Educación Básica

A educação básica é o ciclo educacional que tem início na primeira infância e se conclui nos últimos anos da adolescência. Nesta seção, serão apresentadas: a denominação que cada país dá aos níveis educacionais que conformam a educação básica e o período de escolarização obrigatória; o conjunto de Leis Nacionais de Educação; informações relevantes para a caracterização da educação básica; e um conjunto de intervenções realizadas pelos países para garantir o direito à educação.

Fecha de actualización: 02-04-2023

1. Introdução

A educação básica é o ciclo educacional que os Estados oferecem para crianças e adolescentes desde a primeira infância até os últimos anos da adolescência. Abarca o nível inicial ao secundário. Inclui o ensino dos conhecimentos e habilidades que são considerados essenciais para que todas as pessoas se desempenhem de maneira efetiva na sociedade contemporânea, equipando cada indivíduo para o exercício da cidadania ativa, para a continuação da formação no nível superior e para o acesso ao mercado de trabalho.

Na América Latina, 14 dos 19 países utilizam o termo "educação básica", embora com variação de abrangências. O Brasil, a Nicarágua, o Peru e a Venezuela são os que possuem maior alcance do nível, abarcando desde a primeira infância até o final da escola secundária. Nesses países, a educação básica inclui alguns anos de escolaridade obrigatória e outros que não o são. No Panamá, a educação básica coincide com a obrigatória. A Argentina, a Bolívia, Cuba, a Guatemala e o Uruguai não utilizam o termo "educação básica". Nos demais países (Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Honduras, México, Paraguai e República Dominicana), a educação básica é uma etapa da escolaridade obrigatória.

O aumento da quantidade de anos de educação obrigatória na região tem sido notável nas últimas três décadas. Durante a década de 90, diversos países introduziram a obrigatoriedade de um ou mais anos do nível inicial e da secundária inferior (estudantes de 11 a 14 anos). Nos anos 2000 e 2010, a tendência de aumento se acentuou mais ainda, tanto para o nível inicial quanto para o secundário. Atualmente, todos os países (com exceção de Cuba) têm pelo menos um ano obrigatório no nível inicial (cobrindo, em todos os casos, a população de 5 anos) e vários estabelecem a obrigatoriedade a partir dos 3 ou 4 anos de idade. Por sua vez, com relação ao ensino secundário, todos os países (com exceção da Nicarágua) tornaram obrigatório o ciclo inferior, enquanto 13 dos 19 países tornaram obrigatória a secundária superior (estudantes de 15 a 17 anos) (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela). A escolaridade obrigatória tem uma duração de 15 anos no Equador, no México e na Venezuela; 14 anos na Argentina, na Bolívia, no Brasil, no Peru e no Uruguai; 13 anos no Chile, na Costa Rica, no Paraguai e na República Dominicana; 12 anos em El Salvador, na Guatemala e em Honduras; 11 anos no Panamá; 10 anos na Colômbia; 9 anos em Cuba; e 7 anos na Nicarágua.

Com relação à estrutura normativa e programática, todos os países da região possuem leis gerais que regulamentam a educação básica em nível nacional e, em muitos casos, contam com planos que orientam seu funcionamento. Em quase todos os países, nos últimos 20 anos foram realizadas atualizações normativas que afetaram os principais aspectos dos sistemas escolares (IIPE UNESCO e CLADE, 2015; López, 2007).

Uma das mudanças fundamentais consiste em explicitar a educação como um direito e na ampliação das obrigações do Estado em respeitá-lo, protegê-lo e torná-lo efetivo. Isso implica, em primeiro lugar, que o Estado garanta tanto a existência de uma oferta de educação universal quanto as condições de acesso – especialmente a gratuidade – sem qualquer tipo de discriminação. As novas leis estabeleceram uma extensão do que se entende por educação básica, ao estabelecer uma educação média e pelo menos um ano do nível inicial como obrigatórias e universais, ao mesmo tempo que garante uma oferta voltada para os primeiros anos de vida. Assim, em vários países, existem ciclos obrigatórios de até 15 anos – que superam amplamente os determinados nas leis anteriores – e também de ofertas universais, abarcando desde 45 dias de vida até os 17 anos de idade.

Por outro lado, na nova regulamentação, a efetivação do direito à educação implica ir além do acesso à escolaridade, garantindo que todas as crianças e adolescentes incorporem um amplo corpus de conhecimentos e habilidades. Isso se conecta à integração de um conjunto de disposições que buscam assegurar as condições para proporcionar uma educação de qualidade e que incluam medidas nas áreas de projetos de currículo, a formação docente, as medidas de aprendizagem, a inovação pedagógica, o clima institucional, a incorporação de novas tecnologias e a infraestrutura e equipamentos escolares.

Ao mesmo tempo, o corpus de conhecimentos e habilidades consideradas necessárias foi ampliado em resposta aos novos objetivos gerais de educação, introduzidos na renovação normativa. Estes novos propósitos – que apresentam exigências significativas em termos de desenvolvimento curricular – incluem a proteção ambiental e a educação em direitos humanos, bem como a promoção da não discriminação, da igualdade de gênero, dos direitos sexuais e reprodutivos e a cosmovisão dos povos indígenas.

Outro aspecto destacável das novas leis é a promoção da participação dos atores da escola e da sociedade civil, que tem o potencial democratizador dos sistemas educacionais. Por um lado, e mesmo com certas limitações em relação ao seu alcance, reconhece e promove o exercício do direito de estudantes, professores e famílias de fazer parte dos processos decisórios em nível institucional e de discussão sobre as políticas educacionais. Por outro lado, há uma tendência para a incorporação das organizações da sociedade civil em instâncias de debate, formulação e implementação de ações educacionais, que tradicionalmente eram de domínio exclusivo do Estado.

