/2007. Fondo para el Mantenimiento y Desarrollo de la Educación Básica y el Fortalecimiento de los Profesionales de la Educación - FUNDEB
- Ley 9394/1996. Directrices y bases de la Educación Nacional
- Plan Nacional de Educación 2014-2024
- Constitución Política de la República de Chile
- Ley 20.370/2009. Ley General de Educación
- Ley 21.040/2017. Crea el sistema de Educación Pública
- Primera Estrategia Nacional de Educación Pública 2020-2028
- Constitución Política de la República de Colombia
- Ley 115/1994. Ley General de Educación
- Ley 715/2001. Sistema General de Participaciones SGP
- Plan Estratégico Institucional (PEI) 2022-2026
- Constitución Política de la República de Costa Rica
- Ley 2160/1957. Ley Fundamental de Educación
- Plan Estratégico Institucional 2019-2024
- Constitución de la República de Cuba
- Decreto 364/2020. De la formación y desarrollo de la fuerza de trabajo calificada
- Ley 680/1959. Sobre la Primera Reforma Integral de la Enseñanza
- Ley de Nacionalización General y Gratuita de la Enseñanza. Ley s/n del 6 de junio de 1961
- Constitución de la República del Ecuador
- Ley Orgánica de Educación Intercultural (LOEI)
- Plan Sectorial de Educación 2021-2025
- Constitución de la República de El Salvador
- Decreto 917/1996. Ley General de Educación
- Plan Sectorial de Educación 2022-2030
- Acuerdo Ejecutivo 1369-SE/2014. Reglamento de Financiamiento de la Educación Pública
- Constitución Política de la República de Honduras
- Decreto 262/2011. Ley Fundamental de Educación
- Plan Estratégico del Sector Educación 2018-2030
- Plan Estratégico Institucional Para la Refundación de la Educación (PEI) 2023-2026
- Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos
- Ley General de Educación
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- Constitución Política de la República de Nicaragua
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- Constitución Política de la República de Panamá
- Decreto Ejecutivo 238/2003. Reglamenta el Fondo de Equidad y Calidad de la Educación (FECE)
- Ley 47/1946. Ley Orgánica de Educación
- Plan Estratégico de Educación 2019-2024 "De Políticas Educativas a la Acción"
- Constitución de la República del Paraguay
- Ley 1264/1998. Ley General de Educación
- Ley 1725/2001. Estatuto del Educador
- Ley 4758/2012. Fondo Nacional para la Inversión y Desarrollo y Fondo para la Excelencia de la Educación y la Investigación
- Plan Nacional de Educación 2024 "Hacia el centenario de la Escuela Nueva de Ramón Indalecio Cardozo"
- Constitución Política de República Dominicana
- Ley 66/1997. Ley General de Educación
- Plan Estratégico Institucional del Ministerio de Educación 2021-2024 (PEI)
- Resolución 0668/2011. Instructivo para el Manejo de Fondos Transferidos a las Juntas Regionales, de Distrito y de Centro Educativo