O compromisso dos países da região com o direito à educação foi ratificado em sua adesão à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, cujas metas visam a universalização de uma educação básica equitativa e de qualidade. Isso representa uma série de desafios. Por um lado, embora a tendência geral na América Latina seja de cobertura completa nos períodos da educação obrigatória, persistem déficits no acesso e na graduação, especialmente para as populações indígenas e afrodescendentes e para os setores de baixa renda. Por outro lado, as altas taxas de escolarização atingidas têm como revés as dívidas significativas em termos de aquisição de aprendizagens. De forma transversal em todos os países, uma alta proporção de estudantes não atinge os níveis mínimos de competências básicas (em leitura, escrita, matemática e ciências), tanto nas provas internacionais quanto em operações nacionais de avaliação. Finalmente, cabe destacar a necessidade de alcançar maiores avanços no reconhecimento da diversidade, especialmente através de uma abordagem educacional intercultural, bem como na implementação do ensino em áreas como a educação sexual e ambiental.

2. Referências Bibliográficas

Instituto Internacional de Planejamento Educacional [IIPE UNESCO] e Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação [CLADE] (2015). Las Leyes Generales de Educación en América Latina. El derecho como proyecto político. Campaña Latinoamericana por el Derecho a la Educación.

López, N. (2007). Las nuevas leyes de educación en América Latina: una lectura a la luz del panorama social de la región. IIPE UNESCO, Escritório para a América Latina e o Caribe, e Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação.

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Autoria: Jorge Gorostiaga, sob a coordenação do IIPE UNESCO.

1. Contexto da educação primária


2. Introdução

Historicamente, a educação primária foi concebida como o nível de instrução comum para toda a população, na América Latina e em nível global. A educação primária fornece um conjunto de conhecimentos e habilidades que, centrados nos fundamentos da leitura, da escrita e da matemática, bem como nas noções básicas das ciências sociais e naturais, tem fortes implicações em termos individuais e sociais. Na América Latina, a educação primária tem desempenhado um papel fundamental na promoção do bem-estar pessoal, da coesão social, do desenvolvimento econômico e da convivência democrática, em um contexto de alta e persistente desigualdade social, desde a origem dos sistemas educacionais até o final do século 19. A forte expansão deste nível – que ocorreu de formas muito diversas nos diferentes países da região durante o século 20 – mostra a inclusão universal progressiva das crianças na escolarização, mas também revela as diferentes formas de exclusão que persistem até os dias de hoje.

Os objetivos tradicionais da educação primária incluem o desenvolvimento pessoal e social, a formação cidadã e a preparação para o nível médio ou secundário. Além disso, atualmente este nível educacional tem como desafio responder a novas demandas produzidas tanto pelo papel que a educação formal está desempenhando em um contexto de mudança social acelerada quanto por desenvolvimentos conceituais que ampliam ou renovam a noção do direito à educação.

Este relatório apresenta uma síntese sobre a situação do nível primário na América Latina. O objetivo é dar uma visão geral do conjunto de 19 países considerados, fornecendo alguns dados desagregados por país e ilustrando as tendências regionais com alguns exemplos que nos permitem apreciar a variedade e heterogeneidade dos sistemas educacionais. As principais fontes utilizadas são bancos de dados e os documentos do Sistema de Informação de Tendências Educacionais na América Latina (SITEAL), os sites dos ministérios da educação nacionais e os relatórios publicados pela UNESCO que sistematizam diferentes aspectos dos sistemas educacionais da região. As seções a seguir apresentam os seguintes enfoques:

  • o marco regulatório e institucional do nível (seção 2);
  • as principais características das políticas para o nível (seção 3);
  • uma seleção de indicadores mostrando os resultados do nível em termos de cobertura, trajetórias e resultados de aprendizagem (seção 4); e
  • os desafios enfrentados pela educação primária na região (seção 5).

3. Marco regulatório e institucional para a educação primária

Um dos componentes principais do direito à educação é o dever dos Estados de garantir a educação primária gratuita e obrigatória para toda a população, princípio estabelecido no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e ratificado em compromissos e declarações posteriores, como a Declaração dos Direitos da Criança de 1959 e a Declaração Mundial sobre Educação para Todos de 1990. Mais recentemente (setembro de 2015), os 193 Estados-membros das Nações Unidas aprovaram por unanimidade os 17 objetivos que constituem a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. O nível primário está contemplado no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4): "assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida". As metas para este objetivo determinam que os Estados devem "garantir que todas crianças completem o ensino primário e secundário gratuito, equitativo e de qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes" e "garantir que todas as crianças adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, incluindo a educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável".

A fim de acordar critérios para a implementação da Agenda 2030 na região, os Ministros da Educação da América Latina e do Caribe assinaram a Declaração de Buenos Aires em 2017. No documento, expressam que: "Cientes de que o maior desafio para o progresso socioeconômico na região é a desigualdade, acreditamos que o princípio orientador da agenda educacional para 2030 deve ser o de zelar para que todas as crianças concluam os ciclos do ensino primário e secundário, o qual deve ser gratuito, equitativo e de qualidade e produzir resultados escolares pertinentes e eficazes”. Além disso, também se comprometeram a promover currículos e práticas que impulsionem "habilidades do século 21" e programas educacionais para o desenvolvimento sustentável e a cidadania global, com uma perspectiva participativa, multicultural e inclusiva.

De acordo com o sistema de Classificação Internacional Normalizada da Educação (ISCED pela sua sigla em inglês, CITE ou CINE por sua sigla em português e no Brasil, respectivamente), elaborado pela UNESCO, os programas educacionais do nível primário (CINE 1) são destinados a proporcionar habilidades básicas em leitura, escrita e matemática, e para definir a base para a aprendizagem e a compreensão das áreas essenciais do conhecimento e do desenvolvimento pessoal e social como preparação para o primeiro nível da educação secundária. Estes programas educacionais são de baixa especialização, onde, geralmente, um professor é responsável por um grupo de estudantes. As atividades educacionais normalmente são organizadas por unidades, projetos ou áreas de aprendizagem.

A estrutura institucional da educação primária é definida pelas regulamentações de cada país. O nível primário é o segundo nível educacional dos sistemas nacionais de educação. É obrigatório em todos os países da região e seu único requisito de admissão é cumprir com a idade inicial correspondente. A idade de referência para este nível varia, dependendo do país, entre 6 e 7 ou 10, 11 ou 12 anos de idade, sendo majoritária a variante de 6 a 11 anos (ver Tabela 1). Observa-se que, em vários países, o primeiro nível da primária e da secundária são agrupados sob uma mesma designação (tipicamente utilizando a categoria "educação básica"). Para esses casos, a coluna de denominação da Tabela 1 indica entre parênteses os ciclos que, de acordo com a nomenclatura oficial de cada país, constituem estritamente o nível primário, aplicando os critérios do sistema CINE da UNESCO.

Como pode ser visto na Tabela 1, juntamente com uma modalidade comum ou regular, a educação primária é geralmente oferecida nas modalidades especial (para pessoas com deficiências), rural, hospitalar, em contextos de privação de liberdade, intercultural e outras. Da mesma forma, todos os sistemas incluem uma oferta de educação primária para jovens e adultos, seja como modalidade própria ou através de programas específicos.

Por outro lado, quase todos os países têm leis ou atualizações normativas promulgadas durante os últimos 20 anos que regulamentam os principais aspectos do nível. Estas regulamentações têm um papel fundamental na definição do direito à educação primária em cada país e dos objetivos gerais da educação. Progressivamente, as leis ampliaram as obrigações do Estado de respeitar, proteger e fazer efetivo o direito à educação (IIPE UNESCO e CLADE, 2015). Os objetivos comuns das diferentes leis incluem o pleno desenvolvimento dos indivíduos e a promoção de uma consciência crítica, bem como o fomento da consolidação da identidade nacional, da proteção ambiental, dos valores democráticos e dos direitos humanos. As legislações mais recentes incluem objetivos como a promoção da não discriminação, da igualdade de gênero, dos direitos sexuais e reprodutivos e a cosmovisão dos povos indígenas. Em termos de laicidade, alguns regulamentos permitem o ensino da religião nas escolas públicas, enquanto outros estabelecem um sistema educacional estatal estritamente laico. Este último é o caso da Argentina, Cuba, Equador, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Venezuela e Uruguai.

A governança da educação primária assume formas que podem ser mais ou menos descentralizadas, bem como ter modelos de articulação particulares entre os diferentes níveis de governo, dependendo da organização política de cada país (federal ou unitária) e de outros fatores históricos e institucionais. A Tabela 2 mostra em que nível se concentra a principal responsabilidade pela regulamentação e administração das escolas primárias, considerando que, na maioria dos casos, as funções do governo estão distribuídas em mais de um nível (por exemplo, os mecanismos nacionais de definição curricular, avaliação e financiamento são comuns mesmo em países com uma administração mais descentralizada).

Outro elemento fundamental na estrutura institucional da educação primária é a sua oferta através do setor privado, determinada em grande parte pelo papel (principal ou subsidiário) que a regulamentação atribui ao Estado. Como em outras dimensões da educação primária, a realidade da região é muito heterogênea. Enquanto Cuba é o único país que não permite a existência de escolas particulares ou independentes, o resto dos países apresentava em 2018 valores que iam de 7% (México) a 52% (Chile). De modo geral, é possível afirmar que o setor privado tem uma participação significativa e crescente; a média de matrículas nas escolas primárias de gestão privada para os países considerados no Gráfico 1 aumentou em dois pontos entre 2010 e 2018.

4. Características das políticas de educação primária na região

As políticas para o nível primário implementadas nos países da região contemplam diferentes objetivos e abarcam distintas dimensões. A seguir, destacamos algumas delas, em particular as relacionadas com os ODS 4 e suas metas. Muitas dessas políticas não são exclusivas do nível (algumas delas são para toda a educação básica), mas têm um impacto importante sobre ele. As políticas não serão apresentadas de forma exaustiva, mas, sim, com a pretensão de ilustrar as ações implementadas a partir delas em cada uma das dimensões apresentadas.

Uma tendência que vem sendo observada há vários anos é a de garantir um número mínimo de dias letivos e o aumento do tempo real de aulas por dia. Essas políticas buscam aumentar as oportunidades para adquirir conhecimentos básicos e, ao mesmo tempo, gerar a possibilidade de uma oferta mais integral, que inclua artes e esportes. As escolas de tempo integral no Uruguai (desde 1996) e a jornada escolar integral no Chile (desde 1997) são dois dos principais antecedentes que, por sua vez, ilustram as duas variantes mais relevantes relacionadas à extensão da jornada escolar: a primeira com foco nas escolas que atendem famílias de baixa renda; a segunda, com cobertura universal. Esta dimensão também inclui o caso da Argentina, onde a Lei No 25.864/2004 estabeleceu um mínimo de 180 dias letivos, ao mesmo tempo que foram feitos esforços para garantir que todas as escolas ofereçam uma jornada mais longa que as quatro horas tradicionais, em vários casos privilegiando as escolas mais desfavorecidas, tanto em nível nacional como através de iniciativas provinciais. No Brasil, por sua vez, "implementar e ampliar a educação em tempo integral" é um dos objetivos do atual plano nacional de educação. Existiram políticas como a das escolas primárias no estado de São Paulo, que estende o dia escolar entre 6 e 9 horas diárias. A implementação da jornada escolar única na Colômbia, o sistema integrado de escolas inclusivas de tempo integral em El Salvador, o programa Escolas em Tempo Integral no México e a jornada escolar prolongada no Paraguai – assim como outras iniciativas nesse sentido na República Dominicana, em Honduras e no Peru – ampliaram progressivamente o número de instituições em que os estudantes das escolas primárias recebem mais horas de aula.

Um segundo campo de atuação estatal no nível primário da região é o das políticas socioeducativas. Embora a universalização da escola primária tenha sido praticamente alcançada em quase todos os países (ver dados na seção 4), uma parte significativa das ações governamentais visa promover a inclusão e a permanência no sistema educacional de estudantes em situações de vulnerabilidade. Entre elas, consideramos em primeiro lugar aquelas ligadas ao fortalecimento das condições de vida através da transferência de bens e renda. A grande maioria dos países da região contam com programas de transferência condicionada, que fornecem auxílios às famílias de baixa renda na condição de que seus filhos se matriculem e permaneçam na escola. Alguns exemplos incluem o Auxílio Universal por Filho na Argentina; o Benefício Juancito Pinto na Bolívia; o Bolsa Família no Brasil; o Prospera no México; e os Benefícios para a Proteção Social na Venezuela. Estes programas, que fizeram aumentar os anos de escolaridade dos setores socialmente mais vulneráveis, apresentam a cobertura mais alta em porcentagem da população na: Bolívia (51%), onde um dos critérios para beneficiários, além do fator pobreza, são pessoas que vivem com deficiência; República Dominicana (33%), onde é exigida uma taxa de presença de pelo menos 80% nas séries da educação primária; e Honduras (17,5%). Ao mesmo tempo, os sistemas educacionais geralmente fornecem serviços de alimentação e transporte e, em vários casos, bolsas para uniformes e material escolar. Os países que se destacam em termos de bolsistas no nível primário são Bolívia (88%), Uruguai (39%), Brasil (38%), República Dominicana (34%), Guatemala (32%) e Equador (26%) (de acordo com os dados do SITEAL para 2014-2018). Algumas ações nesta linha focalizam a concessão de bolsas de estudo para estudantes com deficiência (Guatemala) e indígenas (Bolsa Indígena no Chile), ou a implementação de transporte e outros apoios em áreas rurais (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação, FNDE, no Brasil).

Por outro lado, as políticas socioeducativas também incluem iniciativas para acompanhar as trajetórias educacionais e facilitar a permanência e a conclusão dos estudos primários. Algumas iniciativas destacadas nesta área são a Estratégia para a Ampliação da Cobertura na Educação Pré-primária e Primária (Guatemala); a Estratégia Nacional para a Educação Inclusiva (México), através de uma abordagem intersetorial com diferentes componentes; o Benefício Escolar Preferencial do Chile, que fornece recursos adicionais significativos às escolas que atendem os estudantes mais pobres; e uma alocação adicional anual por estudante nas escolas rurais (FNDE, Brasil). Nesta linha, também se destacam projetos de participação comunitária como o programa nacional Educação Solidária ou o Programa Nacional de Orquestras e Coros Infantis (ambos na Argentina); o Programa Hondurenho de Educação Comunitária (PROHECO), que implementa uma oferta educacional de base comunitária em áreas geográficas de difícil acesso e alta concentração de população socialmente vulnerável; e atividades que vinculam as escolas à comunidade local através do programa estratégico Resultados de Aprendizagem (Peru), que contempla escolas em contextos de vulnerabilidade social ou com baixos resultados de aprendizagem.

Um terceiro grupo de políticas é o das relacionadas à melhoria da aprendizagem. Consistem em intervenções que buscam oferecer melhores oportunidades de aprendizagem para crianças, incluindo programas voltados para estudantes ou escolas que tenham obtido resultados insuficientes nas provas de aprendizagem. Em quase todos os países da região, essas políticas constam em um lugar de destaque na agenda educacional, seja como planos integrais ou como programas que abordam uma ou mais dimensões em particular. Um exemplo de um plano integral é o programa Aprender ao Máximo, do Panamá, que, através de uma metodologia ativa de aprendizagem, busca fortalecer as competências lógico-matemáticas, a compreensão de texto e a pesquisa científica. O programa põe ênfase no desenvolvimento de habilidades socioemocionais, tendo o uso de tecnologias da informação e comunicação, a capacitação docente e a avaliação da aprendizagem como componentes centrais.

No caso das políticas de apoio pedagógico focalizado, as ações são muito variadas e, geralmente, articuladas com algumas das políticas socioeducativas. Estão incorporadas em iniciativas como o “Todos a Aprender” (Colômbia), um programa que busca melhorar a aprendizagem de línguas e matemática nas escolas que apresentam desempenho insuficiente; o plano nacional Aprender a Tempo (Equador), que visa reforçar o ensino em competências comunicacionais e em matemática, e o acompanhamento individualizado por um pedagogo para estudantes com baixo nível de aprendizagem; a Estratégia Nacional de Educação Inclusiva (México), através de uma série de ações destinadas a garantir a aprendizagem e a conclusão dos estudos; e o programa estratégico Resultados de Aprendizagem (Peru), que articula uma proposta pedagógica para escolas em contextos de vulnerabilidade social ou com baixos resultados de aprendizagem. Nestas três políticas, o aprimoramento ou desenvolvimento profissional docente é um dos principais componentes, complementado, dependendo do caso, por ações como o acompanhamento do trabalho docente em forma de tutorias, a construção de ambientes de aprendizagem que promovam um papel ativo para os estudantes e atividades que vinculem a escola à comunidade local. Outra política de apoio pedagógico focalizado que serve de exemplo é a do programa Professores Comunitários (Uruguai), destinado aos setores de baixa renda; o professor comunitário trabalha com crianças com dificuldades em seu desempenho escolar, complementando as tarefas do professor em sala de aula e, ao mesmo tempo, articula com as famílias uma proposta de alfabetização domiciliar.

Uma das principais estratégias implementadas em muitos países para melhorar a aprendizagem é o fortalecimento da formação docente inicial e continuada (Calvo, 2019; Vezub, 2019). As tendências recentes de políticas relativas à formação inicial incluem a geração de orientações curriculares e regulamentações nacionais para garantir a qualidade da oferta; a incorporação de práticas ao longo de todo o período de formação, em diversidade de contextos e com níveis crescentes de complexidade de acordo com o avanço do processo formativo; e a formação de docentes em pesquisa e inovação pedagógica. Com relação à formação continuada, as tendências incluem a formulação de diretrizes e marcos regulatórios nacionais; a criação de centros regionais que fornecem apoio direto às instituições e que constituem espaços para recursos multimídia; programas baseados na aprendizagem colaborativa e na estratégia de acompanhamento pedagógico por pares ou mentores. Por outro lado, os parâmetros para um bom ensino – que buscam estabelecer o que um professor deve saber e saber fazer – também começaram a desempenhar um papel importante na definição de conteúdos e estratégias para a formação inicial e continuada, bem como para a regulamentação da área docente de forma geral. Alguns dos países nos quais as políticas recentes de formação docente desempenharam um forte protagonismo incluem Cuba, com a Terceira Melhoria do Sistema Educacional; Bolívia, com seu Programa de Formação Complementar para Professores em Exercício; e Paraguai, com o Programa de Capacitação de Educadores para a Melhoria da Aprendizagem.

Uma quarta categoria remete às políticas de infraestrutura, equipamentos e fornecimento de tecnologia. Neste âmbito, uma tendência na região é priorizar os grupos tradicionalmente mais desfavorecidos, razão pela qual estas políticas também são integradas ou articuladas, em muitos casos, com as políticas socioeducativas. No Brasil, por exemplo, o Plano de Ações Articuladas (PAR) proporciona financiamento federal em articulação com ações dos estados e municípios para melhorar a infraestrutura e os equipamentos escolares. Algumas das políticas se concentram nas áreas rurais, como o Plano Especial de Educação Rural, da Colômbia, que inclui componentes como a construção de salas de aula e a implementação da educação primária a distância, e o já mencionado Programa Hondurenho de Educação Comunitária (PROHECO), que busca aumentar a oferta escolar em zonas de difícil acesso. Outros países também possuem programas para melhorar a infraestrutura e fornecer recursos adicionais para as escolas rurais (Argentina, Guatemala e Nicarágua) ou para escolas rurais e urbanas em contextos de pobreza (México e Paraguai).

Outras ações incluem equipamentos, por exemplo, para salas de aula em hospitais ou centros penitenciários, como na Bolívia, com o programa Centros de Apoio Integral Pedagógico (CAIP), ou a distribuição de livros didáticos e bibliotecas, como no Paraguai, através do Plano Nacional de Leitura.

Outra política muito aplicada tem sido a incorporação das tecnologias da informação e comunicação como ferramenta para enriquecer e tornar os processos pedagógicos mais eficazes (Ithurburu, 2019; Lion, 2019). Os países da região concentraram suas políticas especialmente na redução das desigualdades no acesso às tecnologias entre os estudantes e as escolas. Em alguns casos, o maior esforço foi colocado na infraestrutura para a cobertura de conectividade (por exemplo, no Paraguai); em outros casos, na melhoria da cobertura junto à formação docente (por exemplo, na Argentina, na Costa Rica e no Chile); e, em menor ocorrência, na expansão da cobertura junto à formação docente e à transformação das práticas escolares (por exemplo, na Colômbia e no Uruguai). Os programas dos diferentes países também se concentraram no desenvolvimento de portais educacionais e em propostas de redes escolares e projetos educacionais colaborativos entre escolas. O Plano Ceibal, do Uruguai, se destaca como a política mais consolidada nesta área, tendo conseguido acesso a computadores portáteis pessoais, internet, conteúdos digitais e apoio para seu uso pedagógico para todos os estudantes e professores da educação pública primária. Outros exemplos de iniciativas em andamento nesse sentido são o programa nacional Tecno@prender (Costa Rica), a Política Integral para a Melhoria da Informatização (Cuba) e o Plano Conectividade para a Educação 2030 (Chile).

Por último, um capítulo importante no panorama das políticas educacionais recentes da região é o das políticas curriculares e a promoção de modelos educacionais flexíveis. A renovação curricular tem sido um componente central de alguns programas de melhoria pedagógica, como na República Dominicana e no Panamá (programa Aprenda ao Máximo). Ao mesmo tempo, é notável que durante a última década, um número significativo de países adotou ou aprofundou conteúdos de educação sexual no nível primário, em geral, seguindo a noção de sexualidade integral e a perspectiva dos direitos sexuais e reprodutivos (Báez e González del Cerro, 2015; Vargas e Bravo, 2021). O Programa Nacional de Educação Sexual Integral da Argentina e o Programa de Educação Sexual do Uruguai são dois dos exemplos mais destacados desta tendência.

Por outro lado, os modelos educacionais flexíveis ou alternativos são promovidos em relação a diferentes contextos educacionais. Alguns desses modelos visam garantir a escolarização para filhos de pessoas privadas de liberdade ou crianças hospitalizadas, como é o caso do programa Centros de Apoio Pedagógico Integral da Bolívia, e o Programa de Salas de Aula Hospitalares do Paraguai; ou para migrantes e refugiados, como o projeto Inclusão educacional para crianças e adolescentes em situação de migração do México, e ações similares em países da América Central. A Colômbia, por sua vez, também apresenta ações específicas de modelos escolares flexíveis, entre os quais se destaca o programa Escola Nova, reconhecido internacionalmente por suas realizações.

Também dentro desta categoria, incluímos as políticas de reconhecimento ou de atenção à diversidade. Uma educação universal e inclusiva implica fazer efetivo o princípio de não discriminação por razões de gênero, identidade sexual, origem étnica ou deficiência, mas também demanda a valorização das diferenças. Neste sentido, houve avanços recentes importantes em termos de garantir o reconhecimento e o respeito aos direitos de grupos específicos no âmbito geral dos sistemas educacionais da região e no nível primário em particular, como o de pessoas com deficiências e pessoas sexualmente diversas, através do desenvolvimento de currículos que celebram as diferenças e combatem os estereótipos, de uma formação docente com uma abordagem inclusiva e de programas específicos de sensibilização entre os estudantes (UNESCO, 2020). Vale destacar a profunda renovação legislativa e de programas relacionados à educação de pessoas com deficiência (em países como Argentina, Costa Rica, Guatemala e Paraguai) em prol da inclusão de salas de aula comuns com base no enfoque social da deficiência, propondo importantes transformações em termos de desenvolvimento curricular, materiais didáticos, infraestrutura escolar e formação docente. Entretanto, os maiores avanços e a maior quantidade de iniciativas nos países da região foram nas modalidades de etnoeducação, educação indígena e intercultural ou multicultural. Estas políticas não são novas, mas ganharam um impulso significativo na última década (OREALC/UNESCO Santiago, 2019; UNESCO, 2020). Os programas de educação intercultural bilíngue ou multilíngue estão amplamente difundidos nos países da região, e às vezes são implementados através de uma estreita colaboração com organizadores da sociedade civil e comunitárias. Esses programas concentraram suas ações no desenvolvimento de currículos diferenciados que respondem aos saberes e às culturas indígenas e afro-americanas, na produção de livros e materiais didáticos em línguas indígenas e na formação docente para os modelos de educação intercultural ou indígena. Em diferentes casos, as políticas têm enfatizado a preservação e a difusão das línguas indígenas (Bolívia, Guatemala, Peru), a implementação de formatos escolares alternativos, incorporando elementos das culturas indígenas (Equador, Colômbia, Paraguai), ou a organização de encontros entre estudantes pertencentes a diferentes povos indígenas e comunidades afrodescendentes para a troca de experiências e conhecimentos (Encontro Nacional Tinkuy Escolar, Peru). A criação e a hierarquização de instituições específicas tem sido outro aspecto importante em alguns países, como no Equador, onde os Centros de Educação Comunitária Intercultural Bilíngue articulam a ação educacional com iniciativas de desenvolvimento produtivo e cultural; ou na Bolívia, onde os Conselhos Educacionais dos Povos Indígenas e o Instituto Plurinacional de Línguas e Culturas têm um forte protagonismo na regionalização do currículo. A Bolívia é um dos países que tem mais avançado em termos de perspectiva intercultural, que abarca todo o sistema educacional e não se limita às escolas de populações indígenas ou afrodescendentes.

Para concluir, vale mencionar que a situação da pandemia de covid-19 desencadeou durante 2020 e 2021 uma série de políticas para o sistema educacional em geral e para o nível primário em particular nos países da região. Uma primeira tendência foi a implementação de propostas de educação a distância, como consequência da suspensão das atividades presenciais nas escolas. Isto foi feito através do uso de uma variedade de formatos e plataformas, incluindo televisão, rádio, plataformas virtuais e entrega de materiais impressos. Em vários casos, esses recursos foram acompanhados de propostas de priorização curricular, que identificaram um conjunto de aprendizagens essenciais nas diferentes disciplinas. Outra tendência política que surgiu com o retorno à educação presencial são os programas destinados à reinserção e à recuperação ou nivelamento da aprendizagem para estudantes que se desvincularam do processo educacional ou que tiveram menores resultados de aprendizagem como consequência da pandemia. Os programas Acompanhar, pontes de Igualdade (Argentina) e Aprendizagem Acelerada (Panamá) são alguns exemplos desta segunda tendência.

5. Indicadores e panorama regional da educação primária

Esta seção apresenta alguns dados que fornecem uma visão geral dos resultados da educação primária na região. Em primeiro lugar, são destacados indicadores de cobertura, distorção idade-série e conclusão do nível. Em segundo lugar, estão os resultados das provas do Estudo Regional Comparativo e Explicativo (Erce), que contemplam os níveis de aprendizagem na terceira e sexta séries (segundo a CINE). A interpretação desses dados não deve ignorar a realidade de um contexto social de alta desigualdade e aumento dos níveis de pobreza desde 2016 (CEPAL, 2021).

Para abordar a questão da cobertura, ou seja, em que medida as políticas alcançam a inclusão das crianças na escola primária, uma medida relevante é a taxa líquida de frequência, que expressa a relação entre o número total de crianças na faixa etária oficial do nível primário que frequentam a educação primária ou em níveis superiores, e a população total da mesma faixa etária. De acordo com os dados disponíveis, a maioria dos países atingiu cerca de 95% de taxa líquida de matrículas até 2010 e manteve valores semelhantes até 2018. Em geral, a região apresenta uma cobertura muito alta, embora alguns países ainda pareçam ter dificuldades em garantir a escola primária para todas as crianças.

O indicador da porcentagem de estudantes com dois ou mais anos acima da idade prevista na educação primária expressa o nível de atraso escolar. Esse dado revela em que medida as trajetórias reais se distanciam das previstas; ao mesmo tempo, pode ser um indicativo de abandono escolar. Este fenômeno se deve à entrada tardia (com idade mais elevada que a de início prevista) ou à repetência. Historicamente, a América Latina apresenta altos níveis de repetência, uma tendência que tem diminuído nas últimas décadas. A evolução do indicador entre 2010 e 2018 corrobora esse avanço geral na diminuição da distorção idade-série na escola primária. No entanto, um grupo de países ainda exibe valores elevados.

A taxa de conclusão é um indicador-chave para verificar se as altas taxas de cobertura não são compensadas pelo abandono escolar. É a relação entre o número de graduados da educação primária; os que têm três a cinco anos acima da idade de entrada prevista no último ano do nível; e a população total dessa faixa etária. Ao escolher uma faixa etária ligeiramente mais velha do que a idade prevista para completar cada nível educacional, o indicador mede quantas crianças entram na escola mais ou menos a tempo e avançam através do sistema educacional sem atrasos excessivos. A maioria dos países apresenta valores altos, mas, como nos indicadores anteriores, um grupo reduzido (República Dominicana, El Salvador e Paraguai) se situa aquém da média regional. No entanto, houve um avanço generalizado entre 2010 e 2018. A participação média das mulheres na região é levemente superior à média geral em todos os países, exceto no caso do Equador, onde são iguais. Por outro lado, a porcentagem de conclusão diminui para as famílias mais pobres na maioria dos países, revelando processos de exclusão ainda vigentes.

Os resultados do Terce e do Erce 2019, a terceira e quarta versões do Estudo Regional Comparativo e Explicativo conduzido pelo Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação (LLECE), brindam uma percepção sobre o nível de aprendizagem na região. Este estudo foi aplicado em 15 países em 2013 e em 16, em 2019. Além das variações entre os países, uma conclusão geral do Erce 2019 é que os baixos níveis de resultados persistem na região e que, em média, não houve em nenhum um avanço significativo desde 2013. Poucos países registraram avanços mais substanciais. Em média, nos 16 países participantes, 40% dos estudantes da terceira série da primária e 60% da sexta série (segundo a CINE) não atingem o nível mínimo de competências básicas em leitura e matemática. A cifra sobe para 80% em relação às competências em ciências.

Em termos de gênero, não há diferenças de grande magnitude; as meninas tendem a apresentar um melhor desempenho que os meninos em leitura e ciências, e o contrário acontece, embora para menos países, em matemática. Os estudantes de povos indígenas mostram notas sistematicamente mais baixas em relação a estudantes não indígenas, mesmo quando a comparação se dá entre estudantes de igual status socioeconômico. Por fim, os resultados mostram a persistência na região da alta associação entre os resultados educacionais e o nível socioeconômico, tanto dos estudantes quanto de suas escolas. Neste sentido, um dado significativo revela que entre 40% e 50% das diferenças de aprendizagem entre os estudantes dependem da escola, e que o nível socioeconômico da escola é mais importante para explicar a aprendizagem do que o nível socioeconômico individual dos estudantes. Isso se explica por uma distribuição socioeconômica homogênea dos estudantes nas escolas, refletindo os processos de segregação social próprios da região (OREALC/UNESCO Santiago, 2021).

A Tabela 9 apresenta dados para a sexta série (segundo a CINE) – que, na maioria dos países, é a que finaliza a escola primária –, comparando os resultados de 2013 e 2019 nas três áreas avaliadas: leitura, matemática e ciências. No Erce 2019, quase 70% dos estudantes não atingiram o nível mínimo em leitura e matemática, com uma melhora na média em relação a 2013, enquanto a média em ciências se manteve ainda mais alta, mas com vários países retrocedendo em uma área ou mais, e muito poucos países alcançaram uma melhora notável nas três disciplinas.

6. Tendências e desafios

Os países da região têm mantido – através da adesão a acordos internacionais e da promulgação de regulamentações próprias – um compromisso de longa data com o direito à educação primária, renovado na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e na Declaração de Buenos Aires de 2017. Ao mesmo tempo, as legislações nacionais nos últimos anos preveem um aumento progressivo das obrigações dos Estados para garantir a escolarização primária, bem como a incorporação de demandas ligadas à educação inclusiva e à sustentabilidade. Com diferenças nos modelos de governo e administração, e uma presença variável, mas significativa, de escolas de gestão privada, a região mostra o protagonismo do Estado na regulamentação e provisão da educação primária.

As políticas implementadas cobrem uma ampla variedade de propósitos e incluem diversos componentes, de acordo com as metas do ODS 4 da Agenda 2030, que demanda garantir uma educação primária "gratuita, equitativa e de qualidade" que produza "resultados de aprendizagem pertinentes e eficazes". Como mostrado na seção 3, as principais iniciativas de políticas visam: ampliar a jornada escolar; distribuir recursos para facilitar ou incentivar a frequência nas aulas; garantir o acesso, melhorar as condições de escolarização e apoiar os processos pedagógicos para os grupos tradicionalmente desfavorecidos; fortalecer os resultados de aprendizagem e alcançar uma formação mais integral para todos os estudantes; e o reconhecimento e a atenção à diversidade, especialmente considerando os direitos e características das crianças com deficiências, identidades sexuais diversas ou de populações indígenas e afrodescendentes.

A partir de um levantamento das tendências políticas e dos principais indicadores de desempenho, bem como de diversos estudos e relatórios elaborados pela UNESCO, é possível traçar uma série de desafios que a região enfrenta para alcançar uma educação primária de qualidade para toda a população.

Alguns destes desafios, de tipo estrutural, estão ligados ao acesso, às trajetórias e à aprendizagem básica.

  • Por um lado, a conquista que representam as taxas de cobertura e de conclusão de nível quase universal, tanto para meninos quanto para meninas, contrasta com a persistência de situações de exclusão para certos grupos em alguns países – especialmente a população indígena e setores de baixa renda – e de altos níveis de distorção idade-série, o que aponta para a necessidade de aprofundar os programas voltados para esses grupos.
  • Por outro lado, os resultados da prova Erce 2019 mostram que o nível mínimo de competências básicas (em leitura, escrita, matemática e ciências) é alcançado – de maneira transversal em todos os países – por uma proporção muito pequena de estudantes, cenário agravado para a população indígena e setores de baixa renda.
  • As dificuldades nas trajetórias e resultados de aprendizagem também são reforçadas pela acentuada segregação socioeconômica das escolas. Isto implica investir nas políticas de melhoria das aprendizagens que abarcam todas as escolas, complementadas por intervenções que reforcem as ações nas escolas que registrem resultados mais baixos. A eliminação das diferenças de rendimento entre meninas e meninos, observadas em certos países, também deveria ser alvo de políticas elaboradas neste âmbito.
  • Os professores são atores-chave nestes esforços. Embora a formação docente inicial e continuada tenha sido um componente central das políticas recentes, ainda se identificam debilidades nos processos formativos, em paralelo com a persistência de salários e condições de trabalho insuficientemente hierarquizadas.
  • Em relação a outro fator potencial de melhoraria dos processos de ensino e aprendizagem, como são as tecnologias da informação e comunicação, o avanço em termos de maior disponibilidade de equipamentos e conexões, assim como a capacitação docente para seu uso nas salas de aula, não têm sido suficientes ou uniformes na região. Além disso, a articulação das TIC com o currículo e com o desenvolvimento das habilidades cognitivas e socioemocionais dos estudantes são destacados como aspectos pendentes que precisam ser tratados de forma mais sistemática nas políticas.

Ao mesmo tempo, há uma série de desafios emergentes para a educação primária na região. Entre eles, podemos citar:

  • Assegurar que as políticas de reconhecimento e atenção à diversidade tenham uma tradução mais efetiva nos conteúdos e práticas escolares. Neste sentido, os desafios incluem a implementação da educação intercultural em todas as escolas primárias, e não apenas nas que atendem a população indígena ou afrodescendente; uma maior incorporação de abordagens que valorizam a diversidade sexual e de gênero; e uma maior integração das pessoas com deficiência nas escolas regulares, acompanhada dos recursos necessários para enriquecer a experiência escolar de todos os estudantes.
  • Avançar para uma educação mais integral através de um trabalho mais explícito e sistemático da escola sobre as noções de educação para a sustentabilidade e a cidadania global, bem como sobre o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Apesar de obter mais espaço discursivamente, a educação para o desenvolvimento sustentável e a educação para a cidadania global ainda ocupam um lugar marginal nos currículos e nas avaliações nacionais. Além disso, os programas que têm sido implementados costumam carecer de parâmetros específicos e inovadores de ensino. Faz-se necessário também uma maior sistematização no desenvolvimento de habilidades socioemocionais como a empatia, a abertura à diversidade e a autorregulação (avaliadas no Erce 2019), em articulação com as habilidades cognitivas, considerando não apenas sua contribuição para a aprendizagem de competências básicas, mas também seu papel na promoção de condutas que contribuam para a sustentabilidade e uma cidadania ativa, bem como para a equidade de gênero, a aceitação da diversidade e a prevenção de situações de violência.
  • Por fim, o contexto mais imediato para as escolas primárias da região é marcado pelas consequências da pandemia de covid-19, ainda difíceis de avaliar em toda a sua magnitude. Sem dúvidas, a crise sanitária tornou os desafios estruturais e emergentes, descritos anteriormente, mais complexos. Todos os países da região, exceto a Nicarágua, implementaram uma suspensão mais ou menos prolongada das aulas presenciais em 2020, com a implicação direta de perdas de aprendizagem generalizadas e da desvinculação de uma parte dos estudantes. A necessidade de implementar modalidades de ensino a distância ressaltou as lacunas ainda existentes no acesso e no uso de ferramentas informáticas e digitais, tanto entre professores quanto entre estudantes; e também o fato de que poucos países contavam com estratégias nacionais de educação por meios digitais com um modelo integral de uso das TIC. Também gerou uma situação de exigências extraordinárias para professores, estudantes e famílias. Por outro lado, o retorno às aulas presenciais supôs um fator de estresse para todos os atores do sistema escolar e a mobilização de recursos extraordinários para garantir sua realização em condições sanitárias adequadas. Estima-se que a situação da pandemia produziu um retrocesso significativo na aprendizagem, bem como a um aprofundamento das desigualdades em termos de acesso e de trajetórias escolares.

7. Referências Bibliográficas

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Vargas, S. P. M. e Bravo, M. A. S. (2021). Educación Sexual en América Latina: una revisión del estado del arte en Colombia, Chile, México y Uruguay. Revista Educación las Américas11(1), 57-77.

Vezub, L. (2019). Análisis Comparativos de Políticas de Educación: Las políticas de Formación Docente Continua en América Latina. Mapeo exploratorio en 13 países. IIPE UNESCO Buenos Aires. https://www.buenosaires.iiep.unesco.org/sites/default/files/archivos/An%C3%A1lisis%20comparativo.%20Lea%20Vezub.pdf

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